*Sara Barbosa de Oliveira
Em 1999, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu, no dia 25 de novembro, o Dia Internacional de Luta contra a Violência sobre a Mulher. Essa data foi escolhida para homenagear as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa, conhecidas como “Las Mariposas”, que combatiam fortemente o regime ditatorial de Rafael Leônidas Trujillo, na República Dominicana, sendo assassinadas pelo governo extremista. Seus corpos foram encontrados em um precipício, com sinais de estrangulamento e intensa tortura, acarretando uma grande comoção. Com a finalidade de ampliar o combate à violência contra as mulheres, em 2010, foi criada a ONU Mulheres, instituição humanitária com sede em Nova York e responsável pela defesa dos direitos humanos das mulheres na ONU.
No Brasil, a biofarmacêutica Maria da Penha é o símbolo da luta pela proteção das mulheres contra a violência doméstica e familiar. Em 1983, Maria da Penha, então casada com o professor universitário Marco Antonio Herredia Viveros, sofreu duas tentativas de assassinato pelo seu cônjuge, ficando paraplégica por um tiro nas costas enquanto dormia. Foram mais de 15 anos de luta e pressões internacionais para que a Justiça brasileira concluísse o processo contra o ex-companheiro de Maria da Penha, inclusive com a denúncia do país para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA). Somente em 2002, Viveros foi condenado e preso para cumprir dois anos de prisão.
Se por um lado o Brasil foi repreendido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, por negligência estatal no caso Maria da Penha, por outro, internalizou no ordenamento jurídico pátrio uma legislação específica, considerada pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres, com o objetivo de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, estabelecendo medidas de assistências e proteção às mulheres em situação de violência: a Lei nº11.340/2006, a Lei Maria da Penha.
É certo que, apenas a criação de mecanismos legais não é suficiente para a redução dos índices de violência contra a mulher, por se tratar de um problema complexo, exigindo medidas conectadas em diversos níveis do Poder Público, por meio de políticas públicas, e da sociedade civil.
Na atualidade, debates sobre violência se popularizaram e temas foram revelados, tais como feminicídio, assédio sexual e violência contra as mulheres em espaços públicos, como o caso da importunação sexual nos transportes públicos, dentre outros. O silêncio sobre o tema foi rompido por vozes plurais das mulheres que sofreram ou sofrem abusos e suas superações.
A transparência de informações, a visibilidade de casos e as mobilizações on-line abriram os olhos de milhões de pessoas, despertando atenção aos primeiros sinais da violência. Contudo, os números de violência contra as mulheres no Brasil são alarmantes.
Segundo os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2019, revelam que 76,4% das mulheres agredidas indicaram que o agressor era um conhecido, sendo 39% parceiros e ex-parceiros, 14,6% parentes, 21,1% vizinhos e 3% colegas de trabalho da vítima.
A maioria das mulheres continua sendo vítima de violência dentro de casa (42%) e apenas 10% relatam ter buscado uma Delegacia da Mulher após o episódio mais grave de violência sofrida no último ano. Infelizmente, 52% das mulheres alegam não ter feito nada.
A mulher no Brasil vive em constante situação de risco, mas para a mulher negra ou parda existe um perigo ainda maior. O racismo e suas consequências potencializam o risco de lesão e morte para mulheres negras e pardas em relação às brancas (24,7% brancas, 28,4% pretas, 27,5% pardas).
Para se prevenir a violência é necessário haver conscientização e a conscientização está diretamente relacionada à educação. Embora a violência aconteça em todas as classes sociais, quanto mais educação formal, menos violência. Na pesquisa de 2019, 31,6% das mulheres com ensino superior identificaram com mais facilidade outras formas de violência, como a psicológica, moral ou o assédio sexual, com predominância de ofensas verbais (23,3%) e ofensa sexual (12,8%).
Os fatos relacionados a violência contra mulher nos apontam que ainda há necessidade de se romper com uma cultura que reduz a mulher a um objeto que é propriedade de um homem: primeiro do pai e, após o casamento, do marido. Não há como tolerar que mulheres sejam vítimas de feminicídio por romperem um relacionamento ou que sejam vítimas de violência física, moral, patrimonial, psicológica e sexual – os cinco tipos de violência previstos na Lei Maria da Penha – por conta desta cultura perversa e tão adoecedora de parte da sociedade.
É importante destacar ainda que a violência de gênero não se dá somente por conta da violência doméstica e familiar. Ela está presente em todos os espaços da nossa sociedade, com o agravante de que homens e mulheres reproduzem esses discursos e práticas, inseridos pela cultura nos diversos espaços por onde transitam.
Como um memorial para a luta pelo fim da violência contra a mulher, a ONU estabeleceu o dia 25 de cada mês como “Dia Laranja”. A finalidade dessa prática é aumentar a conscientização e medidas para o fim da violência contra as mulheres e meninas. A cor laranja, entendida como vibrante e otimista, representa um futuro livre de violência.
A causa do dia 25 de novembro não se trata apenas da mulher machucada, mutilada, que ganha menos para exercer a mesma função profissional. Trata-se de uma causa humanitária, imperiosa para a consolidação de uma “sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, prevista em nossa Constituição Federal de 1988. Então, fica aqui o convite, no dia 25 deste mês, vista-se de laranja e contribua para essa causa.
* Sara Barbosa de Oliveira é coordenadora do curso de Direito da Faculdade Pitágoras da Serra.