SÃO PAULO, 28 FEV (ANSA) – Por Beatriz Farrugia – A diretora da ONU Mulheres para Américas e Caribe, a uruguaia Maria-Noel Vaeza, esteve no Brasil durante o feriado de carnaval para cumprir uma agenda de encontros políticos e civis em Brasília e no Rio de Janeiro. Em entrevista exclusiva à ANSA, Vaeza contou que discutiu políticas e mecanismos para o avanço do direitos das mulheres, em vista da campanha internacional “Geração Igualdade”, que pretende cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030. Segundo ela, é preciso eliminar a violência contra a mulher e promover maior participação política. Confira a entrevista completa: ANSA: Quais encontros a senhora teve no Brasil e quais os temas foram abordados? Vaeza: Vim ao Brasil para apresentar a nova representante da ONU Mulheres no país, a ucraniana Anastasia Divinskaya, que acabou de chegar. É uma profissional de muitos anos na ONU Mulheres, já foi representante na Ucrânia e no Timor-Leste. É uma pessoa com muita experiência. Apresentei-a ao Itamaraty e ao vice ministro de Cidadania. Também visitei a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Estivemos ainda com o presidente da Suprema Corte de Justiça e conversamos com colegas e representantes da sociedade civil. ANSA: A senhora se reuniu com a ministra da Mulher, Damares Alves. Como avalia o trabalho realizado por ela e a situação das mulheres no Brasil atualmente? Vaeza: Eu não sou ninguém para avaliar o trabalho da ministra. Meu trabalho é encontrar pontos em comum, como já encontramos e com os quais podemos trabalhar. Por exemplo, ela está muita preocupada com a violência contra a mulher. É uma das maiores preocupações que ela nos expressou.Eu contei o que estamos fazendo na região latino-americana. Ela estava interessada e nos escutou. Falamos sobre como organizar melhor o serviço público para atender as mulheres. Essa foi a grande parte da nossa conversa, assim como a participação política, que é um tema que a ONU Mulheres se preocupa muito. Cerca de 75% do Parlamento na América Latina é formado por homens. E 85% dos prefeitos na América Latina são homens. Então temos uma oportunidade de ouro com as eleições municipais para mudar essa realidade e fazer com que mais mulheres entrem na política.A ministra tem a mesma preocupação sobre a necessidade de ter mais mulheres na política. Temos que dialogar e encontrar temas em comum. ANSA: Quais mecanismos ajudam a avançar na participação política e na eliminação da violência contra a mulher?Vaeza: Há alguns mecanismos que vocês têm no Brasil, um deles se chama “Casa da Mulher”, que são modelos que nós temos estimulado em outras partes, como América Central e Colômbia. São estruturas que colocam os serviços públicos no mesmo edifício.Para uma mulher violentada, custa muito sair e fazer uma denúncia ou buscar um serviço público para receber ajuda.Esta “Casa da Mulher” tem como particularidade a possibilidade das mulheres encontrarem defensores, procuradores, juízes, serviços de saúde no mesmo lugar. E também tem as metodologias que a ONU Mulher desenvolveu na nossa região, na Índia, na África. A ONU Mulher tem um conhecimento acumulado de como as políticas públicas e a institucionalidade funcionam melhor.É o que fazemos, não? Tentar estimular um pensamento crítico e atrair boas experiências, analisando como essas boas experiências servem da melhor maneira para as mulheres. A eliminação da violência contra as mulheres é nossa prioridade. ANSA: Em comparação com o resto do mundo, como está a situação das mulheres na América Latina? Vaeza: Bom, o direito das mulheres na América Latina tem uma particularidade que não tem em outra região. Nós temos os direitos garantidos pela Constituição de cada um dos países, temos muitas leis, muito avançadas, em matéria de violência contra a mulher, participação política e econômica. O problema é que essas leis não são cumpridas, ou são cumpridas parcialmente.Mas, comparando com outras regiões, também estamos muito melhores do ponto de vista legal e constitucional. Então, o que temos que acelerar é o cumprimento dessas leis, as políticas públicas. Não se pode aceitar que o orçamento para políticas para as mulheres seja um dos menores. Isso é uma vergonha. E isso não acontece só no Brasil, mas sim, em todo o mundo.A ONU Mulheres também é uma das menores agências da ONU. Temos 10 anos, todo mundo fala da sua importância, mas não colocam o dinheiro onde está a palavra. O mesmo se passa nos governos. ANSA: No ano passado, vários movimentos espontâneos surgiram na América Latina em defesa da mulher. O quão importante esses movimentos são? Vaeza: Nós temos uma campanha que fazemos todos os anos. Ela começa dia 25 de novembro, Dia do Combate à Violência contra a Mulher, e termina em 10 de dezembro, que é o Dia Internacional dos Direitos Humanos. São 16 dias de ativismo. Isso gera um impacto forte.
Antigamente, esse tema da violência contra a mulher era administrativo e hoje é mais discutido. Por isso essas campanhas são importantes. É importante falar. No ano passado, nossa campanha falou do estupro, que é um tema muito difícil, mas deve ser colocado na mesa para mudar, de uma vez por todas, a atitude dos homens que não nos respeitam ou não nos tratam como nossos donos, não como seres humanos. ANSA: Algumas declarações de inclinação sexista ou misógina às vezes ocorrem entre ministros, autoridades políticas, presidentes, dentro de governo em todo o mundo, inclusive na América Latina. Como a senhora qualifica essas declarações? Elas são um obstáculo ao avanço do direito das mulheres? Vaeza: Olha, quando eu escuto essas expressões de ministros, deputados, presidentes, o que penso é: “esse senhor tem medo das mulheres, se sente inseguro e, por isso, ataca”.E eu gosto que tenham medo. Porque isso significa que sabem que a era da mulher está chegando e que as pessoas que estão no poder hoje não têm preparação.Quando escuto isso, escuto sons de insegurança e medo. E gosto, porque mostra que estamos vindo com muita força. Essas declarações não me dão medo. Eles que têm medo, por isso atacam.(ANSA)
Fonte: IstoE