Todas as mulheres podem sofrer violência doméstica: não importa a cor, a idade, o emprego, a classe social, o grau de instrução ou o nível de empoderamento. Por conta de uma sociedade machista, qualquer uma pode estar na mira de um agressor. “A mulher em situação de violência doméstica não tem um perfil, não é necessariamente a vítima típica, que chega machucada, fragilizada. Precisamos desconstruir essa imagem. Cada uma lida com a violência de forma diferente”, diz a promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Mariana Távora.
A mortalidade no Brasil é alarmante, tanto para eles quanto para elas. A diferença – e a necessidade de se falar em feminicídio, em violência contra a mulher e de relatar histórias que acabaram em tragédias – é onde as mulheres morrem e quem as mata. De acordo com o Mapa da Violência de 2015, que teve volume dedicado especificamente às mulheres, boa parte dos feminicídios acontece onde a vítima deveria estar mais segura, no próprio lar (27,1%). E o autor do crime é, na maioria das vezes, o cônjuge (29,7%, na juventude, 34%, na vida adulta e 12,9%, na velhice). Neste 2019, o Distrito Federal já contava seis feminicídios e 3.694 ocorrências relacionadas à Lei Maria da Penha até a sexta-feira (29/03).
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Trabalhando com violência doméstica desde 2003, a promotora Mariana Távora alerta para um tipo ainda invisível de agressão: a psicológica. Sem deixar marcas, xingamentos, ameaças, humilhações, ciúmes desmedidos, chantagens, limitação do direito de ir e vir e vigilância constante vão minando a mulher por dentro. A saúde mental delas fica abalada. Segundo a promotora, que evita usar a palavra vítima para não minimizar as mulheres que estão em situação de violência, mais de 70% delas desenvolvem depressão, enquanto 50% sofrem com insônias constantes.
Como o MP pode ajudar
Parte da rede de proteção às mulheres em situação de violência, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios atua em duas frentes de proteção aos direitos delas. De um lado, fiscaliza e cobra do governo o bom funcionamento das políticas públicas. Do outro, auxilia as mulheres que denunciam situações de agressão.
Diante da notícia de problemas nos equipamentos de enfrentamento à violência – como o Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM), o Programa de Pesquisa, Assistência e Vigilância à Violência (PAV), os Núcleos de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica (Nafavds), Casa Abrigo e Casa da Mulher Brasileira – o MP aciona o Governo do Distrito Federal (GDF) para a melhoria dos serviços de atendimento.
“Temos um equipamento que é referência no Brasil, temos serviços aqui que não existem em outros lugares do país, mas precisamos de investimentos, servidores, estruturação”, afirma a promotora. “Acredito que essa é uma das nossas atribuições mais importantes. Estamos trabalhando no fomento de políticas públicas”, completa.
Na outra ponta são os casos individuais. Se a mulher estiver vivendo uma situação concreta de violência doméstica, ela deve buscar o órgão para relatar a situação e dar encaminhamento ao processo necessário. Se for um crime de ação penal pública, como uma lesão corporal, o Ministério Público colhe informações, avalia se é necessário pedir uma medida protetiva e dá seguimento aos autos. “Se a mulher em situação de violência tem dúvidas sobre registrar ou não uma ocorrência, podemos encaminhá-la para a rede de apoio”, explica Mariana Távora.
Terminando um mestrado em família e gênero, a promotora defende que para reverter o cenário assustador da violência doméstica atual é preciso investir em políticas públicas, nos equipamentos disponíveis, na capacitação do sistema de Justiça e, principalmente, na educação. “ Precisamos tratar do tema na raiz, trabalhar desde cedo a questão da violência de gênero com crianças e adolescentes. O machismo traz prejuízos para todos nós. Ao enfrentarmos esse tema, a vida pode ficar mais amorosa”, aposta.
Proteção para todos
Apesar de a lei Maria da Penha tratar exclusivamente de mulheres em situação de violência (inclusive mulheres transexuais), a legislação não fala sobre o sexo do autor. A promotora explica que uma dúvida comum é se a legislação vale apenas contra os homens. Não. Se uma mãe agride a filha por razões relacionadas ao gênero ou se um casal homoafetivo está vivendo uma violência, também se usa a lei. A realidade, no entanto, mostra que a maioria dos agressores é do sexo masculino.
Ela esclarece que os homens vítimas de violência doméstica também são amparados pela Justiça, apenas não estão incluídos especificamente na Lei Maria da Penha. “O processo de responsabilização, nesses casos, corre no juizado especial criminal ou na vara criminal, e o homem também tem direito a medidas cautelares, que funcionam como medidas protetivas”, esclarece.
Neste 2019, o Metrópoles inicia um projeto editorial para dar visibilidade às tragédias provocadas pela violência de gênero. As histórias de todas as vítimas de feminicídio do Distrito Federal serão contadas em perfis escritos por profissionais do sexo feminino (jornalistas, fotógrafas, artistas gráficas e cinegrafistas), com o propósito de aproximar as pessoas da trajetória de vida dessas mulheres.
O Elas por Elas propõe manter em pauta, durante todo o ano, o tema da violência contra a mulher para alertar a população e as autoridades sobre as graves consequências da cultura do machismo que persiste no país. Desde 1° de janeiro, um contador está em destaque na capa do portal para monitorar e ressaltar os casos de Maria da Penha registrados no DF. Mas nossa maior energia será despendida para humanizar as estatísticas frias, que dão uma dimensão da gravidade do problema, porém não alcançam o poder da empatia, o único capaz de interromper a indiferença diante dos pedidos de socorro de tantas brasileiras.