CABUL — A jornalista afegã e defensora dos direitos das mulheres Mena Mangal foi morta a tiros na manhã do último sábado em Cabul , em plena luz do dia. Mangal, que atualmente era conselheira da comissão de assuntos culturais do Parlamento do Afeganistão, foi alvejada nove vezes quando ia para o trabalho. Segundo a polícia, ainda não está claro se o assassinato foi um atentado terrorista ou um ataque direto à ativista. Parentes disseram a jornais locais que Mangal tinha “problemas” com seus ex-sogros.

A ativista era conhecida por uma carreira de mais de dez anos como apresentadora em canais de TV locais como a LEMAR TV, Shamshad News e Ariana TV. Notória defensora da educação feminina e combatente ativa contra a prática de casamentos forçados — ela própria  se divorciou apenas este mês do homem com quem foi obrigada a casar, em 2017 —  Mangal atuava principalmente em temas ligados aos direitos das mulheres no país, um dos mais repressores de gênero do mundo.

Poucos dias antes, ela afirmara nas redes sociais que sua vida corria perigo.

“Esta mulher já havia compartilhado que sua vida estava em perigo. Por que nada aconteceu? Precisamos de respostas”, disse Wazhma Frogh, advogada afegã de direitos humanos e defensora dos direitos das mulheres, em um post no Twitter. “Por que é tão fácil nesta sociedade [para os homens] continuar matando as mulheres com quem eles discordam?”.

Uma das suas colegas no Parlamento, Shagufa Noorzai, afirmou que a morte  é mais um entre os muitos ataques às mulheres nas ruas de Cabul. E lembrou de outras mulheres que foram raptadas, violentadas e queimadas nos últimos meses.

Violência doméstica e sequestro

Além das questões políticas, a polícia investiga problemas familiares. Mangal tinha apenas 14 anos quando foi prometida em casamento pela família ao ex-marido, Jawed. Depois de ficarem noivos por quase 10 anos, eles se casaram há dois.

O noivado, no entanto, foi turbulento. Jawed fez várias ameaças aos pais da jornalista de que a mataria caso não cumprissem sua promessa. Eles cederam, mas poucos dias depois do casamento, parentes do marido levaram Mangal à força a um local isolado onde a espancaram e a torturaram. Logo depois, ela pediu o divórcio.

Após uma longa batalha judicial, um tribunal reconheceu finalmente a separação no início deste mês. Dias depois, a ativista, de 27 anos, foi encontrada morta em uma poça de sangue em um bairro de Cabul, após ter sido baleada várias vezes.

Sua mãe, Anisa Mangal, acredita que a família de Jawed esteja envolvida no assassinato.

— Ela sofreu opressão desde o dia em que ficou noiva até ao casamento —  disse um dos parentes ao canal Tolo News.

O Afeganistão assistiu a vários assassinatos de mulheres em cargos públicos nas últimas duas décadas, incluindo policiais, políticas, educadoras, estudantes e jornalistas. A Anistia Internacional classificou o país como o pior lugar do mundo para ser mulher — atacadas por ir à escola ou trabalhar. O país também tem altos níveis de estupro e violência doméstica, além de abusos físicos e sexuais por forças do Estado, casamentos forçados, inclusive infantis, e mortes por “questões de honra”.

Segundo um relatório do Repórteres sem Fronteiras, 2018 foi o ano mais letal para jornalistas no país desde a queda do regime Talibã, em 2001, quando 15 jornalistas e trabalhadoras da mídia foram mortas.

O porta-voz do Talibã Zabihullah Mücahid anunciou novas negociações de paz em Doha para acabar com a guerra no Afeganistão —  e revelou que as mulheres também estariam na delegação. O grupo foi o responsável pela tentativa de assassinato da jovem estudante e ativista paquistanesa Malala Yousafzai , baleada na cabeça quando ia para a escola em Mingora, maior cidade do Vale de Swat.

O Globo