O Pará é o estado do Norte com o maior número de famílias chefiadas por mães, aponta pesquisa do IBGE. São cerca de 900 mil mulheres que se equilibram para dar conta de uma dupla, por vezes, tripla rotina de trabalho. Nesse jogo de cintura, a maternidade serve de inspiração – e traz a necessidade – de se reinventar. Com dificuldade para se adaptar ao mercado de trabalho ou para conseguir emprego depois da maternidade, mulheres paraenses criam suas próprias empresas em busca de aliar tempo para a família e garantir uma fonte de renda.
Égua, mana é uma expressão típica dos paraenses – que nesse caso, remete a admiração – e dá nome a uma série de reportagens especiais produzidas pelo G1 em alusão ao Dia das Mães . As reportagens mostram histórias de atitude, superação e coragem, seja através do voluntariado, no mercado de trabalho ou na luta pelos direitos e que se tornaram exemplos da força da mulher.
Da academia para a decoração
A grande família da professora Lívia Noronha começou com uma criança que precisava de cuidados já que a mãe biológica teve que morar em outro estado. Lívia acolheu Suellen, então sua afilhada, e logo a rotina fortaleceu tanto o amor, que a criança ganhou uma segunda mãe. Chegou, então, o pai adotivo, Mário, marido de Lívia, que escolheu oficializar seu laço de afeto junto à Justiça. Suellen, que não tinha nome paterno no registro, agora tem duas mães e um pai. Para completar a família, há quase dois anos, chegou Rudá, o segundo filho do casal. Com dificuldades para voltar ao mercado de trabalho e conciliar os cuidados com o bebê, recentemente, a maternidade trouxe ainda mais um fruto à Lívia: uma empresa familiar.
Rudá como garoto propagadanda da empresa de decoração da família Noronha — Foto: Divulgação/DeCoração De Mãe
A maternidade de Suellen, que se deu quando a menina já tinha 11 anos, exigiu ajustes à vida de Lívia, que contou com o apoio do marido e da mãe nos cuidados com a pré-adolescente. Mestre em Filosofia e feminista negra, além de dar aulas no ensino superior, Lívia esteve à frente de um projeto pré-vestibular gratuito voltado para mães solteiras, público LGBTQI e moradores da periferia. No entanto, tudo mudou com a vinda de Rudá. Ela conta que descobriu a gravidez no final do ano letivo, quando o contrato com uma universidade estava encerrando, assim como as atividades que ela desempenhava em outras instituições. Depois de dar à luz, voltar a trabalhar se revelou uma batalha.
“Depois dele, eu não consegui mais voltar ao mercado. Fui preterida em alguns processos seletivos depois de declarar que tinha dois filhos e um era bebê. Eu percebi que teria que me reinventar, em mais aspectos do que eu imaginava, para sair da numerosa estatística de mãe desempregada. Era necessário continuar o meu processo de empoderamento”, conta Lívia.
Aliar seu ativismo e sua vida política à rotina dos cuidados com os filhos foi um desafio, mas também se revela uma bússola na criação dos pequenos cidadãos. “Desde a gestação, eu me preocupava com a educação do Rudá, que – sendo filho biológico – eu poderia ensinar sobre relações sociais, em especial de gênero, raça e classe – desde muito cedo. Essas questões fazem parte do meu ativismo, enquanto feminista negra, e atravessam a minha maternidade me lembrando de que forma eu posso não apenas desejar um mundo melhor para os meus filhos, mas colocar no mundo pessoas melhores”.
Quase dois anos depois a chegada do Rudá, Lívia percebeu que a decoração, hobby desenvolvido durante a gestação e o puerpério, tinha se transformado em uma forma de “terapia”. Nesse período, fez cursos sobre decoração de festas, criou objetos, assistiu a vídeo-aulas. “Isso fazia muito bem pra minha saúde mental. Percebi que era algo que eu poderia fazer ‘o tempo todo’ e com muito amor”, conta.
Foi então que nasceu mais uma cria, a empresa “DeCoração de Mãe Festas”. “A minha empresa de produção e decoração de festas não poderia ter outro nome”, diz. Lívia voltou aos estudos. Desta vez, o empreendedorismo foi o tema.
“Consegui tomar consciência do que estava acontecendo: eu tinha um novo caminho possível para trilhar, cheio de desafios, mas que estava sendo oferecido para mim como um presente da maternidade”.
Irmãs e mães
Desiree, Dominik e Mirelle Giusti: irmandade e fraternidade — Foto: Arquivo Pessoal/Dominik Giusti
Mães solo, as irmãs Dominik, Mirelle e Desiree Giusti criaram uma rede de apoio afetiva e profissional. Há seis anos, fundaram uma empresa de comunicação que lhes permitiu um horário mais flexível e a possibilidade de uma contar com a outra nos desafios da vida.
“A gente está tentando encontrar um caminho saudável para aliar maternidade e trabalho, essa questão é algo que nos instiga muito, enquanto mães e enquanto mulheres que precisam trabalhar para sustentar a casa e as crianças, e como elas nos enxergam enquanto trabalhadoras”, diz Dominik.
A ideia surgiu em 2013, quando a jornalista Dominik começou a receber muitas propostas de trabalho no setor de cultura. No mesmo período, lidava com o pré-diagnóstico de autismo de seu filho Antônio, hoje com 7 anos. “Eu corri atrás de todo mundo pedindo trabalho. Fiz o tratamento e o acompanhamento dele numa clínica particular que até hoje eu acredito que seja uma das melhores de Belém. Lembro que eu sacava um bolo de dinheiro para a pagar a clínica”, conta.`
À época, as três irmãs moravam juntas com as três crianças: além de Antônio, filho de Dominik; Flor, filha de Mirelle; e Theo, rebento de Desiree. “A gente precisava de virar para pagar as contas. Lembro também de uma entrevista que eu li da mãe de uma criança com síndrome de Down. Ela dizia que precisava ser uma boa profissional pra pagar o tratamento da bebê dela, e aquilo me tocou porque eu sei que é assim: que a sociedade cobra da gente e se ela se deixasse ser uma profissional ruim, ela não ia conseguir dar o melhor tratamento para a criança. A suspeita do autismo foi descartada, e mesmo assim continuamos o trabalho em conjunto”, relata Dominik.
Mesmo acontecendo fora dos planos, a empresa se solidificou. Para Dominik, isso se deu por atrelar os valores que as guiam enquanto família e profissionais: a solidariedade e fraternidade, respeito e união no universo laboral, em tempos de muitos assédios e muitos preconceitos contra as mães.
“É normal as empresas olharem de cara feia se você leva o filho no médico ou falta se ele está doente. Não deveria ser assim, eu não quero que seja assim na nossa empresa”, defende.
“Quando temos demandas direcionadas para uma de nós e por algum motivo não é possível cumprir, imediatamente reorientamos o trabalho para atendermos da melhor forma nossos clientes e para poder que uma de nós possa resolver determinado problema sem se preocupar com o trabalho”.