Em um edifício de arquitetura moderna e vistosa no centro de Mata de São João, no Litoral Norte baiano, os vereadores do município se reúnem ordinariamente às terças-feiras para votar projetos ou discutir temas que consideram relevantes para a cidade, que se destaca pelo turismo e pelas belezas naturais. Em dias de sessão, chama a atenção a movimentação de mulheres no plenário, com participação ativa nas sessões.
Contudo, elas não estão lá como protagonistas, mas como coadjuvantes. Enquanto todas as 13 cadeiras de vereadores são ocupadas por homens, cabe a elas posições de assessoramento e secretaria nos gabinetes da Câmara do município, cuja população é composta majoritariamente por pessoas do sexo feminino.
E se engana quem pensa que este é um caso atípico. Na Bahia, outras 106 câmaras municipais não têm nenhuma vereadora eleita em 2016. E mais: em 135 cidades, apenas uma mulher tem cadeira de vereadora. Voltando a Mata, o município teve 166 candidatos à vereança em 2016, sendo 50 do sexo feminino – mínimo exigido pela legislação eleitoral, que determina pelo menos 30% de candidaturas femininas nas disputas para legislativos. A poulação local, de pouco mais de 46 mil habitantes, é composta por pouco mais de 50% de mulheres. Embora elas não ocupem funções de legisladoras – cujo salário é R$ 7.596,67 –, os homens garantem que trazem o debate para a Casa.
a sessão do último dia 16 e, de fato, houve um debate sobre violência contra a mulher. O tema da discussão foi o assassinato de uma mulher no município na madrugada do mesmo dia. O suspeito do crime era o companheiro dela, preso no dia seguinte. “Ficamos sensibilizados com uma situação dessa, que sempre acontece e as providências precisam ser tomadas”, disse o vereador Paulo Bolinha (PR). “A violência contra a mulher é problema maior do que imaginamos. Não é luta de um só, mas de todos nós”, afirmou o presidente da Câmara, Agnaldo de Lulu (DEM).
As vozes, no entanto, são todas masculinas, enquanto as mulheres que lá estão só assistem ou, no caso das assessoras, ajudam os vereadores com a papelada. O mandatário do Legislativo garante que temas de interesse do público feminino são recorrente por lá. Em março, conta, a Casa realizou uma audiência pública para debater o combate ao feminicídio e ao tráfico de mulheres, que tem na cidade uma de suas principais rotas no estado. Integrantes do Judiciário, Ministério Público, polícia e população participaram. Outra iniciativa gestada na Câmara, ele diz, foi o Centro de Parto Natural, inaugurado pela prefeitura em 2017 após indicação do vereador Pastor Sandro (PRB). “As políticas para mulheres estão nas indicações, projetos, debates na Câmara”, afirma Agnaldo.
Entre a população, a percepção não é bem essa. A doméstica Virgínia Leal, 50 anos, diz desconhecer a atuação da Câmara no sentido de promover políticas para mulheres. “Pode até ter, mas não conheço. Falta principalmente uma política de emprego para nós”, conta. Em frente à Câmara, um grupo de professoras discutia exatamente isso. “O tráfico de mulheres é um problema real aqui, mas pouco debatido”, conta uma delas. “Tínhamos pró Solange como representante, mas ela saiu da Câmara”, complementa outra.
Recomeço
Solange Sena Aureliano, citada pela professora, era uma das duas vereadoras do município na última legislatura. As duas tiveram destinos diferentes. Luciene Tavares Cardoso (DEM), popularmente conhecida como Lulu, foi eleita vice-prefeita ao lado do prefeito Marcelo Oliveira (PSDB), enquanto Solange não foi reeleita. Lulu é irmã do presidente da Câmara.
Solange diz ter sofrido preconceito por ser mulher dentro do grupo político do prefeito, do qual fazia parte. “Tinham coisas em relação ao sistema que não concordava. No final, o poder aquisitivo do grupo falou mais alto, e fui barrada”, revela. “Não temos programa, projeto, voltado para as mulheres no município”, complementa Solange.
Oliveira, por outro lado, nega qualquer perseguição a Solange, que hoje está na oposição. “Não faz sentido boicotarmos uma pessoa que era da nossa base, do nosso grupo desde sempre. Quando se perde a eleição, todos são culpados menos o candidato”, diz. O prefeito nega qualquer ato de misoginia. “Tenho ao meu lado a vice-prefeita Lulu, uma grande parceira, por várias vezes a vereadora mais votada da cidade”, afirma.
Casos
O número de câmaras municipais sem vereadoras atinge cidades pequenas e grandes, nas mais diversas regiões do estado. Entre os maiores municípios estão Camaçari, Ilhéus, Eunápolis, Luis Eduardo Magalhães, Santo Antônio de Jesus e Itaberaba, que não elegeram nenhuma mulher para seus legislativos em 2016. Em Ilhéus e Eunápolis, o caso se repetiu em 2012. Em ambos, o percentual de mulheres candidatas em 2016, assim como em Mata de João, girou em torno do mínimo exigido de 30%.
As câmaras de Feira de Santana e Vitória da Conquista, as duas maiores do estado, também não ficam muito atrás, embora tenham eleito mulheres. Foram duas e três vereadoras, respectivamente, num universo de 21 legisladores.
Em Ilhéus, a Câmara promoveu, no mês passado, uma sessão especial em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Para o presidente da Casa, foi uma oportunidade para “evidenciar e lembrar os serviços prestados pelas ex-vereadoras, a necessidade de uma maior participação da mulher na política local”. Por lá, a câmara até criou uma a frente parlamentar em defesa de políticas públicas para mulheres e pelo enfrentamento a violência doméstica.
Quase maioria
Vem de duas cidades com pouco mais de 20 mil habitantes a maior proporção de mulheres nas câmaras. Em João Dourado, no Centro Norte, e Palmas de Monte Alto, no Centro Sul, são cinco vereadoras entre os 11 eleitos em 2016 – 45% do total. No primeiro, o Legislativo é presidido por uma mulher, a vereadora Rita de Cássia (PT). Em seu segundo mandato, ela diz que, em João Dourado, há um esforço dos partidos para incentivar a participação feminina. Na Câmara, ela diz, há uma tradição de eleição de mulheres.
“Na legislatura passada éramos quatro, agora somos cinco. É preciso haver igualdade de oportunidades”, diz ela, que vê defende o olhar feminino na política. “Mulher tem que estar na política, não só para defender as bandeiras, mas também porque nós temos um olhar mais sensível para a política”, pontua. Colega dela, o vereador Flavio Eres (PCdoB) concorda e vai além: “O mandato delas talvez seja melhor do que dos vereadores”.
No Nodeste baiano, na jovem e pequena Banzaê, com 30 anos de emancipação, por outro lado, não há vereadoras eleitas. Contudo, tem a prefeita Jailma (PT) e a vice Vera Leal (PSD) eleitas em 2016. Jailma, que está em seu quarto mandato no município, ainda acredita que a pouca presença feminina nos espaços de poder é pelo fato de a política ainda ser um ambiente preconceituoso e machista.
“Essa história de direitos iguais é só na palavra, porque na prática é bem diferente. Tivemos grandes conquistas, mas o mundo político ainda é muito voltado para o homem”, afirma ela, contando que o município já teve duas vereadoras.
Na cidade, a prefeita diz que incentiva a participação política de mulheres, mas ainda vê dificuldades. “Não só a parte financeira, mas de organização da base, de postos de destaque”, pontua. Ela conta que a relação com a Câmara local é a boa. “Há uma boa relação institucional. Eu não permiti qualquer desrespeito por ser mulher”.
Desafio
Aos 21 anos, Pâmela Gomes (PR) é a vereadora mais nova do Brasil. Eleita em 2016 aos 19 anos, ela é a única mulher entre os 11 integrante da Câmara de Pedro Alexandre, no Nordeste da Bahia, cuja população é pouco maior que 20 mil habitantes. Assim, outras 134 vereadoras atuam de forma solitária em cidades da Bahia.
A baiana Pâmela Gomes é a vereadora mais jovem do Brasil. Foto: Divulgação |
Filha do ex-prefeito da cidade Petrônio Gomes, assassinado em 2016 às vésperas das eleições municipais, Pâmela conta como tem sido a experiência e fala sobre o preconceito sofrido. “Não tinha muita noção do que fazer. Quando entramos nos deparamos com um cenário diferente”, revela. Na cidade, o tio dela, Pedro Gomes, e a mãe, Cica Gomes, foram eleitos prefeito e vice-prefeita em 2016.
Pâmela afirma que ainda há preconceito das próprias mulheres.
“As próprias mulheres não acreditam na força que outra mulher tem, tem vontade de entrar, mas não coragem”. Na Câmara, era boicotada. “Eu não era convidada para nada, só os vereadores participavam de congressos, de eventos. É uma mentalidade muito fechada. Quando se deparam com uma mulher à frente, muitos ficam retraídos”, complementa.
Ela almeja crescimento político, pensa em ser prefeita, e quer defender a bandeira da participação feminina. “Hoje eu sou vereadora em um local que há mulheres machistas. Por que querem? Não. Foram criadas para serem donas de casa, mães, sustentadas pelos maridos. É um debate que quero fazer, de mostrar que a política também é lugar de mulher”, ressalta.
Para que haja maior incentivo, Pâmela acredita que o caminho é o conhecimento. “As mulheres precisam entender que a política é o que nos move. Levar a mensagem é difícil, mas é possível”, finaliza.
Barreiras
O caminho de Pâmela e das demais mulheres, contudo, é longo. O cientista político Cloves Oliveira acredita que os dados sobre baixa eleição feminina para o parlamento é reflexo da desigualdade entre homens e mulheres nas estruturas partidárias. Ele afirma que houve um aumento significativo de candidaturas femininas desde 2004, mas esse número se estabilizou. “Mas isso não significou um aumento significativo de votos para mulheres ou de representantes femininas eleitas”, avalia.
A cota de 30% para candidaturas femininas é uma medida fundamental, ele ressalta, mas é preciso avançar em outros aspectos.
“É preciso dar apoio para se competir nas eleições. Que se reserve orçamento, proporção para que as mulheres possam competir em condição de igualdade. Em linhas gerais, os partidos não têm colocado obstáculos para franquear o partido para mulheres. O problema é a distribuição de recursos”, afirma.
O cientista político pondera, ainda, que o sistema eleitoral atual contribui para disputas internas dentro dos próprios partidos. “Como as mulheres são mais neófitas na política, elas sempre têm mais dificuldade. Como geralmente não fazem parte das cúpulas, acabam sendo alijadas”, diz.
No interior, ele salienta, essa condição acaba sendo potencializada. “A política no inteiror ainda é patriarcal, oligárquica, elitista, familiaristica. A reprodução se dá muito em linha de descendênica”. Para ele, o caminho para elevar a participação feminina é democratizar as estruturas partidárias. “É preciso democratizar partidos e o sistema eleitoral, de forma que mexa com estas estruturas oligárquicas e patrimoniais, produzindo equidade nos cargos de poder político”, frisa.
Machismo
A presidente da União dos Vereadores da Bahia (UVB), Edylene Ferreira (PV), diz que o machismo, não apenas na política, é o principal obstáculo para a eleição de mulheres. “Temos a cota de 30% de candidaturas, mas menos de 10% entre as eleitas. Precisamos, no mínimo, superar esses 20%”, diz.
Vereadora de Serrinha, ela conta que vai apresentar um projeto no município para que a câmara municipal local tenham pelo menos uma mulher na Mesa Diretora. Como presidente da UVB, pretende levar a proposta a todos os municípios baianos. “É preciso que as mulheres cheguem a estes espaços de comando”, defende.
Nacionalmente, ela também quer discutir uma possibilidade jurídica para obrigar a eleição de pelo menos 30% de mulheres nos legislativos. “É um debate que precisa existir”.
Para o próximo ano, pela primeira vez na eleição municipal, será destinado pelo menos 30% do fundo eleitoral para candidatas. Para Edylene, é preciso ter cuidado para que as mulheres não sejam usadas como laranjas. “Que esse recurso seja aplicado nas candidaturas e que se convertam em eleições de mulheres”, destaca.
Presidentes
Únicas mulheres presidentes de partidos na Bahia, as deputadas federais Lídice de Mata (PSB) e Dayane Pimentel (PSL) vêm dificuldades para a participação feminina na política. Elas dizem que suas legendas trabalham para atrair mulheres e lançá-las candidatas nas eleições do próximo ano.
“Ainda se mantém vivo o desestímulo à participação da mulher. Não é preconceito do eleitor, mas é algo sustentado no posicionamento machista da sociedade. Sabemos que a mulher não quer participar em condições de subfinanciamento, sem qualquer igualdade”, avalia Lídice.
Dayane acredita que a sociedade caminha para mudar esta realidade.
“No entanto, eu sei que essa é uma tarefa muito árdua e nem todas as mulheres estão dispostas a deixarem suas famílias com menos atenção, a doarem mais do seu tempo para a sociedade. É preciso que a mulher queira. Nosso papel é mostrar o quanto é importante (a participação), para que reflita na vida dela como cidadã”, pondera.
Lídice, por sua vez, acredita que a reserva de 30% do fundo eleitoral nas eleições de 2018 para mulheres já surtiu efeito – houve um aumento de 50% na Câmara dos Deputados. Agora, ela espera que haja resultado também nas câmaras municipais.
Nas estruturas partidárias, a socialista ainda vê uma organização que não prioriza as mulheres. “Nos partidos, é um dos lugares onde mais se revela esse tipo de compreensão (do machismo). Todos querem uma mulher ativista para ser presidente da secretaria de mulheres, mas para assumir posições de comando são muito poucos”, critica.
Dayane, por sua vez, ressalta que dados comprovam que a mulher carrega uma honestidade natural e tem mais sensibilidade. “Não significa que nossos homens não tenham, mas é preciso essa união, o conjunto é que faz a força. Estou trazendo mais mulheres para a política e pelo menos nós vamos chegar num patamar de igualdade”, diz.