Enquanto em todo o país são registrados casos de aglomerações e festas, muitas famílias seguem firme no isolamento desde março do ano passado, a fim de evitar o contágio pelo novo coronavírus. E vivem com um sentimento que aperta o coração: a saudade das pessoas queridas. Celebrado neste sábado (30), o Dia da Saudade, uma palavra que existe em poucos idiomas, ganhou novo significado com a pandemia.

A jornalista Juliana Victorino está há quase dois anos sem ver a filha, que mora na Nova Zelândia, país no sudoeste do Oceano Pacífico. A estudante Constanza Victorino Torres, de 19 anos, viajou em 29 março de 2019 para fazer intercâmbio de três meses e morar na casa dos tios, que residem no país há três anos. Mas, gostou tanto do país, que pediu a extensão do visto para ficar até abril de 2020. 

“Mas, quando começou a a pandemia a primeira-ministra do país, Jacinda Ardern, fechou todas as fronteiras [em 23 de março de 2020]. Ela já estava com as passagens compradas para retornar dia 22 de abril de 2020. A pandemia ganhou força e o Consulado Brasileiro, que também cuida da Austrália, estava analisando se ela poderia ficar ou não. Decidimos que ela ficaria lá, pois a volta só foi permitida em um voo de ajuda humanitária, que poderia ser arriscado já que ela faria escala em vários países e poderia ficar parada em algum dos destinos sozinha”, contou Juliana. 

Com isto, o visto da estudante foi renovado e ela poderia ficar até outubro de 2020. “Como o país também estava fazendo um bom controle da pandemia, escolhemos que ela ficasse lá. Em outubro de 2020 venceu os seis meses e a Nova Zelância renovou [o visto] para ela por mais seis meses e vence em abril de 2021. Não sei se ela vai conseguir voltar, se eles vão reabrir a fronteira ou se ela vai poder voltar em um voo seguro, porque até hoje são voos humanitários com paradas incertas”, lamenta a mãe da estudante, que apesar da saudade, tem feito de tudo para amenizar a falta da filha. 

“Costumo dizer que eu não a vi virar mulher [Constanza fez 18 anos em novembro de 2019], e eu tinha muito ciúmes da minha irmã e cunhado no Natal e nos aniversários, principalmente quando mandam fotos, pois tem algumas datas que doem mais”. Ela conta com a tecnologia e outras maneiras de encurtar a distância e a saudade.  

“Temos algumas formas de não perder a conexão entre nós duas: lemos os mesmos livros, e comentamos, contamos fofocas do bairro ou da família, fazemos as videochamadas com a bisavó e avó que estão morrendo de saudades, com as irmãs dela, a cachorrinha e até outro cão que chegou depois que ela viajou”, conta Juliana. 

A mãe diz que lá a filha estuda, trabalha e tem vários amigos. “Nos intervalos a gente se fala. E lá, mesmo durante o alerta vermelho, o governo incentivava ir até uma praia ou parque para ficar ao ar livre sem aglomerar, então foi uma experiência diferente do que a gente está vivendo em São Paulo”, destaca.

Juliana conta que a saudade é imensa, mas que o contato constante é o que a faz seguir adiante. “Ficamos nessa de mostrar o dia a dia, o que a gente está comendo, essas coisas que fazem com que a gente continue mantendo laços e se reconheça no dia a dia e quando ela voltar não seja tão estranho. Então um visual novo de uma irmã, um cabelo novo que a gente faz, tudo é motivo pra gente dar risada, é assim que a gente tenta sobreviver a saudade, ao aperto no coração, muitas vezes o choro [vem], me emociono até agora ao falar, e fico com a esperança de que ela esteja vivendo um período maravilhoso na vida dela e com certeza ela está mais segura que a gente aqui no Brasil”, diz Juliana com voz embargada de choro. 

Neta e avó conectadas apesar do isolamento

Já a aposentada Solange Azevedo Medeiros de Souza, que mora no Rio de Janeiro, não vê a filha e a neta que moram em São Paulo há quase ano. A última vez da Solange em São Paulo foi no aniversário de cinco anos da neta Melissa, em fevereiro do ano passado. Ela segue à risca o alerta dos especialistas, que recomendam que as famílias evitem viagens e comemorações com pessoas de outras residências.

“Moro no Rio e depois que me aposentei pude ir mais vezes a São Paulo ver minha filha Thássia e minha neta Melissa, vou pelo menos umas quatro vezes por ano. Veio a pandemia e eu não pude ir mais a São Paulo. Diante do medo da contaminação no ônibus, cancelei uma viagem marcada. É uma saudade muito grande da minha filha, da neta e do genro, dos passeios no Minhocão juntos e ficar dançando com a minha neta”.

Assim como Juliana, ela conta com as tecnologias de comunicação para manter o vínculo com a família que está na capital paulista. A gente tem se falado por áudio e vídeo. E ainda tem as redes sociais para acompanhar, vejo as fotos que minha filha publica, é uma forma de matar um pouco essa saudade. Minha filha envia também uns vídeos da Melissa e procuro me fazer presente enviando uns vídeos de princesa que ela gosta para poder se distrair porque a criança sem poder ir para a escola também cansa. Por isso ela me chama de Vó DVD!”, se diverte Solange.  

“O momento pede esse sacrifício, de ficar longe das pessoas que a gente ama, visando o bem de todos”, reflete a aposentada. Apesar disso, Solange, que foi professora, lamenta perder momentos importantes do desenvolvimento da neta. “Nos últimos áudios que tenho recebido da minha neta percebi que o vocabulário dela e a concordância, a forma de se expressar, evoluiu muito, a Melissa sabe falar muito bem. Isso tudo a gente perde, esse tempo que ficou para trás, essa convivência mais perto, perceber as mudanças, porque criança evolui muito rápido, cada dia é uma novidade, e essas novidades, infelizmente, como estamos muito tempo longe acabamos perdendo, isso é que me entristece muito”. 

Agora, Solange espera o momento de poder tomar a vacina para encontrar novamente com a neta e outros familiares. “Daqui pra frente vem a vacina, que é a única coisa que pode nos proteger contra esse vírus e voltar para vida normal, e ficar mais perto um do outro. Também estou longe das minhas irmãs e cunhadas, que às vezes ficam chateadas porque a gente quer manter o isolamento por causa do medo da covid. No Natal, ficou só eu, meu filho, marido e minha mãe, isolados, isso nunca aconteceu, é estranho, é dolorido, mas é necessário”, destaca mais uma vez. 

A tecnologia ajuda, diz Solange, mas ela espera logo é acabar com a saudade com o abraço. “Temos toda a forma de se comunicar pela tecnologia, mas nada substitui o contato próximo, o olho no olho, o abraço, pode até ajudar, mas não substitui a emoção de estar juntos pessoalmente!”. 

Muitas fotos e saudades

Em São Francisco do Glória, no interior de Minas Gerais, Dona Cotinha, como é conhecida a Maria Pereira Laviola, encontrou uma forma criativa de passar o Dia das Mães e o aniversário de 91 anos ao lado do filhos. Junto com o bolo, ela colocou as fotos dos sete filhos, nove netos e seis bisnetos para comemorar a data (foto acima). Ela conta que está rezando e esperando a vacina para poder abraçar os filhos. 

“Completei 91 anos e nunca vi um ano desse jeito, dia 9 de março faz um ano que estou dentro de casa quietinha. Sinto muito falta deles, mas estou passando o período bem. No Dia das Mães e no meu aniversário abracei a todas as fotos em cima da mesa como se estivessem aqui. A gente sente é muita saudade, não é como eles virem aqui, não é a mesma coisa. Sentimos um aperto, mas graças a Deus passei esse período muito bem!” 

Em 2021, Dona Cotinha, Juliana, Solange e outros milhões de brasileiros ainda passarão o Dia da Saudade com o coração apertado. No entanto, resta a esperança de que em 2022, todos poderão, enfim, cantar o poeta Tom Jobim: “Dentro dos meus braços os abraços, Hão de ser milhões de abraços apertado assim, Colado assim, calado assim, Abraços e beijinhos, E carinhos sem ter fim, Que é pra acabar com esse negócio, De você viver sem mim”. 

Fonte: Agência Brasil