Desde que se transferiu para o PSG, a carreira de Neymar, ao contrário do que se imaginava após a negociação milionária, não para de amargar reveses. Duas lesões no quinto metatarso do pé direito, que contribuíram para eliminações do clube na Liga dos Campeões. A ruidosa guerra de egos com Cavani. Suspensões por ofender árbitros e agredir um torcedor. Alvo de chacota por causa das simulações exageradas na última Copa do Mundo e perda da braçadeira de capitão na seleção. Agora, a menos de duas semanas da estreia do Brasil na Copa América, a já desgastada imagem pública do atacante, acusado de estupro por uma mulher que conheceu via redes sociais, sofre um novo baque.

Nesta segunda-feira, a Polícia Civil do Rio de Janeiro intimou o craque a prestar depoimento e anunciou a abertura de inquérito para investigar um possível crime de divulgação de imagens e conversas íntimas pelo jogador. Com intuito de rebater a acusação, Neymar publicou um vídeo de sete minutos no Instagram em que revelava parte do diálogo íntimo que havia mantido com a mulher que ele levou a Paris para um encontro casual. Na publicação, que foi excluída pela rede social depois de acumular quase 20 milhões de visualizações, há um trecho que mostra o nome da denunciante, além de imagens que revelam parte do corpo dela, desfocadas.

Para a advogada Giselle Truzzi, especialista em direito digital, Neymar teria cometido crime ao não respeitar a privacidade da mulher com quem se relacionou. “Apesar de ter borrado as imagens, ele pratica o delito por violar a intimidade de uma pessoa que não o autorizou a compartilhar esse material. A questão não é somente o conteúdo, mas a exposição de forma indevida”, afirma advogada, citando o artigo 218-C do Código Penal, que considera crime o ato de “oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia”. A pena prevista é de 1 a 5 anos de prisão, que pode ser aumentada em até dois terços caso o autor tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança e humilhação.

De acordo com Truzzi, para se defender, o jogador não precisava ter recorrido à exposição de conteúdo íntimo, ressaltando que ele ainda pode ser enquadrado no artigo 151 por violação de diálogo privado. Em entrevista ao programa Aqui na Band, da TV Bandeirantes, o pai de Neymar explicou que a intenção do filho ao divulgar a conversa era proteger sua imagem e evitar o rótulo de estuprador após a repercussão da denúncia. “Eu prefiro um crime de internet ao de estupro. Ele precisava se defender rapidamente para preservar o nome, a imagem. É melhor ser verdadeiro e mostrar o que aconteceu.”

Paralelamente ao inquérito que apura a conduta de Neymar no vídeo de autodefesa, a Polícia Civil de São Paulo também investiga a denúncia de estupro que consta no boletim de ocorrência registrado na última sexta-feira. Segundo o relato da mulher, que teve sua identidade preservada pelas autoridades, um amigo do jogador teria intermediado o encontro no hotel Sofitel Paris Arc Du Triomphe. Na ocasião, ainda segundo o inquérito policial que corre em sigilo, Neymar estaria embriagado, demonstrando comportamento violento, e teria forçado a suposta vítima a praticar ato sexual. O atleta, por sua vez, argumenta que a relação foi consensual. A equipe de advogados constituída pelo atacante acredita que o arquivo de troca de mensagens no Whatsapp será suficiente para atestar a inconsistência da acusação, já que ambos conversam normalmente um dia depois da data (15 de maio) em que a mulher diz ter sido estuprada, e provar a inocência de Neymar. “O que aconteceu em um dia foi uma relação entre homem e mulher, dentro de quatro paredes, algo que acontece com todo casal”, afirmou o jogador no vídeo postado no Instagram.

A situação da principal estrela do time cai como um barril de pólvora sobre o ambiente da seleção brasileira na Granja Comary. Assim como o staff de Neymar, que teme uma reação negativa de patrocinadores e empresas parceiras de eventos promovidos pelo jogador, a comissão técnica e a cúpula da CBF movem esforços para minimizar danos à sua imagem e agilizar o desdobramento dos processos sem afetar a agenda de preparação para a Copa América. O Brasil estreia no torneio no próximo dia 14, mesma semana em que o craque deve ser ouvido na Delegacia de Repressão a Crimes de Informática do Rio de Janeiro.

No momento em que o técnico Tite concedia entrevista coletiva, viaturas de policiais que entregaram a intimação ao atacante estacionavam em frente ao centro de treinamentos em Teresópolis. O treinador tentou se esquivar dos questionamentos sobre o caso, mas deu um recado em sinal de alerta ao dizer que o camisa 10 não é insubstituível e evitou isentá-lo da acusação de estupro. Por outro lado, companheiros de seleção, como Fernandinho, saíram em defesa do jogador. “Os fatos apresentados são de estranheza, pareceu algo premeditado. Tenho certeza que Neymar vai provar ser inocente”, declarou o volante.

O leque de apoiadores do atacante, ainda que a investigação da denúncia esteja em sua fase inicial, também é engrossado por amigos mais próximos, como o parça Gil Cebola, que compartilhou o vídeo de um influenciador que desqualifica a acusação da mulher. “Falando no Neymar, aparentemente ele se relacionou com a pessoa errada”, destaca o post. No sábado, quando o registro da ocorrência foi publicado pelo portal Uol, Neymar pai já havia participado de outro programa na TV Bandeirantes para defender o filho. Durante entrevista por telefone ao apresentador José Luiz Datena, ele afirmou que o jogador caiu em uma armadilha. “Não houve estupro. Ele percebeu que era armação e caiu fora.” O pai relatou que a denunciante gravou um vídeo, ainda não divulgado, do encontro com Neymar.

Além de ter quebrado o sigilo processual e revelado o nome da mulher, Datena tomou partido de Neymar com declarações machistas. “Você vai falar com o moleque pra não sair com mulheres? Não transar, não ir a festas? É difícil você segurar a meninada dentro de casa”, partindo do pressuposto de que a mulher que registrou a queixa contra o craque de 27 anos mente sobre a acusação. O apresentador ainda se disse injustiçado pelo processo que responde por assédio sexual a uma ex-colega de trabalho, comparando seu caso ao de Neymar ao dizer que “todo mundo exposto a isso”. Ainda aproveitou a situação para reclamar que havia sido condenado pelo Superior Tribunal de Justiça por danos morais depois de ter acusado um homem – que foi inocentado pela Justiça – de estupro no programa. Afirmou que recorrerá da decisão.

Em outra atração de TV, às vésperas da Copa do Mundo de 2014, Neymar, que havia reatado relacionamento com a atriz Bruna Marquezine, também já tinha expressado o machismo ao detalhar seu critério de seleção para uma parceira ideal. “Quando escolho mulher, não vou escolher aquela saidinha. Nem vou olhar pra ela. Eu sou um cara que gosta da conquista, da coisa mais difícil, sempre”, disse ao programa Domingão do Faustão, na Globo. Hoje, no centro de um escândalo que pode levá-lo ao banco dos réus no momento mais delicado de sua carreira, as declarações do jogador, somadas ao teor das mensagens íntimas, reforçam o desprezo pela figura feminina em um ambiente dominado pelos homens.