O chute da jovem ativista parte do quadril, decidido e veloz, em direção à virilha do segurança. Ao guarda-costas do ministro da Educação do Líbano nada resta, senão se defender do ataque recuando alguns passos, e tentar manter o equilíbrio.

O vídeo que registra esta cena já foi clicado dezenas de milhares de vezes nas redes sociais. Segundo a mídia libanesa, o incidente ocorreu na noite da última quinta-feira (17.10). O comboio do ministro Akram Chehayeb ficara preso em meio a uma passeata de protesto no centro de Beirute. À medida que a situação foi se tornando cada vez mais periclitante, o guarda-costas desceu do carro e disparou seu fuzil de assalto para o ar.

O gesto provocou ainda mais os manifestantes, e foi quando a moça reagiu com um golpe de caratê. Ao que tudo indica, o homem percebeu imediatamente que teria más chances numa confrontação desarmada com a manifestante.

A mensagem da cena de menos de cinco segundos é clara: os protestos dos libaneses contra as injustiças sociais e políticas no país, que já duram dias, são altamente decididos e, em boa parte, femininos. A maioria dos comentários à postagem é positiva: “curtidas infinitas”, escreve uma usuária. Um apelida a manifestante de “Lara Croft do Líbano”, enquanto outro registra, sumário: “Respeito!”

A participação das mulheres nas manifestações em curso é a mais alta de todos os tempos no Líbano. As cidadãs querem se envolver na política, afirma o sociólogo argelino Nasser Al-Jabi à DW: “Toda a sociedade se interessa pelos desdobramentos dos últimos dias.”

Ele considera especialmente positivo o fato de os protestos estarem transcorrendo de forma basicamente pacífica, e de que ninguém tenha sido excluído. Isso “poderia também ser um exemplo para protestos em outros lugares”, estima Al-Jabi.

As mulheres assumem funções diversas durante as passeatas. “Entre os ativistas há alguns que querem destruir propriedade pública durante os protestos”, conta Hanin Nasser, uma das participantes, ao jornal libanês Daily Star. No entanto, ela e suas amigas se opõem a tais tendências: a questão é preservar “o rosto pacífico” das manifestações.

Assim, as ativistas assumem uma responsabilidade considerável, que abraçam com convicção: “Nós, mulheres, somos como os soldados do movimento. Nós temos nossa força muito própria e mostramos isso”, frisa Hanin.

Por outro lado, observa o Daily Star, muitas outras participantes atuam de forma bem diversa: algumas se colocaram na dianteira da passeata, recitando pelo megafone as reivindicações dos participantes, as quais vão do combate à corrupção a exigências de renúncia do governo do premiê Saad Hariri. Entretanto, segundo outra manifestante, todas têm um único fim: “a libertação do Líbano”.

Outras, ainda, apoiam o movimento entretendo a multidão com dança do ventre – uma forma de engajamento nada bem-vista por parte de suas colegas de protesto. Alguns comentaristas também têm criticado os trajes leves de muitas manifestantes.

Por outro lado, a ativista egípcia dos direitos femininos Hind El-Kholy lembra, no Facebook, que no Líbano as mulheres podem se mover de shorts, sem empecilhos, em meio a um grupo masculino: “Se alguém quiser saber o que significa masculinidade, basta ver aqui: diversas mulheres se sentem seguras em meio a esses grupos. Nenhum homem tenta restringir a liberdade delas ou atacá-las seja física, seja verbalmente.”

Isso distingue fundamentalmente a situação das libanesas da do Egito, onde mulheres sofrem assédio sexual sistemático. Nas manifestações da primavera de 2011, participantes femininas foram molestadas tanto por outros manifestantes quanto por agentes de segurança.

O fato de as mulheres do Líbano poderem circular mais livremente no espaço público se deve, acima de tudo, ao movimento de emancipação nacional, que já completa quase cem anos. Ele se iniciou na década de 1920: sob a influência do iluminismo europeu, as primeiras cidadãs passaram a lutar pelos direitos de seu sexo, uma luta que muitos associam com os protestos contra o colonialismo da França.

Após o fim do mandato francês, em 1943, o movimento de emancipação se uniu a certas alas da esquerda libanesa. Nove anos mais tarde, era fundado o Conselho da Mulheres Libanesas, que se empenhou pelo direito feminino ao voto, o qual entrou em vigor em 1953.

Nas décadas seguintes, as reivindicações femininas se associaram a programas seculares difundidos em grande parcela do mundo árabe. Durante e após a guerra civil (1975-1990), passaram a se engajar sobretudo pelos direitos humanos.

Principalmente após o assassinato do primeiro-ministro Rafik Hariri, em 2005, as libanesas se manifestam veementemente contra a presença militar síria em seu país. Assim, associaram-se mais ainda aos movimentos representativos dos interesses nacionais, ao lado dos quais, também agora, elas vão às ruas.

 

Fonte: Poder 360