A decisão do governador Ibaneis Rocha (MDB) de vender o Centro Administrativo do Distrito Federal (Centrad) deixou de ser apenas uma proposta administrativa e assumiu contornos claros de embate político e correção histórica. Ao tratar o tema de forma direta e sem rodeios, o governador escancarou aquilo que, nos bastidores do poder, poucos ousavam dizer publicamente: o Centrad é um erro monumental de concepção, planejamento e vaidade política.
Com uma área de 182 mil metros quadrados, o complexo permanece fechado há mais de uma década, consumindo recursos públicos, degradando o entorno urbano e simbolizando um projeto que nunca dialogou com a realidade da cidade. Inaugurado ainda na gestão Agnelo Queiroz, o Centrad jamais foi ocupado. Antes disso, foi concebido durante o governo José Roberto Arruda, período marcado por decisões grandiosas e pouco sustentáveis.
Neste sábado (13), Ibaneis foi além da crítica técnica e adotou um discurso político duro ao classificar o empreendimento como um fracasso absoluto. “Nós vamos vender o prédio do Centrad, que foi uma ilusão do megalomaníaco do Arruda. Nós vamos pegar a autorização da Câmara Legislativa e vender aquele lixo que o Arruda inventou”, declarou o governador, durante a inauguração do novo prédio da Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF).
A fala, forte e calculada, não foi improviso. Reflete um sentimento consolidado dentro do GDF: manter o Centrad é indefensável sob qualquer aspecto — financeiro, urbano ou político. Avaliado pela Terracap em cerca de R$ 600 milhões, o imóvel representa hoje um passivo que o Distrito Federal não pode mais carregar.
Além do abandono, há um fator que pesa cada vez mais na decisão: o impacto devastador que a ativação do Centrad teria sobre o trânsito de Taguatinga. Técnicos de mobilidade urbana são unânimes nos bastidores: concentrar milhares de servidores, veículos oficiais e prestadores de serviço em uma região já sufocada por congestionamentos seria aprofundar o caos viário. O sistema não suporta. A cidade não comporta. O erro, se corrigido tardiamente, custaria bilhões em obras viárias e desapropriações.
Some-se a isso o histórico nebuloso da obra. Delações levaram o GDF a estudar a anulação do contrato com as empreiteiras responsáveis. O consórcio Centrad afirma ter investido cerca de R$ 1 bilhão no projeto. Ninguém, até hoje, sabe exatamente sobre quem recairá uma fatura que, segundo as empresas, ultrapassa esse valor. O resultado é um impasse jurídico, financeiro e político que atravessou governos sem solução.
Ao optar pela venda, Ibaneis tenta encerrar esse ciclo. Mais do que isso: sinaliza que não aceitará herdar erros do passado como se fossem compromissos inevitáveis do presente. O governador informou que os recursos obtidos com a comercialização do Centrad serão destinados à revitalização e aos investimentos na Praça Municipal, próxima ao Palácio do Buriti — uma área estratégica para a administração pública e para a população.
Nos corredores da Câmara Legislativa, o tema já provoca desconforto. A cautela do presidente da Casa, Wellington Luiz (MDB), reflete o peso político da decisão. Mas o recado do Palácio do Buriti é claro: não há mais espaço para empurrar o problema com a barriga.
Ibaneis escolheu o confronto direto com um símbolo do passado. Ao chamar o Centrad de “lixo”, não ataca apenas um prédio — ataca uma lógica de poder baseada em obras faraônicas, desconectadas da cidade e da vida real das pessoas.
Taguatinga não aguenta mais. O DF não aguenta mais. E a política, se quiser ser minimamente responsável, também não deveria aguentar.
