A nossa segunda Lição será uma verdadeira inspiração para o descobrimento e aproveitamento de novos talentos na igreja local. Tomando como base o chamado de Bezalel e Aoliabe para a obra artesanal, veremos como o Espírito Santo age com diversidade de dons naturais e espirituais entre o seu povo. Engana-se quem pensa que os dons resumem-se a cantar, pregar ou pastorear; falar em línguas, profetizar ou curar… Há uma diversidade de dons, dizia Paulo, todos concedidos pelo mesmo Espírito para o que for útil. Talvez você tenha um dom muito útil à causa de Cristo e não saiba, mas essa Lição de hoje lhe ajudará a descobrir.
I. Homens especiais para serviços especiais
No Sinai, Moisés recebeu as orientações bem como visualizou detalhadamente o Tabernáculo a ser construído. Entretanto, não foi tarefa sua “colocar a mão na massa” e fazer todo o trabalho; Deus que já havia movido o coração do povo para ofertar os recursos materiais, agora move-o outra vez para ofertar seus recursos humanos, isto é, seus próprios talentos naturais, que seriam revestidos da unção do Espírito Santo para tão importante empreitada que era construir um templo portátil para adoração ao Senhor. Esta é uma aplicação prática que poderíamos deixar para o final, mas já antecipamos: Deus não quer apenas o que é nosso, Deus nos quer a nós mesmos envolvidos em sua obra! Não basta supri-la com recursos materiais ou financeiros, é preciso, nas palavras de Paulo, “gastar e se deixar gastar” (2Co 12.15), ofertando também nosso amor, nosso tempo e nossas habilidades para a obra do Senhor dentro e fora dos templos religiosos!
1. Os líderes da produção artesanal
O texto do Êxodo nos informa que Deus chamou a dois artesãos de Israel pra liderarem o projeto artístico do Tabernáculo: Bezalel (nome que significa sob a sombra de Deus) e Aoliabe (que significa tenda do pai). O chamado e a capacitação divina que repousava sobre eles era para elaborar desenhos e trabalhar em ouro, prata e bronze, para lapidação de pedras de engaste, para entalho de madeira, para todo tipo de trabalho artesanal que a estrutura do tabernáculo bem como seus móveis exigiriam (Êx 31.4-5; 35.32,33). Atentemos para a prerrogativa divina na escolha destes artífices: não foi Moisés ou Arão quem os escolheu ou os indicou àquele ministério, mas o próprio Deus que os chamou pelo nome, assim como chamou pelo nome a “Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado” (At 13.2). Existem funções que Deus deixa ao bom senso de sua Igreja, orientada por suas lideranças, proceder a devida escolha (veja-se o caso dos diáconos – At 6.3); há funções, porém, em que Deus mesmo se encarrega de escolher a dedo quem Ele quer!
Todavia, estes que foram escolhidos especialmente não somente fariam o trabalho manual, como assumiriam também o trabalho intelectual e pedagógico de “ensinar os outros…todo tipo de trabalho e a elaborar desenhos” (Êx 35.34,35). Isso porque a congregação de Israel não teria Bezalel e Aoliabe para sempre, nem também o Espírito de Deus veio sobre eles para lhes constituir uma elite profissional ou artística distinta entre os hebreus, mas para a partir deles criar uma verdadeira escola para formar homens e mulheres peritos na arte do artesanato, o que atenderia a futuros propósitos religiosos, profissionais e sociais de todo o povo! Assim sendo, Bezalel e Aoliabe foram os dois primeiros professores de artes plásticas de que se tem conhecimento entre os hebreus.
Desde os primórdios de Israel vemos escolas de artes (artesanato, música, etc.) e até mesmo “escola de profetas”, o que revela um interesse de Deus em que sejamos como rio, levando adiante as águas que recebemos, ao invés de nos tornarmos represas, apenas acumulando para nós mesmos os recursos que recebemos. “O que recebi do Senhor, isto vos entreguei”, dizia Paulo aos coríntios (1Co 11.23), e, visto que ele é um exemplo de partilha do aprendizado, exorta a Timóteo que faça o mesmo: “E o que de mim, entre muitas testemunhas, ouviste, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros” (2Tm 2.2). Longe de nós todo ciúme! Se temos um dom que pode ser compartilhado, que pode ser pedagogicamente transmitido a outros (escrever, cantar, tocar, desenhar, confeccionar, liderar, etc.), então sejamos mentores espirituais de outras pessoas. Sejamos rio e não represa!
2. Muitos outros homens habilidosos
Bezalel e Aoliabe não fizeram todo o trabalho artístico sozinhos. Seus nomes são citados como líderes ou “mestres” (Êx 35.35) dentre muitos outros varões os quais Deus também chamou e capacitou para aquele serviço. O próprio Deus diz a Moisés no Sinai: “Também dei habilidade a todos os homens hábeis, para que me façam o que tenho ordenado…” (Êx 31.6b). Muitos outros hebreus que já realizavam algum trabalho artesanal, foram movidos para o trabalho no Tabernáculo, mas não sem se matricularem na escola de artes agora fundada por aqueles dois líderes. Sobre os professores daquela escola, as palavras de Moisés posteriormente são dignas de atenção: “[Deus] Também lhes dispôs o coração para ensinar os outros” (Êx 35.34). Que informação maravilhosa! Bezalel e Aoliabe não ensinaram apenas com razão, mas com paixão; não apenas a partir do que tinham na mente, mas do que vinha do coração! Noutras palavras, foram professores apaixonados pelo trabalho que faziam, partilhando amorosamente com outros hebreus o desenvolvimento e aperfeiçoamento de talentos para a obra do Senhor! Nas escolas em que os professores ensinam com o coração, alunos desejosos de aprender nunca faltarão! Não poderíamos afirmar o mesmo sobre a Escola Dominical?
Para glória de Deus e alegria de Israel, a escola de Bezalel e Aoliabe formou muitos artesãos habilidosos, que se engajaram alegremente na construção do santuário do Senhor; tão bem foram ensinados, que a execução do projeto se deu exatamente conforme tinham sido orientados por Moisés, segundo o modelo que avistou no monte: “Assim, trabalharam Bezalel, Aoliabe e todos os homens hábeis a quem o SENHOR tinha dado habilidade e inteligência para saberem fazer toda a obra para o serviço do santuário, segundo tudo o que o SENHOR havia ordenado” (Êx 36.1). A maior alegria de Deus é ver seus filhos em obediência; a maior alegria de um professor é ver seus alunos se conduzindo exatamente como os ensinou.
3. A força e delicadeza feminina
Aguerridas mulheres de Israel foram igualmente capacitadas pelo Senhor para se engajarem na obra da construção do santuário no deserto. Senão vejamos o que diz o texto bíblico: “Todas as mulheres hábeis traziam o que, por suas próprias mãos, tinham fiado: pano azul, púrpura, carmesim e linho fino. E todas as mulheres cujo coração as moveu em habilidade fiavam os pelos de cobra” (Êx 35.25,26). Embora não pudessem ser oficiais do culto judaico – o que era exclusivo dos homens da tribo de Levi –, as mulheres hebreias não estavam excluídas do serviço do Senhor. De suas mãos habilidosas, de suas mentes férteis, e de seus corações generosos, o Senhor tirou grande proveito para o santuário!
Há funções na família e na igreja local que desde cedo o Senhor delegou à figura masculina, e nenhuma mulher deve sentir-se diminuída pelas escolhas soberanas de Deus no arranjo da sociedade e da Igreja. Afinal, desde o Éden, Deus viu a necessidade de uma auxiliadora já que ao homem era impossível viver sozinho e cultivar sozinho a terra. As mulheres foram dotadas por Deus de muitas habilidades que são indispensáveis na obra do Senhor: quantas compositoras, cantoras, músicas, escritoras, desenhistas, professoras e líderes encontramos servindo a igreja Brasil afora! A sutileza, a organização e a perspicácia feminina são virtudes que inspiram a nós homens!
Reprovamos o feminismo, mas igualmente reprovamos o machismo! Se, por um lado, há posições que desde os primórdios da humanidade foram delegadas aos homens, por outro lado há atribuições que podem ser compartilhadas pelas santas mulheres de Deus mais do que o serviço na cozinha! Tomemos o exemplo de Frida Vingren, missionária sueca e esposa de Gunnar Vingren, também missionário sueco, pentecostal e fundador da igreja Assembleia de Deus no Brasil; Frida foi uma mulher que viveu à frente do seu tempo e deixou um grande legado à igreja pentecostal brasileira, desde trabalhos missionários à produção literária (artigos para jornais, Lições para EBD, tradução e composições de hinos, etc.). Em 1931 a irmã Frida escreveu esse chamado às mulheres assembleianas do Brasil:
“As irmãs das Assembleias de Deus que igualmente como os irmãos têm recebido o Espírito Santo e, portanto, possuem a mesma responsabilidade de levar a mensagem aos pecadores, precisam convencer-se de que podem fazer mais do que tratar dos deveres domésticos. Sim, podem também quando chamadas pelo Espírito Santo sair e anunciar o Evangelho” [1]
Estamos convencidos de que servas do Senhor das mais diversas denominações haverão de concordar com estas palavras. Deus também conta com as mulheres em sua obra! Se alguém tiver dúvida, leia o capítulo 16 de Romanos e veja quantas mulheres estavam engajadas no serviço cristão em Roma.
II. Cheios do Espírito, sabedoria, entendimento e ciência
O artesanato é aquele tipo de trabalho feito manualmente, utilizando-se matéria-prima natural; como tal, demanda atenção, delicadeza, habilidade e muita paciência. Estas são algumas virtudes necessárias ao bom artesão e certamente foram encontradas nos que foram escolhidos para trabalharem na construção do tabernáculo. Todavia, mais que isso, se fizeram necessárias dotações espirituais e até sobrenaturais para potencializar as aptidões já existentes e garantir a execução daquela obra santa.
1. Cheios do Espírito para realizar a obra
Todas as vezes que o Espírito é mencionado na Bíblia vindo sobre alguém ou enchendo alguém, nota-se que o texto bíblico sempre falará em algo que este alguém irá fazer como consequência desse investimento do Espírito. O Espírito nunca vem apenas para provocar uma boa emoção ou sensação; o Espírito não é dado para arrepio de pelos ou formigueiro nos pés! Quando o Espírito vem ele vem para mover-nos na direção de uma obra que precisa ser feita.
No deserto, o Espírito veio sobre Bezalel, Aoliabe e outros homens hebreus para fazê-los artesãos inspirados do Tabernáculo. Algum conhecimento eles já tinham do artesanato egípcio, que muito era devotado à produção de objetos para a idolatria, estampando rostos de deuses-animais do Egito. O próprio Moisés, que foi educado “em toda ciência dos egípcios” (At 7.22), devia conhecer da produção artesanal típica da terra dos faraós. Todavia, visto que a obra agora é santa, e para habitação de Yavé, o único e verdadeiro Deus, aqueles artesãos hebreus necessitariam da inspiração do Espírito, a fim de que nada fizessem que remetesse ao paganismo egípcio ou a uma nova forma de idolatria (como infelizmente vê-se no fatídico episódio do bezerro de ouro que construíram na ausência de Moisés – Êx 32, uma clara corrupção das habilidades naturais concedidas por Deus!). Enquanto fossem guiados pelo Espírito, a obra seria espiritual e bem-sucedida.
Algo aqui merece destaque: um trabalho que parecia ser meramente técnico fez-se necessitar do revestimento espiritual para que fosse levado a cabo. Sempre existiu e sempre existirão excelentes profissionais do artesanato no mundo, alguns descrentes e imorais e outros ateus; entretanto, para a obra do Senhor faz-se necessário essa dotação espiritual, essa sensibilidade para as coisas santas que somente o Espírito Santo pode acrescentar ao nosso coração, que é carnal e enganoso! (Jr 17.9). A obra de Deus não é para técnicos e burocratas, mas para homens e mulheres aliançados com Deus e revestidos pelo seu Espírito! O Espírito é o verdadeiro coach da Igreja! Ele quem “ensina todas as coisas” (Jo 14.26), e somente em consequência disso é que podemos ensinar aos outros, como fizeram Bezalel e Aoliabe.
Há quem pense que a Igreja precisa de mais métodos, de mais planos, de mais projetos, de mais customização, de mais marketing, de mais técnicas de crescimento… Eu direi do que a Igreja realmente precisa: da presença, do poder, da sabedoria e da vida do Espírito dentro dela! Igrejas sem a vida do Espírito chamarão os técnicos de motivação pessoal para falar aos seus membros sobre “as 10 regras para o crescimento pessoal, profissional e financeiro”, mas as igrejas que têm a vida do Espírito chamarão pregadores ungidos pelo Espírito para falar-lhe sobre o evangelho que transforma vidas e a única mensagem que pode mudar o mundo: a mensagem da cruz!
Enchei-vos do Espírito” (Ef 5.18), e fazei toda a Sua vontade!
2. Habilidades especiais para obras especiais
Há muitas obras que podem ser desenvolvidas na e pela igreja local, como expressões da nossa adoração e da nossa missão. O Espírito Santo em sua multiforme graça nos capacita para que façamos o melhor, quer dotando-nos de novas capacidades, quer potencializando as capacidades que já desenvolvemos nalguma fase da vida ou desde o berço.
a) Na adoração: o Espírito tem dotado muitos com habilidades para composição de hinos, para a produção de instrumentos, para o canto, para a regência de corais, etc. Deus abençoe os líderes e os professores de música que dispomos na igreja, descobrindo e aprimorando outros talentos na casa do Senhor! Que igreja não tem um hinário?
Embora seja fato que todo ser que respira deve louvar ao Senhor (Sl 150.6), é igualmente verdade que fazer poesia não é para qualquer um! Compor “os mais belos hinos e poesias”, como dizia Frida Vingren, é realmente para quem Deus chama e capacita. Deus seja louvado por nomes de poetas clássicos como Lutero, John Newton e Charles Wesley e de poetas mais recentes como Emílio Conde, Paulo Leivas Macalão, Édison Coelho e tantos outros que compuseram com maestria belíssimas canções que enchem nosso coração de louvores a Deus!
b) Na missão: o Espírito tem dotado outros para a pregação, ensino, produção de livros e literatura tanto evangelística como devocional ou teológica. Há aqueles que ocupam púlpitos para pregar em grandes cruzadas evangelísticas, mas há aqueles responsáveis pela construção e ornamentação destes púlpitos onde os pregadores ministram, e o fazem alegremente para o Senhor, no mesmo intuito de verem almas se decidindo por Cristo à frente destes púlpitos. Há os que pregam através da exposição oral, fazendo explanação dos textos bíblicos; outros, porém, o fazem habilidosamente por meio da apologética em ambientes acadêmicos.
Mais artisticamente, há aqueles que com talento especial e inspiração divina fazem desenhos, ilustrações e gráficos que muito auxiliam o nosso entendimento na compreensão das Escrituras, da doutrina e da história, bem como nos disponibilizam recursos didáticos audiovisuais que muito auxiliam na eficácia de nossas aulas tanto na EBD como em seminários e faculdades teológicas. E o que dizer dos grupos de teatro que materializam porções das sagradas Escrituras, interpretando-as vividamente bem diante dos nossos olhos? Trago ótimas recordações de minha infância na igreja e de peças teatrais que assisti, dramatizando a vinda de Cristo e outros temas da fé; confesso ao leitor que eu mesmo já participei há alguns anos atrás, como também já dirigi algumas peças teatrais curtas e simples feitas para ilustrar temas bíblicos de grande relevância. Recordo-me dos rostos impressionados dos jovens, dos olhos esbugalhados das crianças, e das lágrimas correndo pela face das irmãs que se sentiam comovidas pela mensagem que muitas vezes passávamos em mímica (apenas com gestos, sem voz). Lembro-me de uma dramatização que fizemos ao ar livre, sobre o grande amor libertador e protetor do nosso Senhor Jesus!
A missão da igreja não se resume a duas horas de culto, nem também é cumprida somente pelos que falam ao microfone ou têm alguma habilidade para falar em público. Com um pincel, tintas e uma tela à sua frente, é perfeitamente possível, mesmo em silêncio, comunicar e exaltar a beleza e o amor do Senhor ao mundo!
III. Usando os talentos para a glória de Deus
1. Os talentos de Bezalel e Aoliabe
Não podemos estudar essa Lição e aplica-la apenas ao sentido da exposição oral das Escrituras ou dos meios mais tradicionais e conservadores de adoração e evangelização. Devemos encarar o fato de que as habilidades repartidas pelo Espírito aos artífices hebreus nada tinham a ver com a proclamação oral ou mesmo escrita dos mandamentos do Senhor. Na verdade, a proclamação oral da Lei do Senhor seria feita não pelos artesãos, mas pelos sacerdotes, e a produção literária estava por enquanto sob o encargo de Moisés, o redator e primeiro copista da Lei (futuramente, sob encargo dos sacerdotes e escribas). É bom que se ressalte isso especialmente para aqueles que pensam que “fazer a obra de Deus” resume-se a orar, pregar e cantar. Definitivamente não!
Há muitos dons naturais e sobrenaturais com que Deus nos tem dotado para adorarmos a Ele, expressarmos nosso louvor, gratidão e admiração por tudo o que Ele é, por tudo o que Ele tem e por tudo o que Ele faz. Seja através do artesanato de ornamentação, como na escola de Bezalel e Aoliabe, seja através das artes gráficas (escrevendo e desenhando), seja através das artes musicais ou cênicas (teatro, teledramaturgia, etc.), dentre outra infinidade de talentos (computação, marketing, arquitetura, oratória…), é possível materializarmos nosso louvor e nossa fé no Senhor Jesus, não só em ambientes eclesiásticos, mas em ambientes públicos ou privados, e não somente contribuindo para evangelização, mas para dignificação da pessoa humana e redenção dos dons que foram há muito maculados pelo pecado e dedicados à subversão. Visto que “Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes…” (Tg 1.17), temos que devolver a Ele estes dons, expressando a beleza de seus atributos e de sua Criação.
2. Os talentos revelados na igreja
A Igreja deve ser propulsora e multiplicadora de talentos, e não repressora. Claro, isso não significa que toda expressão artística deva ser legitimada pela igreja local (o que dizer do estilo musical funk ou do forró eletrônico e suas batidas aceleradas, irreverentes e sensuais? Definitivamente não podem encontrar espaço entre os santos!), antes significa que a igreja deve perceber e aproveitar aqueles talentos que são legítimos, que e sirvam para “glória e ornamento”, semelhante as obras artesanais dos hebreus (Êx 28.2). Como sugerem Colson e Pearcey, “a igreja pode desempenhar um importante papel no apoio às artes ao envolver artistas nos seus cultos: elas podem convidar músicos para compor e tocar música; pedir a poetas e autores que criem apresentações de teatro para festas religiosas; encorajar artistas para desenhar faixas e boletins e outros trabalhos que embelezem o santuário” [2].
Ressalte-se que isso não significa também que no culto congregacional todo talento deva manifestar-se como um elemento do culto, afinal, ninguém espera que artistas plásticos comecem a fazer pinturas de quadros ou modelagem com argila durante o culto para demonstrar louvor a Deus (algumas igrejas mais sensíveis em seu conservadorismo estranhariam até mesmo apresentações de jograis ou os chamados “ministérios de dança”). Significa que na vida da igreja, isto é, do povo cristão, a multiforme graça de Deus deve estar presente nas e para além das atividades eclesiásticas. Há muitos talentos que podem ser manifestos no culto, enquanto outros se manifestam para o culto, quando, por exemplo, o templo é habilidosamente ornamentado para recebimento dos membros, congregados e visitantes.
Quanto ao uso dos nossos talentos fora do ambiente eclesiástico, lembro que não deixamos de ser membros da Igreja do Senhor quando estamos em nosso trabalho, em nossa faculdade, em nossa escola, em casa ou no lazer. Começando por nossas casas, valorizemos os “artesãos de Deus” do nosso tempo. Colson e Pearcey estimulam: “toda família cristã pode fazer da sua casa um lugar onde haja fomento da arte e da cultura. Quando as crianças estão rodeadas pelo que há de melhor em música, arte e literatura, elas crescem aprendendo a apreciar o melhor” [3].
3. A beleza na adoração
Em séculos passados, a beleza da arte produzida por cristãos na música, literatura, pintura, arquitetura e escultura, impressionou, influenciou e conquistou o mundo secular. Hoje, para tristeza nossa, é a sub-cultura popular, cheia de feiura, subversividade, sensualidade, extravagância e baixaria que tem influenciado e conquistado muitos cristãos. Senão vejamos, só a título de exemplo, as músicas gospel desprovidas de poesia e saturadas de obviedades e redundâncias (quando não de letras equivocadas, fruto de má interpretação bíblica), feitas às pressas para atender o mercado, sem nenhum compromisso com a “beleza da santidade de Deus” (Sl 29.2). Compositores profissionais descrentes têm ofertado músicas para muitos cantores evangélicos, que tendo seu discernimento ofuscado pela ganância da fama e da riqueza, não se importam de gravar qualquer cantoria, desde que agrade as tendências do mercado gospel. Esta é a nossa realidade, embora existam exceções: trocamos os valiosos talentos de que Deus nos havia dotado para “glória e ornamento” (Êx 28.2) do seu Reino por quinquilharias baratas e populistas, desprovidas de beleza e de glória.
Louvar é cantar a beleza do caráter de Deus, dizia C.S. Lewis. Se não temos ouro, prata, bronze, pano azul, púrpura, carmesim e linho fino, nem peles de carneiro ou madeira de acácia para oferecer a Deus, nem somos também o que se poderia chamar de habilidosos artesãos, então que pelo menos ofereçamos a ele louvores que verdadeiramente exaltem a beleza de seu caráter e de suas obras! Que aprendamos a cantar com os serafins: “Santo! Santo! Santo! É o Senhor dos Exércitos, toda a terra está cheia da sua glória” (Is 6.3). A música é a arte mais democrática, no entanto, aqueles que foram vocacionados especialmente para esta obra devem fazê-lo com excelência! “Buscai-me, pois, um homem que toque bem” (1Sm 16.17), creio ser este o chamado de Deus para compositores, cantores e músicos em nossos dias.
É triste, mas sobre grande parte (a maior parte, talvez) da produção artística evangélica atual pode-se dizer: “Icabode – se foi a glória de Israel!” (1Sm 4.21). César Moisés de Carvalho faz uma crítica contundente a essa realidade da falta de beleza na arte cristã popular:
é preciso ser sincero para assumir que muita coisa de arte (música, literatura) que supostamente é produzida para “glória de Deus” não passa de uma mistura de mau gosto com mediocridade, com finalidades (motivações e objetivos) e formas (mensagem e meios) bem mais seculares, ou seja, só visam ao enriquecimento pessoal e à autopromoção. [4]
Mais ainda dá tempo de recuperarmos a kabod, isto é, a glória divina; ainda dá tempo de lembrar onde caímos e voltar ao primeiro amor; ainda dá tempo de vivermos a redenção dos nossos dons; ainda dá tempo de consagrarmos a Deus tanto nosso coração como nossa mente, e então podermos dizer como os coraítas: “Lindas palavras comovem o meu coração; recitarei um belo poema a respeito do rei, pois minha língua é como a pena de um habilidoso escritor” (Sl 45.1, NVT). Aliás, não só os nossos talentos devem expressar beleza, mas nossa própria vida precisa carregar os traços do grande Pintor, o Tecelão do universo, o Oleiro que nos toma como barro em suas mãos, o nosso Deus criador e criativo! Nas palavras de Francis Schaeffer, “a vida do cristão deve ser uma obra de arte”.
Conclusão
Após esta aula, devemos estar conscientes de que ninguém é dispensável na obra de Deus, já que Ele tem dotado seu povo de muitos dons para o adorarmos, cumprimos nossa missão enquanto Igreja e servirmos o nosso próximo. Então, pergunte-se: qual o meu dom? O que me sinto habilitado a fazer? Não poderia eu usar minha aptidão para algum arte específica para promover a glória de Deus expressa na criação e em sua Palavra? Não poderia eu usar esta habilidade para ajudar minha igreja local? Será que não posso servir o meu próximo com este talento, levando dignidade e alegria ao outro, seja nas escolas, nos hospitais ou nas ruas? Como diz a primeira estrofe do hino 93 da Harpa Cristã,
Há trabalho pronto para ti, cristão
Que damanda toda a tua devoção;
Vem alegremente, a Cristo obedecer,
Pois só tu, ó crente, o poderás fazer
Amém.
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Referências
[1] Frida Vingren no artigo “Deus mobilizando suas tropas”, publicado em 1931 no jornal Mensageiro da Paz. Citado por Isael de Araújo, 100 mulheres que fizeram a história das Assembleias de Deus no Brasil, CPAD, p. 5
[2] Charles Colson e Nacy Pearcey. O cristão na cultura de hoje, CPAD, pp. 263,4
[3] op. cit, p. 264
[4] César M. Carvalho. Pentecostalismo e pós-modernidade, CPAD, p. 135