Lei Maria da Penha, de agosto de 2006, apesar de aumentar a punição para casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, ainda não conseguiu atender todas as demandas por parte das brasileiras vítimas de maus tratos, assim como as individualidades de cada conflito. Pesquisa encomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que muitas das mulheres agredidas têm vínculos afetivos com os agressores, o que impede a aplicação da lei nos mais diversos casos de violência.
Além disso, a pesquisa indica que há dificuldades do Judiciário em dialogar com as partes envolvidas em conflitos, principalmente devido à linguagem e “jargões” jurídicos, causando falta de entendimento sobre os acontecimentos durante as audiências realizadas no fórum.
“A maioria das mulheres envolvidas em algum conflito ainda possui relação de afeto pelo ente agressor, além de possuir filhos e relações familiares com ele, por isso , muitas vezes, as mulheres evitam buscar a Justiça”, disse a professora de Direito da Universidade Católica de Pernambuco e uma das coordenadoras da pesquisa, Marilia Montenegro.
Intitulada de “Entre Práticas Retributivas e Restaurativas: a Lei Maria da Penha e os avanços e desafios do Poder Judiciário”, a pesquisa foi realizada pela Universidade Católica de Pernambuco a pedido do CNJ. O levantamento analisou Juizados e Varas de violência doméstica nas cidades de Recife (PE), Maceió (AL), Belém (PA), Brasília (DF), São Paulo (SP) e Porto Alegre (RS).
De acordo Marilia Montenegro, parte dos problemas que a lei Maria da Penha enfrenta no Judiciário acontece devido ao sistema penal brasileiro que, segundo a coordenadora, ainda possui características punitivistas e de perspectiva de prisão – o que desanima muitas mulheres a denunciarem os companheiros, uma vez que elas temem a aplicação de penas muito rígidas.
Delegacias
Outro aspecto que atrapalha novas denúncias é o fato de a mulher precisar ir à delegacia para iniciar o processo. Muitas precisam levar os filhos para registrar queixa e têm medo de sofrer pressões familiares, da comunidade e até mesmo da igreja que frequentam após formalizarem uma denúncia contra o marido, por exemplo.
Segundo Montenegro, a solução penal para conflitos não pode ser a resposta para todos os problemas. “Denunciar um familiar já é um primeiro rompimento para a mulher e, com isso, ela começa a ser muito questionada”, afirmou.
“Outro aspecto é a lentidão do processo. Entre a mulher chega à delegacia e o processo chegar ao Judiciário, pode demorar muito tempo. Muitas vezes, o problema já foi resolvido e, quando chega o processo, tempos depois, ela precisa rever todo o conflito novamente”, disse a coordenadora.
Classe Social
A pesquisa também fez um raio-x das classes sociais das mulheres que procuram as Varas e Juizados de violência doméstica. Em Recife, a maior parte das mulheres possui ensino de primeiro grau completo (28,5%). Somente 6,9% têm ensino superior completo.
As profissões mais recorrentes das mulheres nos juizados são Diarista, Cabeleireira, Comerciante, Estudante, Cozinheira e Faxineira. A maioria (55%) possui rendimento mensal menor do que R$ 510,00.
No total, 35% das mulheres possuem idade de 31 a 40 anos, sendo que a maior parte dos conflitos acontece com ex-companheiros (34,6%).
“Percebemos que mulheres com condições sociais melhores costumam procurar advogados de família, assim seus processos são encaminhados para outro tipo de Vara. Na outra condição social, a defensoria pública é procurada, e ela encaminham os casos para as delegacias”, disse Montenegro acrescentando que mulheres com maior poder financeiro também podem investir em outros tipos de solução como a terapia de casal, por exemplo.
Tipos de decisão
Os dados sobre as condenações variam de acordo com a cidade e o Fórum. Em São Paulo, por exemplo, a taxa de condenação é de 40%, enquanto que no Recife as decisões condenatórias representam 7% dos casos.
Para Montenegro, a diferença nas taxas de condenação acontece devido à melhor condição estrutural do Fórum Regional do Butantã, único autorizado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) a permitir a presença das pesquisadoras. “Com uma maior agilidade com os processos, os juízes evitam a prescrição e as condenações são mais frequentes”, disse.
Para a coordenadora da pesquisa, uma das principais soluções para a maior efetividade da Lei Maria da Penha é a melhora da qualidade de escuta das mulheres, como acontece com os centros de acolhimento e apoio à mulher. “É um espaço importante para ouvir a mulher de forma qualificada, sem precisar obrigatoriamente ir à delegacia”, declarou Montenegro.