Por Cris Oliveira
Eficiência na gestão pública nem sempre significa simplesmente reduzir gastos, mas direcionar os recursos para aquilo que é efetivamente de interesse público, com critérios de necessidade, proporcionalidade e transparência. Ainda assim, Ricardo Cappelli (PSB) tem se posicionado publicamente, ao longo dos últimos anos, como defensor de uma administração mais racional dos recursos públicos, com críticas recorrentes a contratos de aluguel considerados elevados e à falta de planejamento. Esse discurso, frequente no debate político brasileiro, associa gastos excessivos com locações ao desperdício do dinheiro do contribuinte — uma narrativa que nem sempre corresponde à realidade.
É justamente por isso que chama atenção a decisão da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), atualmente sob sua presidência, de desembolsar quase R$ 250 mil no aluguel de dois apartamentos por apenas 15 dias, durante a realização da COP30, em novembro de 2025, em Belém (PA). Os contratos foram firmados em agosto, por dispensa de licitação, com o objetivo de hospedar temporariamente a equipe técnica da agência durante o evento internacional.
Os documentos oficiais não indicam qualquer situação emergencial ou circunstância excepcional que impedisse a adoção de alternativas potencialmente mais econômicas. Ao contrário, a assinatura com meses de antecedência demonstra planejamento. Ainda assim, não há clareza sobre eventual comparação formal com outras opções disponíveis no mercado, como hotéis, locações por temporada ou acordos institucionais, tampouco sobre os critérios objetivos que fundamentaram os valores contratados.
Comparativo com preços de mercado
Levantamento em plataformas de aluguel por temporada, como o Airbnb, mostra que apartamentos inteiros em Belém costumam ter diárias médias entre R$ 200 e R$ 350 em períodos regulares, variando conforme localização e padrão do imóvel. Mesmo considerando a pressão de demanda provocada por grandes eventos, anúncios de alto padrão costumam oscilar entre R$ 1.000 e R$ 2.000 por diária, valores já considerados elevados pelo próprio mercado local.
No caso da ABDI, o gasto total de quase R$ 250 mil para dois imóveis por 15 dias representa uma média aproximada de R$ 8,3 mil por dia, ou cerca de R$ 4,1 mil por apartamento/dia — patamar significativamente superior à média observada nas plataformas de locação, inclusive em cenários de alta demanda. A diferença reforça os questionamentos sobre economicidade e razoabilidade da contratação.
O episódio ganha contornos ainda mais sensíveis diante do fato de os dois contratos terem valores idênticos, cobrirem o mesmo período e estarem localizados no mesmo edifício residencial. Esses elementos, somados, ampliam o impacto financeiro da decisão e alimentam dúvidas sobre proporcionalidade e racionalidade do gasto público.
A participação da ABDI na COP30 é legítima e compatível com suas atribuições institucionais. O debate, no entanto, não está na presença da agência no evento, mas na forma como essa presença foi viabilizada. Quando a administração pública opta por contratações diretas de alto valor — ainda que juridicamente amparadas —, a expectativa da sociedade é de transparência máxima e justificativas consistentes, sobretudo quando o discurso público do gestor aponta para o caminho oposto.
O caso expõe uma contradição recorrente da administração pública brasileira: a distância entre o discurso que condena gastos elevados com aluguéis e a prática administrativa que, em determinadas circunstâncias, acaba reproduzindo exatamente aquilo que se critica. Mais do que um debate jurídico, trata-se de uma discussão sobre coerência política, responsabilidade administrativa e respeito ao dinheiro do contribuinte.
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