O ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), suspendeu a tramitação do processo no qual o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) pedia a extinção da Fundação Renova. A entidade é responsável pela gestão dos programas de reparação dos danos causados na tragédia de Mariana (MG), que ocorreu em novembro de 2015 após o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco liberar no ambiente 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos.

A decisão vale até que o próprio STJ avalie se a Justiça estadual tem competência para julgar o caso ou se ele deve ser remetido para a Justiça Federal. A liminar concedida pelo ministro atendeu pedido feito pela Advocadia Geral da União (AGU) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama). Ambos defenderam a impossibilidade de a ação ser apreciada nos tribunais mineiros.

“Tendo havido manifestação expressa do Juízo Estadual a respeito da competência para a mencionada ação civil pública, afastando a necessidade de participação de entes públicos federais na lide, entendo, nesse primeiro momento, que está caracterizado o conflito de competência. Ainda em juízo de cognição sumária, entendo prudente o deferimento da medida liminar para determinar o sobrestamento do feito, fixando-se a competência da Justiça Federal para as medidas urgentes”, escreveu Og Fernandes.

Na tragédia de Mariana, 19 pessoas morreram e dezenas de municípios mineiros e capixabas situados ao longo da bacia do Rio Doce sofreram impactos. A Fundação Renova foi criada em cumprimento ao acordo firmado em março de 2016 entre a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billiton, o governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Sua função é levar adiante uma série de programas que foram pactuados entre as partes. O MPMG e o Ministério Público Federal (MPF), críticos da negociação, não participaram da celebração do acordo.

O pedido de extinção da entidade foi apresentado em fevereiro desse ano. O MPMG solicitou ainda, em caráter liminar, a imediata nomeação de uma junta interventora para exercer a função de conselho curador e elaborar um desenho institucional de transição. A ação listou problemas de governança que, segundo o MPMG, estão se traduzindo em desvio de finalidade e ineficiência. Para o MPMG, a entidade tem autonomia limitada e não está atuando como agente da efetiva reparação humana, social e ambiental, tendo se tornado instrumento de limitação das responsabilidades das três mineradoras.

Em nota, a Fundação Renova informou que permanece dedicada ao trabalho de reparação dos danos e que cerca de R$ 13,1 bilhões já foram desembolsados. A entidade afirma que, entre diversas medidas, vem desenvolvendo ações de restauração florestal em mais de mil hectares e que estão sendo recuperadas aproximadamente mil nascentes. Também diz monitorar 650 quilômetros de rios e lagoas, mais 230 quilômetros de zonas costeira e estuarina. Além disso, afirma que dez municípios recebem melhorias na infraestrutura de saneamento e que mais de 600 propriedades rurais são beneficiadas por ações da reparação.

“Em 2020, a Fundação iniciou um repasse de R$ 830 milhões aos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e às prefeituras da bacia do Rio Doce para investimentos em infraestrutura, saúde e educação. Esses recursos promoverão a reestruturação de mais de 150 quilômetros de estradas, de cerca de 900 escolas das redes públicas de ensino em 39 municípios e do Hospital Regional de Governador Valadares (MG), além de possibilitar a implantação do Distrito Industrial de Rio Doce (MG)”, registra a nota.

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Consultoria externa

De outro lado, o MPMG e o MPF têm contestado informações divulgadas pela Fundação Renova. Para periciar e avaliar as ações de reparação, eles contam com consultorias externas independentes contratadas conforme acordo negociado pelo MPF com as três mineradoras. A Ramboll, uma dessas assessorias, publicou um relatório em julho do ano passado segundo o qual apenas 15% das Áreas de Preservação Permanente (APP) destinadas à recuperação contavam com projetos executivos. Em relação às nascentes, haviam 270 projetos de um total de 1.500 esperados para o período.

Um dos principais gargalos da reparação envolve a reconstrução de Bento Rodrigues e Paracatu, dois distritos que foram devastados na tragédia. Segundo dados da Fundação Renova, apenas 8 das 71 casas de Bento Rodrigues estão finalizadas. A entidade diz que estão construídos postos de saúde e escola e afirma estar com 95% das obras de infraestrutura concluídas, considerando vias, drenagem, energia elétrica, redes de água e esgoto das ruas. Já em Paracatu, a situação está mais atrasada. As intervenções de infraestrutura estão em andamento, assim como a construção da escola. Apenas 6 residências tiveram as obras iniciadas e nenhuma ainda concluída.

Os atrasos nas obras, que deveriam ter sido entregues em 2018 e 2019 conforme o primeiro cronograma negociado, têm gerado contestações judiciais do MPMG. Passados mais de cinco anos da tragédia, os atingidos que viviam nas duas comunidades ainda moram em casas alugadas pela Fundação Renova. O relatório da Ramboll revelou ainda outros problemas: 48% das moradias alugadas em Mariana seriam inadequadas.

A criação de uma nova entidade similar à Fundação Renova para tratar da reparação de outra tragédia, a de Brumadinho (MG), foi descartada tanto pelo MPMG como pelo governo de Minas Gerais. No episódio, ocorrido em janeiro de 2019 após o rompimento de barragem da Vale, morreram 270 pessoas. Um acordo formalizado com a mineradora em janeiro desse ano previu outro modelo de governança para as ações previstas.

Publicidade

Há duas semanas, em outra ação judicial, ajuizada na Justiça Federal, cinco instituições de Justiça acusaram a Fundação Renova de propaganda enganosa e pediram a retirada do material do ar. Além do MPMG e do MPF, o processo foi movido ainda pela Defensoria Pública da União e pelas Defensorias Públicas de Minas Gerais e do Espírito Santo.

Elas citaram materiais que teriam “informações imprecisas, dúbias, incompletas ou equivocadas” e que estariam “noticiando o restabelecimento de uma normalidade inexistente, em temas fundamentais para a população, como a qualidade da água e do ambiente aquático, recuperação de nascentes e bioengenharia, recuperação econômica, indenização, reassentamento e concentração de rejeitos”. Segundo as cinco instituições, estudos científicos, perícias e trabalhos de campo realizados por especialistas demonstram o contrário do que apregoam o material propagandístico da Fundação Renova. É citada, entre outros pontos, falta de participação social nos processos reparatórios, insegurança no consumo da água e dos peixes, demora das indenizações e ameaças de interrupção no pagamento dos auxílios emergenciais. 

A ação afirma que menos de 20% da reparação foi concluída e que os gastos com publicidade já somariam R$ 28,1 milhões. “No período de pouco mais de um mês [6 de setembro a 11 de outubro de 2020], a Fundação despendeu R$ 17,4 milhões com um único contrato de publicidade, cujo objetivo foi tão somente o de promover uma imagem positiva da entidade e de suas mantenedoras. Ao todo, foram 861 inserções em TVs e 756 em emissoras de rádio, sem incluir o material divulgado em veículos impressos e portais de notícias”, registra nota divulgada pelas instituições.

Elas avaliam que as inserções publicitárias não têm os atingidos como verdadeiro público-alvo, mas investidores e a sociedade em geral. “Tais valores adquirem especial relevância quando se constata que eles foram gastos em detrimento de diversos programas cuja execução é a única razão da existência da Renova. Prova disso é que os R$ 17,4 milhões gastos com a campanha veiculada em 2020 são superiores ao valor individualmente gasto em 13 dos 42 programas previstos no acordo que criou a entidade, conforme dados apresentados no site da própria fundação”, acrescenta o texto.

A Fundação Renova se defende, refuta veicular informações inverídicas e diz que o cenário da reparação é complexo, o que demanda espaço para o debate esclarecido e bem informado dos múltiplos agentes envolvidos: atingidos, academia, autoridades, sociedade e a própria entidade. “Os valores utilizados para as ações pagas de mídia são oriundos dos recursos administrativos, que não são os destinados aos programas de reparação e compensação”, diz em nota.

Indenizações

Ontem (26), a Fundação Renova divulgou um balanço segundo o qual as indenizações e os auxílios financeiros emergenciais superaram R$4 bilhões. “Em toda a bacia do Rio Doce, em Minas Gerais e no Espírito Santo, cerca de 323 mil pessoas receberam indenizações por danos materiais, morais e lucros cessantes, além do pagamento de Auxílio Financeiro Emergencial. Nos primeiros quatro meses do ano, houve um aumento de 25% no montante pago em indenizações e auxílios financeiros emergenciais”, diz o texto.

Em julho do ano passado, a Ramboll apontava que apenas 34% das famílias cadastradas haviam recebido algum valor indenizatório. Segundo a Fundação Renova, o Sistema Simplificado, instaurado no final do ano passado a partir de uma série de decisões judiciais, alavancou os pagamentos. Através dele, trabalhadores informais de 22 localidades que ainda não tinham sido reconhecidos como atingidos após quase quatro anos da tragédia estão conseguindo obter valores referentes a danos morais e materiais. As quantias variam entre R$ 54 mil e R$ 161,3 mil. Donos de embarcações e outros grupos também estão sendo contemplados.

O MPF, no entanto, considera que houve irregularidades nas decisões que subsidiaram a criação do sistema e avalia que alguns valores estabelecidos foram baixos. Também manifestou estranheza com o comportamento das mineradoras, que não recorreram das decisões judiciais e teriam se apressado em fazer os pagamentos. Para o MPF, esse comportamento gera uma suspeita de lide simulada, isto é, o processo poderia ter sido movido após ter sido combinada entre advogados de ambas as partes. Uma ação foi ajuizada pelo MPF para solicitar revisão nas indenizações, mas uma decisão judicial já negou pedidos de caráter liminar. O mérito ainda será apreciado.

Fonte: Agência Brasil