Desde criança aprendemos nas classes infantis que João 3.16 é o “coração da Bíblia”, o resumo de toda a mensagem das boas novas de Deus para os pecadores em todo mundo. Creio que a maioria dos crentes, senão todos, saberiam recitar esta linda declaração de amor, pois é um dos primeiros versículos que aprendemos a memorizar: Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Há muitas e boas traduções bíblicas modernas, mas esta é a nossa preferida ao citarmos este precioso texto sagrado.
Indubitavelmente, esta Lição de hoje é o que garante a pulsação dos demais temas de todo o trimestre, pois não fossem o amor e a misericórdia de nosso bom Deus, não haveria “plano de salvação” para os pecadores. Os objetivos específicos a serem alcançados por este estudo dominical são: 1. Apresentar o maravilhoso amor de Deus; 2. Explicar a misericórdia de Deus no plano de salvação; 3. Analisar o amor, a bondade e a compaixão na vida do salvo. Vamos começar pelo amor de Deus!
1 – O amor de Deus
William Hendriksen, erudito em Novo Testamento, comenta que a expressão “de tal maneira” em João 3.16, deve ser interpretada como significando: em tal grau infinito e de tal maneira gloriosamente transcendente(1). O amor de Deus tem um caráter imensurável, infinito, sobremodo elevado que não podemos mensurar, apenas percebê-lo em sua expressão máxima na pessoa bendita de Jesus Cristo, o Filho que nos foi dado (Is 9.6), para morrer em nosso lugar (Jo 6.51; 15.13). Se quisermos saber o tamanho do amor de Deus, basta olharmos para Jesus, pois Jesus é a medida exata do amor que Deus tem por nós! Esta é a maneira como Deus nos amou: Cristo, que foi dado como sacrifício vicário para nossa propiciação.
O apóstolo Paulo escreve: “Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8). Há duas informações aqui que valem a pena atentar:
INFORMAÇÃO 1: Deus prova seu amor para conosco em Cristo Jesus
Se as palavras de João 3.16 foram ditas pelo próprio Cristo à Nicodemus, então Jesus está dizendo que diante do rabino de Israel está a encarnação do amor de Deus. Em Cristo o amor deixa de ser uma ideia abstrata e um belo sentimento, e revela-se como uma pessoa. Por isso é que mais à frente o apóstolo João vai dizer: “Deus é amor…” (1Jo 4.16). “Quando olhamos para a cruz de Cristo, não apenas ouvimos sobre o amor de Deus, mas vemos o próprio Deus desenhando um quadro com a mais bela declaração de amor já feita em toda história”(2).
A grande dádiva demonstra o grande amor! O exegeta Craig Keener diz que “unigênito” (gr. monogenes) “é, literalmente, ‘especial, amado’, e a palavra era sempre empregada na literatura hebraica até Isaque, para salientar a grandeza do sacrifício de Abraão ao oferecer seu filho para o holocausto”(3). O teólogo canadense Donald Carson concorda: “O Pai deu o seu melhor, seu único e amado filho”(4). De fato, Deus tem muitos filhos, aqueles que foram adotados pela fé no sacrifício vicário e redentivo. Mas Jesus é Filho especial, não adotado nem criado, mas eternamente gerado, e que só ele tem a natureza divina – plenamente Deus! – e porque, segundo brado do próprio Pai, “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.17; 17.5).
Professores e alunos da Escola Dominical devem regozijar-se com o estudo desta lição, ao reafirmarem suas convicções no grande amor de Deus, manifesto na grande dádiva, que é Cristo Jesus! Quantos corações inquietos e atribulados, em busca de bens terrenos, ansiosos pelas coisas desta vida efêmera. Tamanho regozijo viveriam se tão somente compreendessem: Deus já me deu a maior de todas as dádivas, já me presenteou não com uma lembrancinha do céu, mas o verdadeiro presente celestial, o Salvador Jesus! Como disse Paulo, “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo” (Ef 1.3).
INFORMAÇÃO 2: Cristo Jesus morreu por nós sendo nós ainda pecadores
Se realça ainda mais a bondade de Deus quando entendemos a quem Deus amou. Deus não deu seu Filho por anjos ou por uma humanidade digna e honrada de receber tal dádiva. Foi pelos pecadores! Foi por gente maltrapilha, cheia de rugas na alma e deficientes na moralidade. Por uma humanidade totalmente depravada foi que Jesus morreu. E isto é maravilhoso!
A grandeza do amor de Deus não reside apenas no fato de ele ter amado o mundo, no sentido de todas as pessoas, mas de ter amado o mundo ímpio, o mundo pecador, o mundo que estava em completa rebelião contra ele. “Se amardes os que vos amam, que galardão tereis?” – questionou Jesus, deixando claro que o amor não deve fazer acepções. Como diria John Piper, foi “a totalidade da humanidade criada e caída (…) É a grande massa da humanidade caída que necessita de salvação. É o incontável número de pessoas perecendo” a quem Deus amou(5). Segundo Craig Kenner, a expressão “o mundo” normalmente significa aqueles que ainda não seguem a vontade de Deus(6). Não foi um seleto grupo predestinado incondicionalmente para receber este amor, mas o mundo perdido, a totalidade dos transgressores em todo planeta e em todas as eras a quem Deus amou!
O teólogo calvinista batista Franklin Ferreira, num vídeo que está disponível no Youtube(7), questionou: “como Deus pode amar todo mundo, se há nesse mundo aqueles que não creem e Deus já está irado contra eles?”. Este teólogo levantou tal questionamento, baseando-se em duas premissas equivocadas: uma, a de que Deus não ama (com amor salvífico) a todos os homens sem exceção, mas apenas sem distinção, ou seja, aqueles de todas as raças e povos a quem Ele elegeu previamente para salvação; outra, a de que Deus não pode amar quem já está sob Sua ira.
Todavia, a pergunta deste teólogo batista é autodestrutiva, pois o oponente, aquele que crê no amor salvífico irrestrito, poderia devolver a pergunta assim: e quem há no mundo que não estivesse debaixo da ira de Deus para poder ser por ele amado? Mesmo que se creia nalguma eleição antecedente à fé prevista – não creio ser isso o que a Bíblia ensina -, ainda assim, é fato que até que a conversão se haja concretizada, o pecador está cego, perdido, longe de Deus, em densas trevas e debaixo da ira! Paulo, que cria ter sido separado para o ministério desde o ventre da madre (Gl 1.15), diz que “todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também” (Ef 2.3). Perceba que Paulo não estabelece nenhuma distinção na vida pregressa dos que agora são salvos e aqueles que permanecem no pecado. Para Paulo, “éramos [nós] filhos da ira” e do mesmo modo que “os outros também [que permanecem sob a ira por não crerem, não aceitaram pela fé a dádiva da salvação – Ef 2.8]”. Portanto, é pueril perguntar como pode Deus amar todo mundo incluindo aqueles que já estão debaixo da ira de Deus, porque todos nós estávamos outrora debaixo desta mesma ira, mas de lá fomos retirados por amor, conforme a promessa da salvação para os que crerem: “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece” (Jo 3.36).
Se alguém julga que não era filho da ira quando foi amado por Deus, deve-se voltar para o ensino elementar dos apóstolos: “Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores” (Paulo, Rm 5.8); “Nós o amamos a ele porque ele nos amou primeiro” (João, 1 Jo 4.19); “Vós, que em outro tempo não éreis povo, mas agora sois povo de Deus; que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia” (Pedro, 1Pe 2.10). Deus ama, sem exceção, mesmo quando os pecadores lhe viram as costas, resistem e recusam este amor, como fez o jovem rico (Mc 10.21 – e aqui é ágape).
O teólogo Donald Carson, embora também calvinista, compreende melhor a natureza e a expansão deste amor de Deus, quando explica: “os crentes foram escolhidos para ficarem separados do mundo e eles não eram em nada diferentes do ‘mundo’ quando o evangelho chegou a eles pela primeira vez. (…) Deus (…) declara a terrível condenação por causa do pecado do mundo, embora ainda ame tanto o mundo que o dom que ele deu ao mundo, o dom de seu Filho, permanece a única esperança do mundo”(8). E continua: “Os cristãos não nasceram cristãos; eles eram ‘por natureza merecedores da ira’ (Ef 2.3). (…) Separado do amor de Deus pelo mundo, o próprio mundo está sob a ira de Deus, e ninguém seria salvo; onde há uma comunidade remida, ela tem um relacionamento diferente e mais rico de amor com Deus do que o mundo”, mas então o exegeta fecha a conta acertadamente: “mas essa distinção não pode legitimamente ser feita para questionar o amor de Deus por um mundo sob seu julgamento”(9). Assim, não deve ficar dúvidas sobre o quanto e a quem Deus ama: ama, “com amor altruísta e valioso de redenção”, finaliza Carson.
Pode parecer um paradoxo, mas há ira de Deus e amor de Deus dirigidos contra os pecadores. Ira por causa de nossos pecados, amor por causa de Sua natureza bondosa e paciente. Um pai não deixa de amar seu filho quando se irrita com ele por seus atos de desobediência; uma mãe não deixa de amar seu filho quando ele comete crimes e vai parar na cadeia (muitas mães há que desenvolvem ainda maior compaixão pelos filhos quando estão em situações assim). Assim também, concluo que “O amor de Deus é por todos os homens maus, terrivelmente maus, e somente será removido da direção do pecador quando todos os apelos da graça forem rejeitados, e o Senhor resolver soberanamente não empregar mais qualquer ação do Espírito Santo para levar tal pecador ao arrependimento, abandonando-o finalmente à total depravação de seu coração. Até que isso aconteça, permanece a verdade inequívoca de que Deus amou o mundo, e que Cristo é a propiciação não somente pelos nossos pecados, ‘mas também pelos pecados de todo o mundo’ (1Jo 2.2)”. (10)
Os teólogos pentecostais William Menzies e Stanley Horton, afirmam que “Foi na cruz de Cristo que a ira o amor de Deus conjuntamente fluíram para resgatar a pobre humanidade” (11). Aliás, é o que diz a bela letra de um dos hinos do famoso hinário pentecostal, a Harpa Cristã (hino 18):
“Luz divina resplandece! Mostra ao triste pecador, Que na cruz estão unidos A justiça e o amor”