Mais da metade dos micro e pequenos empreendedores no Brasil — cerca de 15,2 milhões de pessoas — se declaram pretos ou pardos. No Norte e no Nordeste, essa presença é ainda mais expressiva: quase 80% (especialmente no Amapá, Acre e Amazonas) e pouco mais de 72%, respectivamente, segundo dados do Sebrae. Ainda assim, empreendedores pretos seguem enfrentando barreiras no acesso ao crédito, à formação técnica e à visibilidade. Diante dessas dificuldades, negócios com propósito antirracista têm se consolidado como ferramentas de transformação e de impulsão de ideias inovadoras e inclusivas.
É o que mostram as trajetórias de Taís Cardoso e Erika Maia, participantes do Projeto Negócio Raiz, uma iniciativa da Aliança Empreendedora, com apoio da Youth Business International (YBI) e financiamento da Standard Chartered Foundation, por meio do programa Futuremakers. Voltado para fortalecer o ecossistema empreendedor da bioeconomia nas regiões Norte e Nordeste, o projeto já beneficiou mais de 1.800 microempreendedores apoiados, em dois ciclos.
“A maioria das empreendedoras que passam pelo Projeto Negócio Raiz são mulheres negras que empreendem para garantir renda, sustento e dignidade para suas famílias. Neste contexto, elas constroem negócios que carregam propósito e responsabilidade social como parte da sua própria história. Não é apenas uma escolha estratégica ou pela moda: é a forma como vivem, cuidam e resistem. Nosso papel, enquanto Projeto, é oferecer suporte técnico, emocional e estratégico para que esses empreendimentos se fortaleçam, ganhem visibilidade e ampliem seu impacto. Ao apoiar essas mulheres, estamos impulsionando não só negócios, mas também transformações profundas em suas comunidades”, ressalta Andressa Trivelli, coordenadora do Projeto Negócio Raiz.
Taís Cardoso (30 anos) é fundadora da Traços Marcantes, criada para promover empoderamento, autoestima e expressão cultural entre crianças negras e indígenas por meio da moda e de experiências educativas. “O nosso propósito é a valorização e o empoderamento. As nossas vestes comunicam isso. A nossa primeira coleção foi de camisas falantes — uma delas dizia ‘Não toque em meu cabelo’, trazendo uma problemática que crianças negras e de cabelos black geralmente passam. A nossa marca vem muito nesse intuito de quebrar paradigmas”, explica.
Ela reforça que participar do Projeto ofereceu uma oportunidade de dar mais estrutura ao seu negócio, localizado em Salvador e Camaçari, na Bahia. “Um dos meus principais aprendizados foi entender o meu negócio de forma mais palpável, pontual, dinâmica e acessível. Era um diálogo preciso, que a gente conseguia compreender e colocava a mão na massa, para construir uma narrativa melhor e um plano de negócio mais estruturado”, afirma.
Taís também aponta as barreiras que empreendedores pretos enfrentam. “As estratégias mais eficazes para superar isso são estar dentro de comunidades com pessoas negras, participar de acelerações pensadas para pessoas negras, em que há fomento de capital semente, possibilidade de empréstimos e um network mais palpável. Então essas estão sendo as estratégias para poder superar esse racismo estrutural dentro do empreendedorismo também”.
A empreendedora acredita que seu negócio, ao promover respeito às diferenças desde a infância, também contribui para o enfrentamento do racismo. “O foco principal são crianças negras e indígenas, mas a gente agrega todas as comunidades. Levar o meu negócio para outros locais faz com que pessoas de raças diferentes entendam a importância da quebra do racismo, que não é algo que nasce com a pessoa, mas que é construído ao longo do tempo em uma sociedade racista”, complementa.
Para os jovens pretos que sonham em empreender, Taís deixa um conselho: “Não desistam. Saber que o seu negócio tem um propósito é muito importante. É difícil se colocar e se manter no mercado, mas o propósito precisa falar mais alto. A gente pode gerar renda não só para nós, mas para outras famílias também. E impactar vidas. Eu fico muito emocionada de ver o brilho nos olhos das crianças nos eventos, de ouvir o feedback de uma criança se empoderando e entendendo que pode ser o que ela quiser ser”.
Apoio e consumo pelo propósito
Já Erika Maia (23 anos), que também vive em Camaçari, fundadora e gestora da Ahimsa Produtos da Natureza, é uma mulher branca que escolheu empreender de forma alinhada com o respeito à diversidade e à justiça social. “Minha motivação para empreender surgiu do desejo profundo de viver com mais coerência com aquilo que acredito: respeito à Terra, às pessoas e à vida em todas as suas formas. Empreender foi a forma que encontrei de unir cuidado, propósito e ação concreta em prol de um futuro mais sustentável e justo. Acredito que todos somos seres da Terra, partimos de um mesmo organismo vivo, e que não faz sentido construirmos negócios que reforcem divisões ou desigualdades”.
Ela é fundadora de um pequeno negócio de sabonetes e produtos naturais artesanais, que valoriza saberes ancestrais e comunitários e prioriza uma cadeia produtiva limpa e justa. Participar do Negócio Raiz reforçou ainda mais o alinhamento entre propósito e prática. “Tive acesso a mentorias que me ajudaram a enxergar meu negócio com mais clareza estratégica e profundidade social. Entendi a importância de transformar meus valores em ações concretas e percebi o quanto é fundamental alinhar o impacto que desejo causar com a forma como conduzo cada detalhe da produção, das parcerias e da comunicação”.
Para Erika, reconhecer as desigualdades raciais também é um passo importante para empreendedores brancos. “Empreendedores negros enfrentam dificuldades no acesso a crédito, redes de apoio, formação técnica e visibilidade. Essas barreiras não são individuais, são parte de um sistema que precisa ser questionado. Como empreendedora branca, vejo como meu papel apoiar essas redes sem ocupar o espaço delas: seja como consumidora, parceira ou aliada na visibilidade e no acesso a oportunidades”.
“O foco do meu negócio está na sustentabilidade. Minhas escolhas de parceria, fornecimento e rede são guiadas por esse princípio. Apoio e colaboro com quem está comprometido com práticas sustentáveis, regenerativas e éticas — independentemente da cor, origem ou status. Acredito que é assim que construímos um novo modelo de economia, em que todas as pessoas possam estar incluídas de forma justa”, complementa Erika.
País empreendedor
O Brasil vive hoje sua maior taxa de empreendedorismo dos últimos anos, sendo que 33,4% da população adulta está envolvida com algum tipo de negócio, de acordo com a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2024. Ainda de acordo com a pesquisa, os jovens entre 18 e 34 anos têm puxado esse crescimento, grupo no qual estão inseridos muitos participantes do Projeto Negócio Raiz. Mas não basta empreender, é preciso também questionar as estruturas que dificultam o acesso e a permanência de pessoas negras e periféricas nesse universo.
“Na Aliança Empreendedora, entendemos que o combate ao racismo estrutural passa também pelo fortalecimento de empreendedores que atuam com propósito e impacto social. Apoiar negócios antirracistas é contribuir para uma economia mais justa, onde saberes e identidades são valorizados. Acreditamos que promover inclusão racial no empreendedorismo é uma forma potente de transformar realidades e gerar oportunidades nas comunidades mais afetadas pelas desigualdades.”, destaca Mariana Nunes, integrante do Comitê de Diversidade da organização.
Sobre o Projeto Negócio Raiz
O Negócio Raiz é uma iniciativa da Aliança Empreendedora com apoio da Youth Business International (YBI) e financiamento da Standard Chartered Foundation (SCF), como parte do programa Futuremakers do Standard Chartered. Tem como objetivo apoiar jovens microempreendedores, especialmente das regiões Norte e Nordeste, com capacitação, mentoria e conexão com oportunidades de geração de renda. Mais informações, clique aqui.
Sobre a Aliança Empreendedora
A Aliança Empreendedora acredita que todos e todas os brasileiros podem empreender de forma digna e justa, e usa o empreendedorismo como forma de transformar o Brasil. Em 20 anos já apoiou mais de 250 mil microempreendedores, recebendo em 2023 o Prêmio de Melhor ONG de Geração de Renda do Brasil. Neste sentido, capacita e apoia gratuitamente microempreendedores formais e informais em comunidades e periferias de todo o país, gerando inclusão e desenvolvimento econômico social, em parceria com empresas, governos, organizações sociais e interessados na causa. Saiba mais aqui.