Violência sexual contra crianças e adolescentes cresceu no país; 75% das agressões ocorreram dentro de casa. Pedagoga defende união entre família e escola para combater riscos físicos e digitais.
O Brasil notificou, em 2024, 87.545 casos de estupro, sendo 67.200 contra vulneráveis — crianças e adolescentes menores de 14 anos ou pessoas incapazes de consentir. O levantamento revela que 76,8% das vítimas se enquadram nessa categoria e que três em cada quatro abusos acontecem dentro da própria casa.
O dado, já alarmante, ainda esconde uma realidade mais grave: segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a subnotificação chega a 91,5%, o que indica que até 700 mil casos podem não ter sido registrados.
Para a pedagoga Mariana Ruske, fundadora da Senses Montessori School, a violência sexual contra crianças não se limita ao contato físico — o ambiente digital também se tornou um território de alto risco.
“Crianças expostas cedo a conteúdo sexualizado apresentam mais ansiedade, depressão e distorções de autoimagem. A escola pode e deve abrir espaço para diálogo e educação digital, mas não resolve sozinha. É preciso que a família construa uma base sólida, capaz de orientar a criança mesmo sem supervisão direta”, afirma.
O que a escola pode — e não pode — fazer
Mariana ressalta que a educação digital deve começar cedo, mas respeitando o estágio de desenvolvimento cerebral de cada faixa etária.
“Na educação infantil, telas devem ser evitadas. Crianças aprendem pelo concreto e pela interação real. O acesso livre às redes só deveria ocorrer apenas com maturidade emocional, algo que, antes dos 16 anos, ainda não está formado para lidar com comparações, validação externa e riscos online.”
Ela destaca que professores e funcionários precisam ser treinados para identificar sinais de alerta, como vocabulário impróprio, brincadeiras sexualizadas e preocupação excessiva com a aparência.
“Exposição a pornografia ou conteúdos libidinosos não é só preocupante, é crime. Meninas tendem a sofrer mais com autoimagem, enquanto meninos são mais vulneráveis ao vício em games e pornografia. Mas ambos estão suscetíveis ao aliciamento online.”
Proteção contínua e postura firme
Para a especialista, proteger não é proibir, mas acompanhar e mediar.
“Precisamos de constância. Criar um calendário de encontros entre escola e família, fortalecer autoestima, resiliência e autonomia emocional. A criança deve ter segurança para dizer não e não depender da aprovação externa.”
Mariana defende ainda que o Brasil adote medidas duras contra a sexualização infantil nas redes sociais:
“A indústria da pornografia, do aliciamento e da monetização da atenção infantil movimenta bilhões e molda o cérebro das próximas gerações. Quem não entendeu que estamos em guerra, está dormindo. E o preço da inércia será pago pelas crianças de hoje.”
Sobre a especialista
Mariana Ruske é pedagoga há 12 anos, especializada no método Montessori e fundadora da Senses Montessori School, referência em bilinguismo e pedagogia Montessori no Brasil. Mãe de dois meninos, já passou por formações em engenharia e astrofísica antes de se dedicar à educação. É palestrante e ativista pela proteção infantil, defendendo que a educação de base é a principal ferramenta contra a violência.