ue você faria para que sua empresa tivesse um aumento na receita seis vezes superior ao da média do mercado? E se, de quebra, os funcionários se engajassem mais no trabalho e a rotatividade de pessoal diminuísse?

Simples: diversifique. Contrate mulheres.

A receita está na terceira e última edição do ranking “As melhores empresas para a mulher trabalhar”, elaborado pelo braço brasileiro da consultoria global GPTW (Great Place to Work). Das 444 inscritas, representando cerca de 1 milhão de funcionários, foram selecionadas 55 empresas — 30 de grande porte, e 25 de médio.

Para participar do GPTW Mulher, a companhia tem de preencher três requisitos. Possuir, no mínimo, cem funcionários; preencher 15% ou mais dos cargos por mulheres; e do total de gestores, 15%, ao menos, deve ser do sexo feminino. Atender a esses quesitos ainda não é fácil, mas, aos poucos, cresce o número de empresas aptas a concorrer a uma vaga no ranking — e, consequentemente, aumenta a lista de empresas agraciadas. Em 2017, na primeira edição do GPTW Mulher no Brasil, elas foram 30. No ano passado, foram 40. A palavra-chave para conseguir colher os frutos da equidade é consistência. “Esse assunto está pipocando nos últimos cinco a sete anos, mas percebemos que as empresas que estão mais avançadas nas práticas de gestão de pessoas com um olhar voltado à mulher começaram a trabalhar nesse tema há mais de 15 anos”, diz Daniela Diniz, diretora do GPTW Brasil.

A igualdade de gênero deixou de ser um tema exclusivo do setor de recursos humanos e hoje é discussão frequente entre a alta liderança das organizações. São inúmeras as evidências de que ter mais mulheres nas diretorias, criar políticas inclusivas e investir na carreira delas desde a base tem efeito positivo no resultado financeiro das empresas. A equação não é complicada.

Na economia 4.0, a equidade tem se revelado essencial. “A diversidade importa não apenas para o bem da sociedade, mas porque melhora o negócio”, diz Karen Greenbaum, CEO da Association of Executive Search and Leadership Consultants (AESC), associação internacional que reúne companhias de recrutamento. A diversidade promove o encontro de pontos de vista, referências e backgrounds distintos. E o encontro dos diferentes promove naturalmente a criatividade e a inovação — consequentemente, a produtividade e a lucratividade. As empresas premiadas pelo GPTW Mulher 2019 tiveram um aumento de faturamento de 12,2%, em média — um crescimenro seis vezes maior do que o registrado no mercado em geral.

Tem mais. “Se uma mulher chega em nossa companhia e percebe que é possível fazer carreira e ascender a um posto de liderança, esse ambiente torna-se mais atraente”, diz Guilherme Rhinow, diretor de RH da Johnson & Johnson no Brasil (a número 1 entre as organizações de grande porte).

O aumento da presença feminina em cargos de liderança entra no cálculo do bônus de Ana Paula, CEO da IBM (Foto: Marcus Steinmeyer)
DE CIMA PARA BAIXO

Para convencer toda a organização de que o tema da igualdade deve ser levado a sério, a discussão precisa estar no dia a dia da empresa, fazer parte da cultura corporativa, diz Fabiana Cymrot, vice-presidente de Recursos Humanos para o Brasil e o Cone Sul da Mastercard (líder entre as empresas médias). Ao que Karen, da AESC, complementa: “A promoção da equidade é também um trabalho da diretoria de marketing, tanto quanto do CFO, do CIO e é claramente um dos trabalhos do CEO. Se a empresa não tem um CEO interessado ou comprometido com a diversidade, é muito mais difícil”.

Entre as 30 empresas de grande porte do GPTW, a IBM segue à risca essa premissa — tanto que o aumento no número de líderes mulheres é uma das métricas para o cálculo do bônus de Ana Paula Assis, presidente da empresa para a América Latina. “Sem alinhamento estratégico, você sempre vai tratar o tema da diversidade como acessório, como algo que pode ser deixado para depois”, defende a executiva. Incentivar a participação feminina pressupõe mudar antigas políticas. “Costumo dizer que o nome do jogo para a mulher no mercado corporativo é a flexibilidade. Ainda cabe às mulheres uma série de responsabilidades nos cuidados da casa e dos filhos”, lembra Ana Paula. “As empresas precisam se adaptar às necessidades delas e não o contrário, como sempre aconteceu.”

Essa preocupação, no entanto, não vale como regra — ainda. É o que mostra o levantamento “Mulheres na Liderança 2018”, fruto da parceria da Will (Women in Leadership in Latin America) com o Valor Econômico, realizado pela Ipsos, entre novembro de 2018 e fevereiro de 2019*. Das 165 empresas pesquisadas, apenas 41% têm alguma política formal sobre equidade de gênero, com metas claras e ações planejadas.

ESTRATÉGIAS E MÉTRICAS

Se a equidade precisa estar entre as prioridades estratégicas da empresa, é preciso que ela seja tratada como tal. Isso significa criar métricas para acompanhar o avanço nesse setor. “What gets measured gets managed” [O que é medido, é gerenciado], já dizia, em 1954, o professor, escritor e consultor austríaco Peter Drucker (1909-2005), tido como o pai da administração moderna.

Quando o assunto é salários, por exemplo, a análise de dados se mostra importante. “As empresas partem do pressuposto de que não há diferenças salariais entre homens e mulheres, argumentando que não existe uma tabela de rendimentos para o sexo masculino e outra, para o feminino”, conta Ricardo Sales, sócio da consultoria Mais Diversidade e pesquisador na Universidade de São Paulo (USP). “Quando, no entanto, essas empresas fazem um estudo detalhado, percebem que homens e mulheres exercendo a mesma função não recebem a mesma remuneração.” Como frisa Ricardo, um levantamento desse tipo, para ser bem-feito, envolve muita estatística para excluir todas as variáveis que podem impactar o resultado final, como tempo de casa e experiência. Na Mastercard, todos os anos é feita uma análise dos salários da empresa. “Não adianta fazermos isso neste ano e ficarmos cinco anos sem analisar. É um processo, não podemos deixar de acompanhar essas métricas”, diz a executiva Fabiana.

Para Fabiana, da Mastercard, a discussão sobre equidade de gênero deve fazer parte da cultura corporativa (Foto: Divulgação)
PARTICIPAÇÃO MASCULINA

“Antes, quando a gente começava a falar de equidade de gênero, ou mesmo sobre práticas voltadas às mulheres, era sempre o clube da Luluzinha — mulheres falando para mulheres sobre mulheres”, lembra Daniela, do GPTW. “Agora, vejo um movimento para incluir os homens nessa discussão, inclusive com treinamentos e workshops sobre viés inconsciente.” Segundo ela, isso indica uma maior maturidade das empresas em relação ao tema da diversidade. “O papel dos homens é fundamental nesse processo, até porque eles hoje ainda são maioria nas posições de liderança”, faz coro Ana Paula, da IBM.

A Accor até mudou o nome do programa de diversidade para incluir os homens na discussão. No ano passado, o Women At AccorHotels Generation (WAAG) virou RiiSE — o “ii” simbolizando mulheres e homens. “Mudamos um pouco o foco do programa, passamos a falar mais em igualdade de gênero. A gente entende que é muito difícil levar essas iniciativas adiante sem o envolvimento masculino”, explica Magda de Castro Kiehl, vice-presidente jurídica da Accor na América do Sul e responsável na região pelo RiiSe.

Mesmo entre as empresas premiadas no GPTW Mulher, a presença feminina nos cargos de liderança ainda é menor do que a masculina. Apesar de serem maioria, elas ocupam 45% das posições de média liderança e 26% das cadeiras na alta liderança. Nos conselhos das organizações, a participação das mulheres é ainda menor — 7,3%, nas companhias listadas no Novo Mercado da B3, segundo a consultoria Enlight. Nesse segmento da bolsa brasileira, encontram-se as empresas que, voluntariamente, adotam práticas adicionais de governança corporativa. Das 142, 92 (65%) têm conselhos formados exclusivamente por homens. Em apenas sete, a participação feminina no conselho supera 30%.
Mentoria

Como adverte Karen, da AESC, “você não pode achar que por ter uma mulher na diretoria, a lição de casa está feita”. Isso não basta. A ênfase no desenvolvimento da carreira das funcionárias e funcionários é um traço comum entre as premiadas no GPTW, com mentoria, coaching e incentivo ao desenvolvimento de novas habilidades.

   Ranking elaborado pela consultoria GPTW premia as 55 melhores empresas para a mulher trabalhar no Brasil. Em sua terceira edição, a pesquisa reforça que a equidade de gênero faz bem aos negócios (Foto: Marcus Steinmeyer)

Na Mastercard, desde o início deste ano, há um programa de mentoria para ajudar homens e mulheres a crescerem profissionalmente. “As oportunidades devem ser iguais”, diz Fabiana. Segundo a executiva, a mentoria é um dos fatores que ajudam, a cada ano, 30% dos funcionários a mudar de área dentro da companhia ou receber uma promoção. “É mais uma forma de você trabalhar seu desenvolvimento, entender como se conecta com uma pessoa que tem senioridade maior que a sua, e isso aumenta não só a visibilidade das pessoas dentro da companhia, como a integração entre as áreas.”

Para o consultor Ricardo, iniciativas como essa são especialmente benéficas às mulheres. “É importante acompanhar o desenvolvimento da carreira delas, para que tenham de fato oportunidade de crescer dentro da empresa e ajudá-las na promoção do networking.” Seguindo ele, os espaços de networking, “como o futebol”, em geral não são receptivos à presença feminina.

VIÉS CONSCIENTE

O debate em torno da equidade de gênero tem ganhado impulso também nos processos de seleção. Uma das práticas mais adotadas é o estabelecimento de metas — ter, entre os candidatos entrevistados para qualquer vaga, pelo menos uma mulher, por exemplo. Isso obriga os gestores a olhar para uma amostra mais diversa de profissionais. “A gente sempre vai contratar o melhor candidato, independente de gênero, idade, raça, religião ou orientação sexual, mas em todos os processos seletivos a orientação é a de que haja mulheres como finalistas”, conta a executiva Fabiana, da Mastercard. Para driblar a escassez  feminina na tecnologia, a Accenture (12º lugar no rol das grandes) promove treinamentos específicos para mulheres na área. “O papel do recrutador é entregar ao gestor uma lista diversa de candidatos. A escolha é por mérito, mas se você já começa com uma lista desequilibrada, a probabilidade de contratar mulheres é menor”, diz Beatriz Sairafi, diretora de RH da Accenture.

Além disso, há entre as empresas uma crescente busca por workshops sobre o viés inconsciente. “É um traço cultural no Brasil que as pessoas neguem seu próprio preconceito. É preciso fazer uma capacitação dos gestores para que eles entendam que todo mundo tem algum preconceito”, recomenda o consultor Ricardo, da Mais Diversidade. “Temos de ter consciência de onde mora nosso preconceito. Só assim você diminui o risco de o preconceito se transformar em discriminação.” É um primeiro — e importantíssimo — passo rumo à igualdade (de gênero, raça, idade, orientação sexual…) não apenas no trabalho, mas na vida.

GPTW Mulher 2019 (Foto: época negócios)

 

   Ranking elaborado pela consultoria GPTW premia as 55 melhores empresas para a mulher trabalhar no Brasil. Em sua terceira edição, a pesquisa reforça que a equidade de gênero faz bem aos negócios (Foto: Marcus Steinmeyer)
   Ranking elaborado pela consultoria GPTW premia as 55 melhores empresas para a mulher trabalhar no Brasil. Em sua terceira edição, a pesquisa reforça que a equidade de gênero faz bem aos negócios (Foto: Marcus Steinmeyer)
   Ranking elaborado pela consultoria GPTW premia as 55 melhores empresas para a mulher trabalhar no Brasil. Em sua terceira edição, a pesquisa reforça que a equidade de gênero faz bem aos negócios (Foto: Marcus Steinmeyer)

* O estudo analisa as políticas, os processos e as práticas de equidade de gêneros das organizações e identifica as empresas que mais promovem políticas de equidade. Entrevistou, por meio de um questionário online, executivos de 165 grandes empresas que atuam no Brasil; as grandes empresas foram definidas segundo o critério SEBRAE – a quantidade mínima de funcionários para ser elegível a responder ao estudo foi de cem funcionários para Comércio e Serviços e 500 funcionários para Indústrias. A margem de erro do estudo é de 7.6 p.p.

Fonte: Época Negocios