Para além de medidas judiciais, o enfrentamento da violência contra a mulher também passa pelo desenvolvimento de políticas públicas que provoquem mudanças culturais, educativas e sociais. É o que destaca a mestra em Direitos Humanos, Justiça, Saúde, Gênero e Sexualidade Fernanda Araújo. Ela é autora de uma dissertação que mostra os fatores que incentivam as mulheres a romperem com o ciclo da violência e denunciarem os crimes.
A pesquisa lhe garantiu o título na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), instituição vinculada à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O trabalho de Fernanda foi divulgado nesta sexta (25) pela agência de notícias da ENSP por ocasião do Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, celebrado hoje. Ele ainda reflete para uma conscientização sobre o fenômeno da violência de gênero como um problema complexo, multicausal e que envolve uma série de fatores.
“O fenômeno da violência contra a mulher envolve diversos elementos que repercutem na vida delas. Nossa sociedade é arraigada por atravessamentos históricos, religiosos, culturais, sociais, políticos e econômicos que influenciam nas relações sociais. Como também permeada por uma cultura machista, patriarcal, sexista, heteronormativa e binária, que estrutura relações de poder e hierarquias, gerando desigualdades e privilégios”, explica Fernanda.
As motivações
De acordo com a especialista, não é o último episódio de violência que motiva a vítima a denunciar o agressor. Mas sim o medo de feminicídio, a intensidade da agressão física, o desrespeito; o filho ou filha da mulher, o apoio familiar e as humilhações. Assim como muitas também denunciar como uma forma de advertir o agressor, ou por experiência de outros relacionamentos agressivos e a vontade de ser independente.
Para o estudo, Fernanda entrevistou 15 mulheres, na faixa etária entre 18 a 59 anos. Em comum, todas elas foram vítimas de violência física e haviam registrado ocorrência em uma delegacia policial, onde foram encaminhadas para realizar o exame de corpo de delito na Sala Lilás do Instituto Médico Legal (IML), no centro da cidade do Rio de Janeiro. A Sala Lilás é um projeto que envolve a justiça, a segurança pública e a saúde do estado e do município do Rio. Ela foi criada para proporcionar um atendimento mais humanizado e qualificado às mulheres vítimas de violência.
De acordo com dados do Dossiê Mulher 2021, no estado, ocorreram 98.681 casos de violência contra mulheres em 2020. Desses total, um terço delas – 34,7% – aconteceram apenas na capital fluminense.
Uma questão interseccional
A pesquisa também mapeou o perfil sociodemográfico das entrevistadas, indicando predominância de mulheres cisgênero, negras, heterossexuais, casadas/união estável, com mais de dez anos de estudos, com rendimento de até 1 salário mínimo, com faixa etária entre 20 e 39 anos, religião cristã, residentes em área formal e em moradia alugada. “Pode-se dizer que o grupo entre 20 e 29 anos, especialmente, é mais suscetível a sofrer violência física. Esta faixa etária está em plena idade reprodutiva e economicamente ativa. As agressões sofridas são graves e impossibilitam o exercício de suas atividades laborais. Elas necessitam de cuidados de saúde e afastamento de atividades”, observa a pesquisadora.
Todas as mulheres entrevistadas também informaram a reincidência dos atos violentos durante o seu relacionamento com o agressor, com destaque às mulheres negras. A análise de Fernanda é que essa população “suporta situações de opressão de forma interseccional”. De acordo com ela, são “agregadas as violências decorrentes de preconceitos raciais, de classe e orientação sexual”.
Por conta disso, a especialista garante que as políticas públicas “necessitam intervir de forma transversal e intersetorial, atingindo as ações desenvolvidas nas políticas de saúde, educação, trabalho e renda, cultura, assistência social, segurança pública, justiça, entre outras, para atuar na desconstrução da cultura machista e patriarcal que gera desigualdades de gênero e social. Como também, contribuir na integralidade das ações de assistência a mulheres em situação de violência”, destaca.
Papel da arte
Desde 2007, o Brasil conta com uma Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Mas a especialista adverte é que preciso pensar estratégias para enfrentar esse problema também do ponto de vista social, além de promover práticas para melhorar a qualidade do atendimento.
Aliado a isso, há iniciativas organizadas também pela sociedade civil, como a da trabalhadora rural Kenny Silva, de 45 anos, que utiliza da poesia para denunciar a violência de gênero e combater preconceitos enraizados na oralidade. Moradora do município de Xinguara, no Pará, Kenny destaca em suas produções temas como o da violência contra a mulher que atravessa a vida da população rural. Uma região em que, segundo ela, é mais comum que as agressões sejam mascaradas ou até mesmo não denunciadas.
“A gente tem casos de violência não só física, mas psicológica, moral e até financeira”, explica a poetisa à agência de notícias Ceub – projeto de extensão do curso de Jornalismo do Centro de Ensino Unificado de Brasília. A ideia, contudo, é usar os versos para expressar não apenas a dor, mas a importância da mulher não se calar quando for violentada. “Eu tenho feito da minha poesia o meu lugar de fala para não deixar que essa violência seja silenciadora. A gente como mulher, todos os dias temos que ser acima do padrão que nos é imposto. Todos os dias a gente é desafiada a manter um padrão de excelência que nos é cobrado socialmente”, critica Kenny.
25N e “Las Mariposas”
Numa entrevista ao Brasil de Fato, a integrante do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) Adriana Mezadri também destacou que nos últimos quatro anos, por conta do governo de Jair Bolsonaro (PL), o conservadorismo e o machismo foram legitimados institucionalmente. Com a sua derrota, garantida principalmente pela população feminina, ela defende que o atual desafio é “construir formas coletivas de combate à violência”. “Se uma mulher é violentada, eu também sou violentada”, afere.
A pesquisa lhe garantiu o título na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), instituição vinculada à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O trabalho de Fernanda foi divulgado nesta sexta (25) pela agência de notícias da ENSP por ocasião do Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, celebrado hoje. Ele ainda reflete para uma conscientização sobre o fenômeno da violência de gênero como um problema complexo, multicausal e que envolve uma série de fatores.
“O fenômeno da violência contra a mulher envolve diversos elementos que repercutem na vida delas. Nossa sociedade é arraigada por atravessamentos históricos, religiosos, culturais, sociais, políticos e econômicos que influenciam nas relações sociais. Como também permeada por uma cultura machista, patriarcal, sexista, heteronormativa e binária, que estrutura relações de poder e hierarquias, gerando desigualdades e privilégios”, explica Fernanda.
De acordo com a especialista, não é o último episódio de violência que motiva a vítima a denunciar o agressor. Mas sim o medo de feminicídio, a intensidade da agressão física, o desrespeito; o filho ou filha da mulher, o apoio familiar e as humilhações. Assim como muitas também denunciar como uma forma de advertir o agressor, ou por experiência de outros relacionamentos agressivos e a vontade de ser independente.
Para o estudo, Fernanda entrevistou 15 mulheres, na faixa etária entre 18 a 59 anos. Em comum, todas elas foram vítimas de violência física e haviam registrado ocorrência em uma delegacia policial, onde foram encaminhadas para realizar o exame de corpo de delito na Sala Lilás do Instituto Médico Legal (IML), no centro da cidade do Rio de Janeiro. A Sala Lilás é um projeto que envolve a justiça, a segurança pública e a saúde do estado e do município do Rio. Ela foi criada para proporcionar um atendimento mais humanizado e qualificado às mulheres vítimas de violência.
De acordo com dados do Dossiê Mulher 2021, no estado, ocorreram 98.681 casos de violência contra mulheres em 2020. Desses total, um terço delas – 34,7% – aconteceram apenas na capital fluminense.
Uma questão interseccional
A pesquisa também mapeou o perfil sociodemográfico das entrevistadas, indicando predominância de mulheres cisgênero, negras, heterossexuais, casadas/união estável, com mais de dez anos de estudos, com rendimento de até 1 salário mínimo, com faixa etária entre 20 e 39 anos, religião cristã, residentes em área formal e em moradia alugada. “Pode-se dizer que o grupo entre 20 e 29 anos, especialmente, é mais suscetível a sofrer violência física. Esta faixa etária está em plena idade reprodutiva e economicamente ativa. As agressões sofridas são graves e impossibilitam o exercício de suas atividades laborais. Elas necessitam de cuidados de saúde e afastamento de atividades”, observa a pesquisadora.
Todas as mulheres entrevistadas também informaram a reincidência dos atos violentos durante o seu relacionamento com o agressor, com destaque às mulheres negras. A análise de Fernanda é que essa população “suporta situações de opressão de forma interseccional”. De acordo com ela, são “agregadas as violências decorrentes de preconceitos raciais, de classe e orientação sexual”.
Por conta disso, a especialista garante que as políticas públicas “necessitam intervir de forma transversal e intersetorial, atingindo as ações desenvolvidas nas políticas de saúde, educação, trabalho e renda, cultura, assistência social, segurança pública, justiça, entre outras, para atuar na desconstrução da cultura machista e patriarcal que gera desigualdades de gênero e social. Como também, contribuir na integralidade das ações de assistência a mulheres em situação de violência”, destaca.
Papel da arte
Desde 2007, o Brasil conta com uma Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Mas a especialista adverte é que preciso pensar estratégias para enfrentar esse problema também do ponto de vista social, além de promover práticas para melhorar a qualidade do atendimento.
Aliado a isso, há iniciativas organizadas também pela sociedade civil, como a da trabalhadora rural Kenny Silva, de 45 anos, que utiliza da poesia para denunciar a violência de gênero e combater preconceitos enraizados na oralidade. Moradora do município de Xinguara, no Pará, Kenny destaca em suas produções temas como o da violência contra a mulher que atravessa a vida da população rural. Uma região em que, segundo ela, é mais comum que as agressões sejam mascaradas ou até mesmo não denunciadas.
“A gente tem casos de violência não só física, mas psicológica, moral e até financeira”, explica a poetisa à agência de notícias Ceub – projeto de extensão do curso de Jornalismo do Centro de Ensino Unificado de Brasília. A ideia, contudo, é usar os versos para expressar não apenas a dor, mas a importância da mulher não se calar quando for violentada. “Eu tenho feito da minha poesia o meu lugar de fala para não deixar que essa violência seja silenciadora. A gente como mulher, todos os dias temos que ser acima do padrão que nos é imposto. Todos os dias a gente é desafiada a manter um padrão de excelência que nos é cobrado socialmente”, critica Kenny.
25N e “Las Mariposas”
Numa entrevista ao Brasil de Fato, a integrante do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) Adriana Mezadri também destacou que nos últimos quatro anos, por conta do governo de Jair Bolsonaro (PL), o conservadorismo e o machismo foram legitimados institucionalmente. Com a sua derrota, garantida principalmente pela população feminina, ela defende que o atual desafio é “construir formas coletivas de combate à violência”. “Se uma mulher é violentada, eu também sou violentada”, afere.
Em mais de 160 países também começa nesta sexta a campanha “21 Dias de Ativismo pelo fim da Violência contra a Mulher”. Este dia 25 de novembro, contudo, também homenageia as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, brutalmente assassinadas, em 1960, por ordem de Rafael Trujillo, sanguinário ditador da República Dominicana (1930-1961).
As irmãs Mirabal, que ficaram conhecidas como “Las Mariposas”, foram militantes contra a ditadura, durante a década de 1950, em que defendiam a liberdade, a democracia e os direitos humanos em seu país. O assassinato delas, em 25 de novembro de 1960, causou grande comoção na população e ajudou, um ano depois, a desestruturar o regime. Desde então, “Las Mariposas” são símbolo de luta, resistência contra o fascismo e a brutalidade masculina estrutural e institucional contra as mulheres em todo mundo.
Elas simbolizaram a luta pelo fim da violência contra as mulheres já 1981, no 1º Encontro Feminista da América Latina e do Caribe, realizado em Bogotá, na Colômbia. Em 1999, a história delas também foi reconhecida pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que incorporou a data internacional, celebrada hoje.
Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima