A Biblioteca Nacional de Brasília (BNB) registrou em 2024 um salto no número de cadastros de novos usuários no sistema de empréstimos de livros e também um crescimento expressivo no total de obras levadas para casa. Comparado a 2023, o ano passado anotou 3.130 novos cadastros (aumento de 79%) e 23.062 empréstimos (incremento de 66%). Hoje há 14.759 usuários aptos e pegar gratuitamente as obras do acervo. As mulheres são 54% deles, os homens, 46%. O interesse comum é literatura, com forte presença de gibis e mangás entre os segmentos mais jovens – de crianças até a faixa de 44 anos -, abarcando a presença de ciências, história e direito nas camadas seguintes.

 

Os números da BNB tornam-se ainda mais significativos quando se leva em conta que a 6ª Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, da Fundação Itaú/IPEC, divulgada em novembro passado, aponta que os não-leitores passaram o número de leitores no país (53% x 47%) em 2024. Há cinco anos, na edição anterior do mesmo levantamento, a proporção era mais animadora: 52% dos brasileiros e brasileiras liam, enquanto 48% não tinham esse hábito. No Distrito Federal, na comparação entre as duas pesquisas (2024 x 2019), os leitores continuaram em percentual maior que os não-leitores (52%).

 

“Acredito que isso reflita a força das políticas de estado de incentivo à leitura, escrita e oralidade que temos no DF, com a BNB, como maior biblioteca pública, buscando atualizar e aumentar seu acervo e a gama de serviços em resposta às demandas da sociedade e ajudando ainda, no mesmo sentido, a atuação da rede de 24 bibliotecas nas regiões administrativas com apoio técnico”, afirma a diretora Marmenha Rosário. Na quarta-feira (12/2), ela recebeu um grupo de representantes da Editora Islâmica Arresala que doou livros sobre a história e a cultura Islâmica, numa aproximação que pode desaguar em curso gratuito de árabe, a exemplo do recém-lançado curso de mandarim, uma iniciativa com a representação diplomática da China e o Instituto Confúcio.

 

Bem-estruturada

 

A professora da Universidade de Brasília (UnB) Kelley Cristine Goncalves Dias Gasque, onde fez mestrado e doutorado em Ciência da Informação, também pós-doutora em Psicologia Cognitiva pela Universidade de Lisboa, levanta hipóteses para explicar o sucesso da BNB: “Uma biblioteca bem-estruturada, com acervo atualizado, informatizado, com uma boa oferta de produtos e serviços de qualidade e em consonância com as necessidades da comunidade, tem o potencial de formar leitores. É o caso da Biblioteca Nacional de Brasília, cuja gama de serviços desperta e cria essas necessidades nos usuários”.

 

“Hoje a gente sabe que as bibliotecas públicas são esses espaços de aprendizagem, de incentivo à leitura, de valorização da cultura, de inclusão social e digital. São espaços também de troca de experiências, espaços de acolhimento”, complementa ela, que atua em letramento informacional, comunicação científica, comportamento informacional (estudos de usuários), aprendizagem, leitura, formação de professores, formação de bibliotecários e de bibliotecas escolares.

 

Ela lembra que, no Brasil, os livros são muito caros. “Na biblioteca pública, é possível fazer empréstimos de forma gratuita. A gente vê hoje que as pessoas têm lido obras impressas, não apenas digitais. Por meio de relatos de alunos, eu tenho percebido que as pessoas têm se encantado muito com a editoração do livro, com suas cores, brilhos, tipografias e capas. Isso também chama a atenção dos leitores para a obra impressa e pode explicar o maior interesse pelas bibliotecas”.

 

Outro fator apontado por Kelley é a questão da atenção, da concentração: “diferentemente de quando a gente acessa o texto na internet nos computadores e celulares, nos quais há muitos estímulos, e a gente faz uma leitura muito fragmentada, quando você tem uma obra impressa é possível fazer uma leitura mais aprofundada, sem muitas interrupções externas. A obra impressa não requer acesso à rede, não precisa de energia, nem carregar bateria, não quebra. Isso tem ajudado a formar leitores e a valorizar a cultura do livro”.

 

Bacharel em Biblioteconomia pela UnB, também mestre e doutora por lá em Ciência da Informação, departamento de que é professora, Michelli Pereira da Costa acredita que a BNB pratica uma visão atualizada de biblioteca pública. “Da minha perspectiva, esse é o ponto central pra gente entender o sucesso dessa biblioteca”. Ela elabora um pouco: “o crescimento que a BNB tem observado na circulação do acervo está relacionado com o entendimento de que a biblioteca é muito mais do que um espaço de acervo; ela é espaço de serviço”.

 

Direitos

 

Coordenadora dos projetos de extensão da UnB “Comunica Mulher: serviço de informação para o enfrentamento da violência contra as mulheres”, “Biblioteca Popular Catando Palavras” e da pesquisa “Acervo Digital Memorial Paulo Freire: trajetória de luta dos movimentos sociais e populares pela Educação de Jovens, Adultos e Idosos trabalhadores (EJA)”, Michelli defende um perfil de biblioteca que propicie espaço de encontro das necessidades de informação dos seus usuários com as ideias de tempos pregressos. “Eu gosto sempre de enfatizar que, quando a gente está falando de biblioteca, a gente não está falando de livros, a gente está falando sobre pessoas, sobre pessoas que escreveram essas ideias ou inscreveram essas ideias em outros suportes e que vão se encontrar com pessoas”, frisa ela.

 

Ela prossegue em seu argumento: “ter uma biblioteca é organizar e preservar o pensamento humano, mas também promover o encontro das pessoas dentro de uma comunidade. E eu acho que a Biblioteca Nacional de Brasília, além de ter bons acervos organizados, também promove serviços de qualidade para a sua comunidade”.

 

Michelli defende que as bibliotecas públicas sejam uma forma de garantir o direito à informação e também a outros direitos correlacionados: “quando a gente entende a biblioteca como a realização de direitos, isso não se limita à oferta de acesso a um acervo organizado, mas a espaço e serviços para atender a diferentes demandas, a diferentes necessidades da comunidade que a circunda”.

 

“Durante muito tempo, as bibliotecas serviam a grupos privilegiados, aos detentores de poder, para manutenção ou para ampliação desses poderes. A biblioteca pública tem compromisso social, a responsabilidade de promover diferentes formas de acesso e de possibilidades de socializar esses acervos que constituem a memória da humanidade, que registram os grandes feitos, as grandes ideias, as problemáticas não só das ciências, das literaturas, mas também das artes, das filosofias, enfim, todo esse complexo que são as grandes realizações humanas. Nesse sentido eu avalio que a Biblioteca Nacional de Brasília tem um entendimento bastante relevante sobre a sua função na comunidade”, finaliza.

Fonte: SECEC