Pesquisa da Sociedade Brasileira de Reumatologia revelou que 32% dos pacientes com doença reumática no país não tiveram contato com especialistas durante o período da pandemia, seja porque não buscaram ou porque não conseguiram. O levantamento foi realizado em parceria com a Sociedade Paulista de Reumatologia e ouviu, de forma virtual,1.793 pacientes em junho de 2020.
O médico Marcelo Pinheiro, presidente da Sociedade Paulista de Reumatologia e coordenador da pesquisa, alertou para a necessidade de que os pacientes busquem atendimento com reumatologistas, se houver necessidade, mesmo no contexto da pandemia, porque é importante que seja feito o diagnóstico e que se inicie o tratamento.
“Não se pode ficar esperando [para procurar atendimento médico], que a pandemia não está passando e a doença reumática continua. Então, o pior cenário seria doença reumática em atividade, ou seja, não controlada, e a infecção [por covid-19]”, disse o médico. Segundo ele, com a demora para procurar tratamento, há “risco alto de a doença piorar, entrar em atividade e ser mais difícil de controlar. Não é para esperar a pandemia passar, é para fazer o tratamento”.
Casos
Foi o que fez Andressa Rafaela de Souza, 27 anos, diagnosticada com artrite reumatoide. Ela procurou atendimento quando já havia começado a pandemia e atualmente está em tratamento. Andressa contou que, de junho a dezembro do ano passado, estava sendo tratada de um diagnóstico errado, o que acabou agravando a doença.
Durante a pandemia, Andressa ainda não tinha um diagnóstico exato de qual doença autoimune se tratava e começou uma fase de testes de tratamento. Como seu organismo não estava reagindo bem, ela procurou novamente um especialista. “Tive duas crises de dores crônicas em toda as articulações do corpo, não dormia direito, mal levantava da cama. E detalhe: eu passei essa fase sozinha. Eu moro sozinha na capital [Campo Grande] e meus pais no interior. Em maio, resolvi procurar um novo médico a fim de saber com precisão o que realmente estava acontecendo”.
Foi então que ela recebeu o diagnóstico exato e, naquele momento, a doença estava em um estado crônico ao ponto de Andressa ter erosão óssea nos dedos das mãos. Ela contou que foi difícil encontrar um especialista para atendê-la por causa da pandemia e da demanda de pacientes.
“Mas um dia eu consegui [a consulta] e me lembro como hoje que foi o dia da salvação. Na consulta, o médico me ouviu, olhou os exames, deu o diagnóstico, me falou sobre a doença, sobre o tratamento. Foi o alívio que eu precisava, e a partir do momento em que comecei a tomar a medicação biológica, as dores foram aliviando”, contou.
Antes do diagnóstico, além das crises, ele teve início de depressão. Depois da descoberta da doença, Andressa teve medo quando começou o tratamento com injeção biológica, pelo fato de a imunidade baixar e deixar o organismo suscetível a qualquer infecção. No entanto, ela revela que hoje está mais tranquila em relação ao tratamento e já voltando à rotina. “Ontem passei pela consulta, e o meu médico já me liberou para o trabalho, mas me lembrou do cuidado que é preciso ter ter. Desde junho de 2019 estou afastada do trabalho.”
“Confesso que foi um susto receber o diagnóstico, porque nunca imaginei que teria esse tipo de doença pois, como a maioria das pessoas, eu achava que só pessoas idosas poderiam ter. Com o tempo, fui obtendo mais informações sobre as doenças autoimunes e mais ainda sobre artrite reumatoide”, disse Andressa, acrescentando que tem o apoio de amigos que também têm algum tipo de doença autoimune, como lúpus e Chron.
Alerta
O médico Marcelo Pinheiro pede que os pacientes não entrem em pânico ao relacionar o tratamento da doença reumática com a covid-19. “Eles são grupo de risco porque têm uma comorbidade, mas não tão grave quanto a gente esperava no início da pandemia. Hoje, a gente tem liberado os pacientes para manterem a medicação e voltar ao trabalho”.
Do total de entrevistados, 88% são mulheres. Considerando o total da amostra, 3% relataram que contraíram a covid-19, sendo o maior grupo formado por portadores de artrite psoriática (7,46%) e o menor com lúpus (1,48%).
Espera por atendimento
A falta de contato com um especialista não depende só da procura pelo paciente. Luciane dos Santos, 46 anos, descobriu, há dois anos e meio, que tem uma doença reumática chamada espondilite anquilosante e, apesar de sofrer com muitas dores, está desde agosto do ano passado na fila do sistema público de saúde do Rio de Janeiro esperando uma consulta com reumatologista.
A última consulta com especialista foi em fevereiro deste ano, no entanto, era um médico particular, pelo qual ela teve que pagar mesmo estando desempregada. Os sintomas e a dificuldade para conseguir acompanhamento médico já desencadearam outros prejuízos de saúde, para os quais toma medicação psiquiátrica.
No ano passado, Luciane foi demitida do emprego de arrumadeira do hotel e perdeu o convênio. Apesar de tomar remédios indicados pelo reumatologista em fevereiro, ela sente muitas dores. As únicas consultas que consegue é com um ortopedista, conhecido na época em que tinha convênio, que aceitou atendê-la gratuitamente.
Ela contou que já perdeu cerca de 90% das articulações sacroilíacas, que os ombros estão prejudicados ao ponto de não conseguir colocar sutiã nem coçar as costas e teve infarto ósseo no fêmur. “Pode estar muito calor que só tomo banho bem quente para aliviar a dor. Fora a dor insuportável, não desejo a ninguém o descaso que nós, pacientes crônicos, temos. Eu entrei em contato com o INSS, não tem vaga em agência para perícia e, pela internet, estou desde agosto esperando o perito avaliar meus laudos.”
Atendimento remoto
Apesar das dificuldades impostas pela pandemia, 68% dos pacientes tiveram suporte médico, sendo 30% por telefone, 24% por consulta presencial e 14% pelas redes sociais. Os dados sugerem que a atividade da doença, em geral, não foi prejudicada pela pandemia: 63% dos pacientes disseram que os sintomas não se alteraram e 8% que melhoraram. A piora dos sintomas ocorreu para 29% dos entrevistados.
O médico Marcelo Pinheiro avalia que o atendimento remoto auxiliou muito durante a pandemia. Segundo ele, houve contato entre médicos e pacientes, além dos contatos feitos pelos pacientes com as sociedades de reumatologia, tanto a brasileira quanto a paulista.
“Observamos que boa parte dos pacientes procurou em mídias sociais porque perdeu o contato com seus médicos, mas conseguiu auxílio com o programa de ajuda de pacientes. E outros, mesmo com a piora [dos sintomas], não conseguiram contato com o médico, mas acabaram tendo ajuda pelas mídias sociais dos próprios médicos da sociedade e até com grupos de apoio”, disse.
Do total de entrevistados, 17% pararam de tomar pelo menos um medicamento, dos quais 35% por conta própria, 37% por orientação médica e o restante não houve especificação. Segundo o estudo, o motivo alegado para a suspensão por conta própria está relacionado ao medo e risco de desfecho desfavorável.
O médico afirmou que a recomendação é para que aqueles que já estejam em tratamento mantenham a medicação. “É uma recomendação super importante, porque os pacientes, como não conseguiam falar com os médicos, abandonaram os tratamentos. O que aconteceu? A doença piorou.”
Fonte: Agência Brasil