O Supremo Tribunal Federal pode restringir na quarta-feira (2/5) o alcance do foro privilegiado de autoridades para crimes cometidos durante o mandato e em função do cargo. Mas, além de terminar com o chamado elevador processual, o desfecho desse julgamento tem potencial para provocar uma nova discussão na Corte: em qual momento ocorrerá a prisão de políticos com mandato?
Segundo juristas, com o envio de inquéritos contra parlamentares para tribunais de primeiro grau, uma lacuna que precisará ser enfrentada é sobre o início da execução da pena, se só será decretado pelo Supremo ou por instâncias inferiores.
Pelo atual entendimento do Supremo, se condenado no primeiro grau, executa depois de confirmada a sentença na segunda instância. Se condenado no STF, executa depois da decisão de recursos cabíveis e ainda há entendimentos não pacificados na turmas da Corte. O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, já entendeu que o mandato não impede a prisão após segundo grau.
Os ministros do STF discutem a restrição do alcance do foro privilegiado deixando nos tribunais crimes cometidos durante o mandato e em função dele. A tese foi apresentada pelo ministro Luís Roberto Barroso, em uma questão de ordem na ação penal 937.
Além de Barroso, sete ministros já votaram a favor de fixar um critério mais restritivo do foro (Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de Mello). Até agora, Alexandre de Moraes tem um voto parcialmente divergente dos colegas. Ele defende uma restrição do foro privilegiado a crimes cometidos durante o mandato, mas valendo para todos os tipos de delitos e não só os cometidos em função do cargo.
Ainda faltam os votos dos ministros Dias Toffoli, que pediu vista, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. A expectativa é de que Toffoli acompanhe a restrição, mas apresente um voto com mais critérios para o envio das apurações para instâncias inferiores. Ministros não descartam a possibilidade de um novo pedido de vista.
Em seu voto, Roberto Barroso não avançou sobre a questão da prisão. A Constituição estabelece, em seu artigo 53, que os parlamentares desde a diplomação “não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável” e, mesmo nesta hipótese, caberá à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal “resolver” sobre a manutenção ou não da prisão do parlamentar (art. 53, § 2º).
O advogado Luís Henrique Machado, que defende o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), entre outros investigados da Lava Jato, acredita que será possível a prisão de parlamentar por condenação em segunda instância após as mudanças nas regras do foro, mas ressalta que este debate ainda deverá ser enfrentado no plenário do STF.
Mestre em Processo Penal pela Universidade Humboldt de Berlim e doutorando na mesma instituição, criminalista destaca que as normas para prisão provisória de parlamentar federal, que só pode acontecer em casos em que haja flagrante delito de crime inafiançável, seguem as mesmas, mas pondera: “Todavia, no caso de execução provisória da pena, por se tratar de prisão de mérito, ela poderia, em tese, ser executada”.
Machado lembra que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a prisão em segunda instância não comporta exceções e, portanto, também vale para parlamentares. “Esse foi o entendimento da 3ª Seção Tribunal, por exemplo, ao rejeitar recurso de um dado deputado, presidente da Assembleia Legislativa de Roraima. Naquela oportunidade, os ministros definiram a tese de que a imunidade parlamentar prevista no parágrafo 2º do artigo 53 da Constituição Federal não se aplica em casos de condenação de mérito”, afirmou.
O advogado ressalta, no entanto, “que cabe ao plenário do Supremo decidir definitivamente a controvérsia que ainda encontra-se em aberto”.
Machado se refere ao caso do presidente da Assembleia Legislativa de Roraima, deputado Jalser Renier Padilha (Solidariedade), condenado em 2010 por envolvimento no chamado “Escândalo dos Gafanhotos”.
O parlamentar foi condenado em 2010 à pena de seis anos e oito meses de reclusão, em regime semiaberto, pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), pelo crime de peculato. Segundo o MPF, o então governador (1998-2002) Neudo Campos distribuía cotas de recursos federais a seus afilhados políticos, entre eles conselheiros do Tribunal de Contas estadual, parlamentares e outros políticos de influência na região.
Renan é o político com maior número de inquéritos da Lava Jato no Supremo. Segundo o criminalista, todos processos de seu cliente “obedecem as regras propostas por Barroso” e todos ficam no STF.
Supremo
A principal questão sobre a prisão de parlamentares envolve o debate sobre a independência de Poderes, se para prender precisa esperar a Casa Legislativa deliberar ou se se adota a tese de que, se o tempo de mandato for menor que o de pena, se há perda automática. A 1ª Turma já aplicou essa tese levantada pelo ministro Luís Roberto Barroso.
A Câmara, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 511, contra entendimento da Primeira Turma da Corte que, no julgamento de ação penal contra o deputado Paulo Feijó (PP-RJ), decretou a perda de seu mandato e determinou a comunicação da medida à Casa Legislativa. Segundo a ADPF, a decisão do colegiado suprime prerrogativa institucional do Legislativo, violando preceitos fundamentais como os princípios da separação de Poderes e da segurança jurídica.
Feijó foi condenado pela Primeira Turma, na Ação Penal (AP) 694, à pena de 12 anos, 6 meses e 6 dias de reclusão, em regime inicial fechado, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O colegiado decretou ainda a perda de seu mandato e determinou a comunicação da decisão à Câmara dos Deputados na forma do artigo 55, parágrafo 3º, da Constituição Federal, que trata dos casos em que a perda do mandato será declarada pela Mesa da Casa.
Na ação, a Mesa da Câmara explica que o entendimento adotado pela Primeira Turma levou em conta que a condenação impôs o cumprimento inicial da pena em regime fechado, em que não há possibilidade de trabalho externo, situação que, na prática, inviabiliza o exercício das funções legislativas. A decretação da perda de mandato seria, assim, parte integrante da condenação criminal, restando à Mesa apenas declará-la. “O argumento endossado pela Primeira Turma confunde exercício e titularidade do mandato parlamentar”, sustenta o órgão. “A imposição de pena privativa de liberdade impossibilita, a princípio, o exercício do mandato, mas a decisão sobre a sua titularidade deve permanecer com a casa a que pertencer o parlamentar condenado”.
Segundo a ADPF, a regra constitucional prevista no artigo 55, inciso VI, parágrafo 2º, da Constituição indica que a perda do mandato parlamentar em decorrência de condenação criminal transitada em julgado depende de formulação de representação contra o condenado, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, e do processamento da representação perante a Casa, assegurada a ampla defesa, com a procedência do requerimento pelo plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado, por maioria absoluta.
A Câmara sustenta ainda que, no caso de afastamento por prazo indeterminado ou maior do que o prazo legal de 120 dias, o parlamentar deve ser considerado afastado e deverá ser convocado o suplente em caráter de substituição, entendimento adotado em relação ao então deputado Natan Donadon.