Faltando pouco mais de três meses para o início da Copa do Mundo da Rússia, o Brasil ainda tenta sair debaixo dos escombros deixados pelo último Mundial, sediado pelo país há quatro anos. Se por um lado novos estádios foram erguidos e várias obras de infraestrutura tiveram andamento nas 12 capitais brasileiras que receberam a competição, por outro, denúncias de corrupção nas construções ainda atordoam a sociedade e assolaram as pretensões de figuras de renome da política nacional.

A cada nova operação da Polícia Federal (PF), nomes importantes de diferentes partidos se viram envolvidos na avalanche de escândalos. Atualmente, pelo menos 14 políticos estão na lista de citados ou são investigados por suposto recebimento de propina ou favorecimento de empreiteiras durante as obras das novas arenas brasileiras. Com isso, praticamente todos enterraram suas carreiras políticas ou terão dificuldades para se elegerem, neste ano eleitoral, aos cargos públicos que almejavam quando se envolveram na euforia dos preparativos da Copa no Brasil.

No início desta semana, por exemplo, a PF indiciou o ex-governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), depois da Operação Cartão Vermelho. O político é suspeito de ter recebido R$ 82 milhões em propina do consórcio responsável pelas obras da Arena Fonte Nova, em Salvador. As investigações mostram que a obra, comandada pela Odebrecht e a OAS, foi superfaturada em mais de R$ 450 milhões, em valores atuais.

O ex-ministro dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, cotado para ser o candidato à Presidência da República pelo partido neste ano se o ex-presidente for impedido de concorrer, agora tem de lidar com o peso das denúncias que diminuem ainda mais seus planos políticos. A PF chegou a pedir a prisão de Wagner, o que foi negado pela Justiça. Procurado pelo Metrópoles, ele relacionou a operação ao fato de seu nome ser cogitado como plano B para disputar o Palácio do Planalto pelo Partido dos Trabalhadores.

No entanto, Jaques Wagner e o estádio baiano não são os únicos alvos da Justiça. Pelo contrário. Das 12 arenas da Copa 2014, 10 tiveram alguma suspeita ou comprovação de superfaturamento, caixa 2 ou pagamento de propina, com a suposta participação de políticos de renome nacional. Apenas os estádios Beira-Rio (RS) e a Arena da Baixada (PR), que são particulares e não vinculados ao Poder Público, estão fora da lista que mistura referências partidárias e interesses particulares, cimentados por relações espúrias.

 

Três sob os escombros do Mané
O Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, por exemplo, foi um dos responsáveis pela interrupção dos planos de três figurões da cena política da capital da República. Localizado na zona central de Brasília, a arena está no epicentro da Operação Panatenaico – o apelido é uma referência ao Stadium Panatenaico, sede dos torneios de mesmo nome, realizados na Grécia Antiga, que precederam os Jogos Olímpicos. O superfaturamento total do monumento brasiliense seria de R$ 559 milhões, segundo apurações da PF, amparadas em auditorias de órgãos de controle externo.

Os ex-governadores José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT), bem como o ex-vice-governador Tadeu Filippelli (MDB), foram presos durante a operação, passaram oito dias encarcerados e viraram réus da ação penal decorrente da Panatenaico. São acusados de peculato, corrupção passiva e ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Os três negam participação em esquema de desfalque na construção da arena e de terem recebido propina das empreiteiras responsáveis pelo empreendimento – Via Engenharia e Andrade Gutierrez – para abastecer, principalmente, os cofres de campanhas eleitorais (suas e de aliados).

Apesar de compartilharem da vergonha pública e do desgaste de suas prisões, Agnelo e Arruda já estão inelegíveis por outros casos. A Panatenaico, no entanto, teve custo político maior ao presidente do MDB-DF. Assessor especial do presidente Michel Temer (MDB) à época em que a operação foi deflagrada, Filippelli perdeu o cargo público. E o mais grave: ele, que sempre almejou ser o nº 1 do Palácio do Buriti (sede do Executivo local), terá que se contentar com uma candidatura majoritária. Deve entrar na corrida a deputado federal em outubro.

Procurada, a defesa do ex-governador Filippelli não quis comentar a reportagem. Já o advogado de Arruda voltou a nega qualquer envolvimento do ex-governador em suposta irregularidade. Paulo Guimarães, advogado que representa Agnelo Queiroz,  disse que o ex-governador nega, enfaticamente, o recebimento de qualquer quantia, vantagem ou benefício em razão de atividade ou ato administrativo no GDF.


Sentença centenária

A revitalização do estádio mais famoso do país, o Maracanã, é um dos motivos que levaram o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB) à cadeia no início de 2017. Delatores são unânimes em apontar o envolvimento do político no propinoduto abastecido pela arena. Só divergem ao apontar a quantia exata que o emedebista teria recebido das construtoras responsáveis pela obra: a maioria diz que foram R$ 4 milhões, enquanto o ex-presidente da Odebrecht, Benedito Barbosa Junior, afirma terem sido R$ 6,3 milhões em pagamentos ilícitos. Procurada, a defesa de Cabral não quis comentar o caso. Ele segue atrás das grades e nesta sexta-feira (2/3) foi condenado pela quinta vez em ações relacionadas à Operação Lava Jato: a soma das penas já chega a 100 anos.

Já o atual governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT) teria recebido propina no valor de R$ 30 milhões referentes ao estádio Mineirão. Fontes ouvidas pelo Metrópoles afirmaram que as denúncias de corrupção desgastaram tanto a carreira do político que ele estaria cogitando desistir de tentar a reeleição. Temendo, ainda, perder o foro privilegiado, Pimentel pensa em lançar-se senador, já que pesquisas apontam ser mais fácil uma vitória para este cargo. Procurada, a comunicação do governo de Minas não respondeu aos questionamentos da reportagem.


Escândalo nas dunas de Natal
A reforma da Arena das Dunas, estádio da capital do Rio Grande do Norte, colaborou e muito para as derrocadas do ex-ministro Henrique Eduardo Alves e do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, ambos do MDB. A Operação Manus apontou sobrepreço de R$ 77 milhões no empreendimento e indicou que os dois políticos teriam recebido propina como doação oficial em troca de favorecimento às empreiteiras responsáveis pela obra. Eduardo Cunha já está preso acusado de outros crimes e foi denunciado pelo Ministério Público neste caso. Henrique Eduardo Alves conseguiu, na Justiça, converter a prisão preventiva em domiciliar, mas como é réu em processo da Operação Sépsis, permanece detido preventivamente.

A defesa de Eduardo Cunha afirmou que as acusações “são absolutamente absurdas e desprovidas de qualquer lógica”. Por meio de nota, os advogados de Alves também rechaçaram as denúncias. “Todas as 22 testemunhas de acusação inocentaram o Henrique, não fazendo sentido que ele permaneça preso. É preciso que a imprensa livre acompanhe todos os atos deste processo e divulgue para a população brasileira o que está acontecendo, para que se reflita sobre os danos que o ‘punitivismo’ exacerbado tem causado em parte da Justiça brasileira e o risco de que isso venha a atingir o cidadão comum”, registraram no texto.

A arena de Natal foi tocada pela OAS, cujos ex-executivos relataram, em delação, o pagamento de propina também ao senador Agripino Maia (DEM-RN), para que ele ajudasse na liberação de recursos junto ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Tenho certeza de que as investigações vão terminar pela conclusão óbvia: que força teria eu, líder de Oposição na época, para liberar dinheiro do BNDES, cidadela impenetrável do PT?”, defendeu-se, ao ser procurado pelo Metrópoles.

 

Prejuízo e confissão
Em 2015, a PF deflagrou a Operação Fair Play para apurar irregularidades na construção da Arena Pernambuco. Orçada em quase R$ 800 milhões, a obra – realizada durante a gestão do ex-governador Eduardo Campos (PSB), morto em agosto de 2014 – teria sofrido superfaturamento de mais de R$ 40 milhões ao longo de sua execução.

Dois anos depois da Fair Play entrar em campo, o ex-governador do Mato Grosso pelo MDB, Silval Barbosa, surpreendeu ao confessar ter recebido 3% do valor total da Arena Pantanal em propina. Mas, “longe de um sincericídio”, o mea culpa se deu porque ele firmou acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal. Ainda assim, é caso raro de político que admitiu participação em desvio de recursos de uma arena da Copa 2014.

A Arena Pantanal foi inicialmente orçada em R$ 342 milhões, mas aditivos levaram seus custos a superar R$ 500 milhões. A suspeita é que agentes públicos tenham sido corrompidos com dois objetivos: favorecer a construtora  Mendes Júnior que venceu a licitação internacional das obras e viabilizar financiamento do BNDES ao empreendimento.

 

Controle de danos
Entre os 10 estádios que entraram na mira da Polícia Federal, talvez o Itaquerão, em São Paulo, tenha sido o menos prejudicial às imagens de políticos a ele ligados. Mesmo assim, os deputados federais petistas Andres Sanches – presidente do Corinthians à época e até hoje – e Vicente Cândido ainda precisam lidar com as denúncias que pesam sobre eles. Ambos são investigados em inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF).

Sanches é acusado de ter recebido R$ 500 mil em caixa 2 para se eleger, em 2014, à Câmara dos Deputados. Já Cândido teria levado R$ 50 mil para ajudar na operação de financiamento da arena. A assessoria de Sanches afirmou que ele não recebeu nenhum dinheiro ilícito, já a de Cândido não quis se manifestar.

 

Também há investigações sobre os supostos superfaturamento do Castelão (Fortaleza/CE) e da Arena Amazônia (Manaus/AM), mas, por enquanto, não há nome de políticos envolvidos nas apurações.

 

Do sonho ao pesadelo
Para a cúpula do governo federal que comandou o sonho da segunda Copa do Mundo realizada no país do futebol, o Mundial não foi menos traumático. Os ex-presidentes Lula e Dilma também viram seus nomes envolvidos em escândalos. Sob ele, pesa a denúncia de ter “ganhado de presente” o Itaquerão (também chamado Arena Corinthians, seu time de futebol).

A Odebrecht teria construído a arena em retribuição a ajuda dada por Lula à empresa, durante seus dois mandados. O petista teria ainda incentivado as negociatas que se instalaram para viabilizar – a todo custo – os novos estádios e empreendimentos de infraestrutura pelo país. Já Dilma comandou o torneio, liberou empréstimo para a conclusão das obras e foi acusada de ter sua campanha de reeleição abastecida, via caixa 2, por empreiteiras envolvidas na realização do Mundial. Foi o início do desgaste que culminou com seu impeachment.

Ex-ministro do Esporte, Aldo Rebelo (PSB) não foi acusado de corrupção, mas acabou pagando o pato. Em 2013, atendeu pedido da então presidente Dilma e abriu mão de tentar uma reeleição tranquila à Câmara dos Deputados, para poder supervisionar a Copa. Acabou sem mandato, sem emprego pós-impeachment e, depois de trocar 40 anos de militância no PCdoB por um recomeço no PSB, em setembro de 2017, corre o risco de não conseguir se viabilizar pré-candidato à Presidência da República pela nova sigla. Os socialistas não definiram candidato e têm pendido pelo nome do ex-presidente do STF Joaquim Barbosa. Para Rebelo, o legado da Copa também parece estar mais para maldição.

Fonte: Metrópoles