Professor da escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) e um dos autores do Projeto de Lei 7.488/2017, Carlos Ari Sundfeld considera que no Brasil “cada promotor é uma república independente”. Em entrevista ao JOTA, Sundfeld elencou os principais pontos da proposta e rebateu as críticas que órgãos de controle fizeram ao projeto.

O PL, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), altera a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), responsável por controlar a aplicação de normas jurídicas do país, foi sancionado com vetos nesta quinta-feira (26/04).

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Nos últimos dias, o projeto recebeu duras críticas de associações de magistrados, auditores e membros do Ministério Público por, supostamente, ser uma “oportunidade para a impunidade e a redução do espectro de responsabilidade do administrador público”, como indica um ofício enviado a Michel Temer e escrito por entidades que pedem veto integral da proposta.

Para o professor Carlos Ari Sundfeld, o PL 7.448/2017  “cria proteção para o bom gestor” contra atos de “sabotagem” que seriam praticados pela Justiça, Ministérios Públicos e Tribunal de Contas da União (TCU). “Há uma multiplicação de processos improcedentes e muitas ações de improbidade contra bons gestores que tomam decisões em casos difíceis”, afirmou.

Sobre as diversas críticas que o PL recebeu, Sundfeld acredita que elas são feitas de forma”um pouco corporativista”. Ele também defendeu que o projeto “deixa claro as características básicas de um bom gestor e fortalece o administrador honesto, que hoje está sendo controlado por parâmetros que desconsideram a realidade da gestão pública”.

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Confira os principais trechos da entrevista concedida ao JOTA.

Quais seriam os efeitos práticos da aprovação sem vetos do PL 7.448/2017?

Transformar em norma geral as melhores práticas, que já são adotadas pela administração pública e pelos órgãos de controle, em relação à produção ou à tomada de decisões na esfera pública. Não se espera revolução, mas que apenas sejam usadas boas práticas.

O Direito Público no Brasil é praticado de forma muito fragmentada. Temos a administração pública federal, estadual e municipal, todas com suas leis de processos administrativos. Entretanto, não temos uma lei nacional. O grande ganho é a possibilidade de a administração pública e de os bons gestores se protegerem contra sabotagens – que têm sido frequentes em órgãos de controles – contra a Administração Pública.

Um exemplo disso são os licenciamentos ambientais. Supostamente quem toma a decisão sobre o assunto é a autoridade ambiental. Entretanto, os interessados pressionam essas entidades. No Brasil, cada promotor público é uma república independente.

Cada um tem sua opinião diversa e acaba fazendo pressões contra as entidades ambientais. O resultado é que há uma sabotagem de políticas ambientais para realizar ações que os próprios promotores defendem. É preciso proteger a autoridade pública. A lei não tira a competência de ninguém, mas cria proteção para o bom gestor.

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Uma das críticas mais comuns ao PL é a de que ele limitaria a possibilidade de responsabilização de agentes que tenham cometido irregularidades. O senhor concorda com a afirmação?

Não limita possibilidade responsabilização. A proposta garante que o agente público tenha de responder pessoalmente por suas decisões quando existir dolo ou erros grosseiros em suas ações. A lei também diminuirá o número de processos abertos contra gestores que não cometeram infrações funcionais. A maioria dessas ações são consertadas ou anuladas.

Na esfera pública, isso se tornou comum. Há uma multiplicação de processos improcedentes, muitas ações de improbidade contra bons gestores que tomam decisões em casos difíceis. Como muitas vezes alguém não concorda com essas decisões difíceis, pedem a anulação. A questão é que o gestor não cometeu infração, somente realizou uma decisão polêmica e difícil. A lei deixa claro que não pode ser feita essa perseguição.

O artigo 28 do projeto também indica que será punido somente o gestor  que atua com dolo ou que comete erros grosseiros, com consequências graves à sociedade. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já prevê isso. Mesmo assim, ações ainda são propostas contra gestores responsáveis, que passam anos se defendendo e gastando dinheiro para, no final, ganhar o caso.

São processos injustos contra o gestor inocente, que muitas vezes comete um erro honesto. É algo natural da administração pública. Por que não processam promotores, juízes com sentenças modificadas e controladores? Mover ação contra gestor público de boa fé é contra a jurisprudência do STJ.

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Também há a colocação de que o PL poderia dificultar a atuação de órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União (TCU) e os Ministérios Públicos. Isso ocorrerá na prática?  

Não há dificuldade criada que não seja o exercício responsável de suas funções. Essa é uma dificuldade que os órgãos de controle precisam suportar. É inaceitável que o controlador julgue irregular decisão da administração pública sem justificar o ato de controle.

As reclamações não fazem sentido porque os bons controladores já justificam adequadamente os seus atos. Não é possível imaginar que o TCU ou um juiz considere normal julgar irregular a ação de um gestor sem examinar as circunstâncias envolvidas.

O dever do juiz, do Ministério Público e do TCU é aplicar o Direito. Para fazer isso, é necessária a justificativa das decisões. Isso não está em uma lei geral com essa clareza. O bom controlador não terá dificuldades. O mau controlador pode reclamar, pois será mais forte a exigência de respeito com os bons gestores.

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Por outro lado, os que são favoráveis à norma apontam que ela dá respaldo e maior segurança ao gestor público. Como o senhor vê essa colocação?

A norma reconhece as características do exercício de atividade do gestor. Temos uma lei da improbidade que serve para punir gestores, uma lei anticorrupção para punir empresas. Punir é importante, mas não há uma lei geral para chamar a atenção das circunstâncias fundamentais da gestão pública.

Coisas óbvias, como o dever do gestor de tomar decisões e verificar consequências, examinar alternativas. Quando a lei diz que fazer essas ações é normal, ela deixa claro as características básicas de um bom gestor e fortalece o administrador honesto, que hoje está sendo controlado por parâmetros que desconsideram a realidade da gestão pública.

Com a nova norma, há uma proteção contra a perseguição injusta, dando tranquilidade ao gestor honesto a tomar decisões difíceis.  Ou seja, a lei permite que o Judiciário não seja somente um instrumento de ataque, criando a possibilidade de a administração pública defender suas ações.

Tudo isso não é novidade, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, pode ser chamado para reconhecer a constitucionalidade de uma lei ou de um projeto. É o caso do racionamento de energia. Houve uma sabotagem judicial contra esse ato, com juízes dando liminares contra o plano de racionamento.

Foram interesses difusos com a intenção de evitar que o Brasil distribuísse de uma forma melhor a energia. O Governo Federal foi ao STF com uma ação para reconhecimento da validade da lei do racionamento. Assim, essa sabotagem contra o projeto acabou. O artigo 25 do projeto de lei permitirá esse tipo de ação.

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 Com a nova lei, há o risco de o mau gestor também ser defendido?

Impossível que a lei defenda a má gestão, pois ela indica de maneira clara que será punido aquele que age com dolo ou intenção de prejudicar a sociedade. Entretanto, distinguir o bom do mau gestor não é tarefa fácil e será dever dos órgãos controladores fazer essa ação. Não se pode diminuir o trabalho dos gestores.

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O senhor considera essas críticas um corporativismo?

É natural que tenham esse tipo de reação, um pouco de forma corporativista, para se defenderem. Assim, é como se dissessem para a população ficar tranquila, para confiarem nos órgãos controladores porque eles corrigem os seus próprios problemas. A comunidade acadêmica não acredita que esse autocontrole dos órgão seja suficiente. É preciso uma lei que consagre as melhores práticas de controle.

Fonte: JotaInfo