O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou uma ação civil pública pedindo a extinção da Fundação Renova, entidade criada para administrar todas as medidas de reparação associadas à tragédia de Mariana (MG). De acordo com a instituição, a entidade não tem atuado como agente da efetiva reparação humana, social e ambiental e se tornou um instrumento de limitação das responsabilidades da Samarco, da Vale e da BHP Billiton, mineradoras consideradas responsáveis pelo episódio.

A tragédia de Mariana ocorreu em novembro de 2015. Uma avalanche de 39 milhões de metros cúbicos de rejeito foi liberada após rompimento de uma barragem da mineradora Samarco, joint-venture da  Vale e BHP Billiton. Dezenove pessoas morreram e dezenas de municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo situados ao longo da Bacia do Rio Doce tiveram impactos socioambentais. 

A criação da Fundação Renova foi um desdobramento do termo de transação e ajustamento de conduta (TTAC) firmado em março de 2016 pelo governo federal, pelos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e pelas três mineradoras. A entidade ficou responsável por gerir os 42 programas pactuados.

O MPMG e o Ministério Público Federal foram contra esse acordo e moveram uma ação civil pública que estimou em R$155 bilhões os prejuízos causados. Posteriormente, eles assinaram com as mineradoras alguns acordos complementares que ampliaram o direito dos atingidos. As tratativas poderiam evoluir para a desistência da ação de R$155 bilhões, mas não houve consenso para uma composição final e isso não ocorreu.

Para o MPMG, há problemas de governança da entidade, traduzidos em desvio de finalidade e ineficiência. A instituição entende que, da forma como ela está estruturada, inexiste a independência prevista no TTAC e suas decisões são comandadas pelas três mineradoras. “É como se fosse autorizado que os acusados no processo penal e nos processos coletivos em geral pudessem decidir e gerir os direitos e as garantias fundamentais das suas próprias vítimas”, diz um trecho da ação ajuizada ontem (24). “Faltam resultados, falta reparação, falta boa vontade das empresas: falta empatia e humanidade para com as pessoas atingidas. Cinco anos depois, as duas maiores empresas de mineração em todo o mundo não conseguiram reconstruir um único distrito”, acrescenta a peça.

Na semana passada, o MPMG rejeitou as contas  da Fundação Renova, o que também foi elencado entre as razões para o pedido de extinção. Entre os motivos, foram listados altos salários, irregularidades contáveis e dificuldade de cumprir regras estatutárias como o envio de documentos no prazo para análise e aprovação. Outra crítica diz respeito aos gastos com propagandas nas emissoras de televisão, rádio e sites enaltecendo os resultados da reparação dos danos. Segundo o MPMG, foi celebrado contrato com uma agência de publicidade no valor de R$ 17,4 milhões e estão sendo propagadas informações inverídicas, com números e dados que contradizem relatórios produzidos por especialistas independentes.

Entenda o caso

Passados mais de cinco anos da tragédia, a Fundação Renova afirma que R$ 11,8 bilhões foram desembolsados até o momento. Desse total, R$ 1,52 bilhão diz respeito ao auxílio emergencial mensal e R$ 1,732 é referente a indenizações. Desse último valor, quase 30% foi repassado a partir de decisões judiciais que vem sendo publicadas desde julho do ano passado e que estabelecerem um novo sistema indenizatório, também alvo de ações  do MPMG. 

Para as obras de reconstrução das comunidades destruídas de Bento Rodrigues e Paracatu, a entidade prevê um investimento de R$1 bilhão em 2021, o que seria um aumento de 14% em relação ao ano anterior. O cronograma original das obras dos dois distritos previam suas entregas para 2018 e 2019, mas apenas algumas casos estão concluídas. Os atrasos geram descontentamento  entre os atingidos. Os novos prazos de entrega, segundo a Fundação Renova, estão sendo discutidos judicialmente. Há também programas que envolvem a recuperação ambiental e investimentos em saneamento. A entidade afirma que já restaurou 1 mil hectares de área florestal e recuperou 888 nascentes e 113 afluentes.

A criação de uma nova entidade similar à Fundação Renova para tratar da reparação da tragédia de Brumadinho (MG) foi descartada tanto pelo MPMG como pelo governo de Minas Gerais. No episódio, ocorrido em janeiro de 2019 após o rompimento de uma barragem da Vale, morreram 270 pessoas. Um acordo formalizado com a mineradora no mês passado previu outro modelo de governança para as ações previstas.

Resposta

Em nota, a Fundação Renova disse discordar das alegações do MPMG e que irá contestar a ação civil pública. A entidade afirma que suas contas passam pelo crivo de um conselho curador, de um conselho fiscal e de auditorias externas independentes, o que garantiria transparência no acompanhamento e fiscalização de investimentos realizados e de resultados alcançados. 

“Sobre a remuneração de seus executivos, a Fundação Renova esclarece que adota uma política de mercado, com valores compatíveis com as responsabilidades assumidas. Importante esclarecer que os valores aportados pelas mantenedoras para o custeio da fundação (salários e custos administrativos) não comprometem e não são contabilizados nos valores destinados à reparação e compensação dos danos causados pelo rompimento de Fundão”, diz o texto.

Mineradoras

Além da extinção da Fundação Renova, a ação movida pelo MPMG pede em caráter liminar a imediata nomeação de uma junta interventora para exercer a função de conselho curador e elaborar um desenho institucional de transição. Também requer que Samarco, Vale e BHP Billiton sejam condenadas à reparação dos danos materiais causados no desvio de finalidade e em ilícitos que teriam levado à a frustração dos programas acordados no TTAC.

“É urgente a situação de perigo e de risco ao resultado útil do processo em razão da ineficácia dos programas geridos pela entidade, dos desvios de finalidade, como as propagandas enganosas praticadas e outras práticas ilícitas e inconstitucionais”, diz um trecho.

Procuradas pela reportagem, as três mineradoras informaram que ainda não foram intimadas. A Vale não fez nenhum comentário adicional. Já a Samarco, em nota, disse que mantém o compromisso com a reparação.

Por sua vez, a BHP Billiton afirmou que, embora não tenha sido intimada, está ciente do anúncio feito pelo MPMG. “A BHP reitera que está absolutamente comprometida com a reparação plena e justa relacionada aos impactos do rompimento da barragem do Fundão e informa que dá suporte às operações da Fundação Renova por meio de representação no Conselho de Curadores e Comitês do Conselho”, registra comunicado divulgado pela mineradora anglo-australiana.

Fonte: Agência Brasil