Neste dia 9 de fevereiro, há 240 anos, nascia na Alemanha o zoólogo Johann Baptiste von Spix, que, há mais de 200 anos, revelou o Brasil à Europa, junto com o botânico Carl Friedrich von Martius. Eles também foram responsáveis pelo estudo mais amplo sobre grande parte da fauna e da flora brasileira no século 19, tendo descoberto e registrado diversas espécies do ecossistema brasileiro, como a ararinha-azul, Sittace spixii.
Nascido em 1781, na cidade de Höchstadt an der Aisch, território do Reino da Baviera entre 1805 e 1918, Spix ingressou na Escola Episcopal de Bamberg, aos 11 anos, e logo no ano seguinte foi transferido para o Seminário Episcopal da cidade. Aos 19, já era doutor em filosofia e logo um famoso filósofo da natureza. Também se formou doutor em medicina, no ano de 1807, e em 1810, foi contratado pela Academia Real de Ciências para organizar o museu de zoologia, em Munique.
Segundo a historiadora Cláudia Witt, a experiência e o renome foram o que definiu a escolha de Spix para coordenar as pesquisas que integrariam a comitiva da arquiduquesa austríaca Leopoldina, em viagem ao Brasil. A missão, conhecida por Austro-Bávara, buscava uma integração dos países da região europeia da futura esposa do príncipe herdeiro D. Pedro I, com a então colônia portuguesa.
“O Spix tinha uma experiência muito maior e ele deu esse peso acadêmico que a expedição precisava. Havia muito mais integrantes austríacos, então, era importante que houvesse um nome de reconhecimento internacional, pelo menos no mundo germânico”, explica Cláudia.
Foram três anos (1817-1820) de viagem desde o Rio de Janeiro até a fronteira do Amazonas com a Colômbia, 10 mil quilômetros percorridos por sete estados, 3.381 espécies de animais brasileiros catalogadas, documentação de línguas indígenas, formação de coleções para estudos. Além disso, Spix coordenou uma equipe de cientistas que produziram muitos outros estudos etnológicos, sobre a fauna e a flora brasileira.
Referência sobre o Brasil
O professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (USP) Stefan Wilhelm Bolle explica que o relato dessa viagem, Reise in Brasilien (Viagem pelo Brasil), publicado em três volumes 1823, 1828 e 1831, é o principal legado deixado pelos cientistas.
“Viagem pelo Brasil é considerado o livro mais importante em língua alemã sobre o Brasil”, diz.
Bolle esclarece que, embora o relato de viagem tenha contribuições de Spix nos três volumes publicados, ele participou ativamente da elaboração do primeiro e de parte do segundo volume, pois faleceu apenas seis anos após retornar da viagem ao Brasil, em 1826, aos 45 anos. Durante esse tempo, mesmo com a saúde fragilizada, ele ainda escreveu mais nove volumes com a descrição de macacos, morcegos, lagartos, cobras, tartarugas, sapos, aves, peixes, insetos e moluscos.
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Para Cláudia Witte, além dos resultados científicos que permanecem referência até os dias de hoje, a principal contribuição de Spix e Martius foi a de inaugurar por estes lados do Oceano Atlântico uma forma diferente de pesquisa fora dos laboratórios. “Eles partem de uma visão mais holística em que os seres vivos estão integrados em determinado ambiente, interagindo com ele e isso tudo é que forma o objeto de pesquisa desses cientistas”, diz.
Sittace spixii – Ararinha-azul
Após a morte de Spix, em 1832, Johann Georg Wagler, que havia trabalhado com o cientista, prestou uma homenagem ao renomear a arara-azul com a denominação científica Sittace spixii, já que a espécie havia sido descrita pela primeira vez pelo zoólogo.
No relato da viagem ao Brasil, Spix descreve o animal em uma imagem na qual denomina a ave de Arara hyacinthinus, nome que já havia sido dado a outra espécie. A homenagem foi mantida quando, finalmente, a ave foi reclassificada por meio de análise molecular e passou a ter a denominação Cyanopsitta spixii.
Spix também é considerado o primeiro zoólogo a pesquisar a região amazônica brasileira e o seu trabalho até os dias de hoje é referência para estudiosos de todos os tempos. Desde o ano de 1908, o Parque Zoobotânico do Museu Goeldi, no estado do Pará, reconhece o legado científico deixado por Spix e Martius na forma de um monumento de meio-busto dos cientistas, fixados em uma lápide de mármore. A escultura foi doada pela Academia de Ciências da Baviera, na Alemanha.
“Tudo isso que eles documentaram acabou se tornando uma referência, um marco zero. É uma base para qualquer estudo de hoje sobre as regiões por onde eles passaram. E o nível de empenho, de profissionalismo que eles imprimiram no trabalho deles, em anos e anos de dedicação, estabeleceu um parâmetro muito alto. Então, eles se tornaram, ao mesmo tempo, uma base e uma inspiração para as pessoas e isso certamente influenciou várias e várias pesquisas que vem sendo feitas até hoje”, diz Cláudia Witti.
Povos indígenas
Ao longo da viagem de Spix e Martius pelo Brasil, eles registram vários povos indígenas por meio de desenhos e relatos de aspectos físicos, culturais e da relação dos indivíduos com o meio em que viviam. Cláudia Witt destaca que, em um dos relatos, os cientistas revelam uma mudança na forma de estudarem aqueles povos após presenciarem uma espécie de ritual de uma indígena que havia sido escravizada no Amazonas. Até aquele momento, era comum que olhassem para os indígenas como se fossem crianças, sem sentimentos característicos dos adultos.
“Ali eles perceberam que não só existia uma crueldade no processo da escravização entre os próprios indígenas, como também existia maldade entre eles. E nesse momento, eles conseguem enxergar os indígenas como seres humanos.” explica.
O professor Wilhelm Bolle também reforça a importância desses relatos nos futuros estudos científicos dos povos indígenas do Brasil. Segundo ele, outros grandes etnólogos alemães cruzaram o Atlântico em expedições inspiradas na de seus conterrâneos.
Alguns exemplos foram Karl von den Steinen, que pesquisou os povos indígenas na região do alto Xingu, na década de1880. Theodor Koch-Grünberg que, no período de 1911 a 1913, estudou os mitos e as lendas dos índios arekuna e taulipang. E ainda Curt Unckel, que veio para o Brasil em 1903 e passou a estudar os índios Guarani, quando recebeu um novo nome daquele povo e passou a ser chamado de Nimuendajú. Ele publicou trabalhos científicos sobre vários povos como os Apinajé, os Mura e os Ticuna.
Bolle conta ainda que as imagens dos indígenas encontrados por Spix e Martius repercutem na cultura europeia até os dias de hoje, como é o caso da gravura de um préstito festivo do povo Ticuna, perto de Tabatinga (AM). “Esse tipo de desfile, com máscara de pássaros, estimulou a criação dos chamados pássaros juninos, que fazem parte até hoje das festas juninas em Berlim”, diz.
Mudanças pelo caminho
Após 200 anos da expedição Austro-Bávara, o também alemão Stefan Wilhelm Bolle refez entre 2017 e 2019 os trechos mais significativos do percurso de Spix e Martius. “O nosso principal objetivo foi observar nesses lugares as continuidades e as mudanças ocorridas durante esses últimos 200 anos”, diz o professor, que viajou com o então diretor do Instituto Martius-Staden, Eckhard Kupfer.
Segundo ele, o percurso foi cumprido em três etapas: de Ouro Preto a Diamantina, em 2017; uma travessia do sertão no norte de Minas Gerais até as fronteiras com Goiás e com a Bahia, em 2018; e de Belém a Manaus, em 2019. Para Bolle, perceber a presença de pesquisadores e da preservação de algumas áreas ao longo do percurso foram os principais pontos positivos encontrados por onde os cientistas passaram. Por outro lado, a persistência das desigualdades sociais, as ameaças sofridas pelos indígenas e os problemas ambientais existentes na Amazônia são os grandes desafios a serem enfrentados para que seja possível preservar o que ainda resta do Brasil visto pelos cientistas.
“Eu faço votos de que esse patrimônio que a natureza deixou para a humanidade seja preservado”, conclui.
Mais sobre Spix
O que há de mais recente sobre o zoologista é a biografia Ein Leben für die Zoologie: Die Reisen und Forschungen des Johann Baptist Ritter von Spix (Uma vida para a Zoologia: a viagem e a pesquisa de Johann Baptiste von Spix), escrita por Klaus Schönitzer e publicada em 2011 somente em alemão.
A publicação mais conhecida de Spix e Martius, Reise in Brasilien (Viagem pelo Brasil, 1823, 1828 e 1831) teve sua versão traduzida para o português e a mais recente edição foi disponibilizada em versão digital, pela editora do Senado Federal.
Fonte: Agência Brasil