Por apresentar sintomas semelhantes a outras doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, entre elas chikungunya, dengue e zika, a febre amarela não é uma arbovirose de fácil diagnóstico. Para superar essa dificuldade e agilizar o tratamento adequado, pesquisadores brasileiros e britânicos desenvolveram um biossensor eletroquímico capaz de detectar a infecção, com um bônus: é construído a partir de cápsulas de café recicladas, material que o torna mais sustentável e ajuda a reduzir seu custo.
Manufaturado em impressora 3D comum, o sensor miniaturizado cumpre ainda os critérios para testes diagnósticos em locais remotos ou com poucos recursos estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS): acessibilidade, sensibilidade, especificidade, facilidade de uso, rapidez e robustez, sendo livre de equipamentos e facilmente distribuível aos usuários finais. Os detalhes do dispositivo foram descritos no periódico Chemical Engineering Journal.
“Sensores miniaturizados como este poderiam ser facilmente transportados a regiões ou comunidades remotas, onde a febre amarela é mais comum”, diz Cristiane Kalinke, pós-doutoranda no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ-Unicamp), pesquisadora visitante na Universidade Metropolitana de Manchester (Reino Unido) e primeira autora do artigo. “Isso é especialmente importante no caso de doenças comuns em países tropicais e consideradas negligenciadas, que carecem tanto de estratégias de prevenção quanto de tratamento.”
O funcionamento do dispositivo é simples: sua superfície conta com eletrodos impressos por meio de tecnologia 3D em ácido polilático (polímero biodegradável conhecido pela sigla em inglês PLA), proveniente de cápsulas de café processadas e recicladas. Filamentos com nanotubos de carbono e negro de fumo como aditivos são responsáveis por garantir a condutividade do sensor e gerar a reação eletroquímica, em que fragmentos do DNA da febre amarela se encaixam na sequência genética da amostra de soro sanguíneo dos pacientes. Apenas uma gota de amostra (cerca de 200 microlitros) é suficiente para a análise. Por meio da diferença de sinais antes e depois dessa ligação, o diagnóstico é feito. Além disso, também foi possível diferenciar resultados em amostras contendo o vírus da febre amarela e da dengue, o que permitiria o diagnóstico preciso da doença.
Entre as possibilidades de aperfeiçoamento do sensor para o futuro está seu funcionamento com amostras integrais de sangue ou até mesmo de saliva, o que não demandaria etapas de processamento para a separação do soro. Para isso, no entanto, serão necessários novos testes.
De acordo com Juliano Alves Bonacin, professor do Departamento de Química Inorgânica do IQ-Unicamp e supervisor do estudo, a ideia é que esse modelo, com uso de filamentos à base de nanotubos de carbono e materiais avançados modificados, possa ser replicado para identificar também outras doenças, ampliando o uso da eletroquímica no campo da saúde.
Trabalho em equipe
O projeto multidisciplinar foi desenvolvido por Kalinke durante seu estágio de pós-doutoramento na Inglaterra e envolveu pesquisadores das universidades Federal de São Carlos e de São Paulo, além da Faculdade de Ciência e Engenharia da Universidade Metropolitana de Manchester (Inglaterra). O grupo recebeu financiamento da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) por meio de dois projetos.
“Trata-se de um exemplo clássico de que, quando unimos grupos de diversas universidades e com expertises complementares, é possível realizar um trabalho de ponta de forma relativamente rápida”, diz Bonacin. “Se precisássemos desenvolver aqui todos os parâmetros laboratoriais de processamento de polímeros já em uso na universidade britânica, seria necessário um tempo muito maior para que o trabalho fosse concluído.”
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