Uma estudante de 16 anos que tem paralisia cerebral enfrentava constantes problemas de acessibilidade dentro da escola, que fica na zona sul de São Paulo. A jovem não frequentava as aulas de educação física, tinha dificuldades para acessar o laboratório, entre outras situações que atrapalhavam o dia a dia dela.
Com os pais, a jovem procurou ajuda. Eles foram à 1ª Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência (DPPD), onde registraram um Boletim de Ocorrência contra a instituição de ensino. “Eu me senti amparada, me senti ouvida, eu senti que a gente que tem algum tipo de deficiência, tem voz. Eles realmente abraçam a sua causa”, contou a estudante.
A partir da elaboração da ocorrência, a escola promoveu as mudanças necessárias para tornar o ambiente escolar totalmente acessível. “Na delegacia foi o lugar onde fui ouvida e me trouxeram todo amparo”, explicou.
Esse não é um caso isolado. A realidade retratada pela estudante é uma dificuldade que faz parte da rotina das 3,4 milhões pessoas com algum tipo de deficiência visual, motora, intelectual ou auditiva no Estado de São Paulo.
Na capital paulista, 1ª Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência foi criada para atender exclusivamente às pessoas com algum tipo de deficiência e que são vítimas de crimes de diversas naturezas. O serviço funciona por meio de uma parceria com o Instituto Jô Clemente (IJC). Desse modo é possível promover a inclusão da população com diferentes graus de deficiência aos serviços de Polícia Judiciária. O modelo é inédito no país e funciona com uma equipe multidisciplinar.
A unidade funciona com um sistema diferenciado. A equipe de policiais atua em conjunto com assistentes sociais, psicólogos e intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Desse modo, é possível promover a inclusão e democratizar o acesso de pessoas com deficiência ao serviço público.
“É um trabalho policial humanizado com ajuda de uma equipe técnica especializada”, resumiu a delegada Maria Valéria Pereira Novaes de Paula Santos, que está há quatro anos na unidade.
O trabalho conjunto auxilia na comunicação entre a equipe e a vítima que precisa de atendimento, permitindo que a polícia consiga identificar o que houve para encaminhar o registro da ocorrência. “É uma pessoa que entra aqui que tem sua especificidade, que é atendida dentro do que é necessário, com ajuda dos profissionais da área técnica e com um atendimento diferenciado dos policiais”, acrescentou a delegada.
Na Delegacia da Pessoa com Deficiência, a polícia efetua o registro da ocorrência e encaminha ao distrito policial da área para que a equipe dê continuidade na investigação. No entanto, em caso de necessidade, a especializada dá todo o suporte necessário.
“O nosso trabalho aqui, além da atuação na área criminal, vai além, é também no apoio a todas as outras unidades e proporcionar não só a condição, mas os meios assistivos para que essas pessoas possam ser atendidas e tenham acessibilidade irrestrita e total em qualquer delegacia”, explicou o chefe dos investigadores, Linerceu Júnior.
Neste ano, até julho, já foram realizados mais de 1,3 mil atendimentos, 33% a mais que o registrado no mesmo período de 2022. As pessoas com deficiência auditiva, física e intelectual foram as que mais procuraram ajuda na delegacia especializada. Os casos são diversos, como abusos, golpes e violência. Desde a implantação do serviço, os registros crescem anualmente.
Além do registro criminal, a equipe que atende na delegacia também identifica as necessidades da vítima e faz o encaminhamento para a rede de assistência. Só em julho, a equipe multidisciplinar realizou o direcionamento de 21 pessoas para acionar os direitos básicos visando romper a situação de violência.
Segundo a psicóloga do IJC que atua na delegacia, o diálogo com a equipe é fundamental para promover o acolhimento das vítimas, além do atendimento na área criminal.
É importante dialogarmos porque a gente precisa dar esse acolhimento para a vítima quando chega aqui.
“Quando a pessoa chega, ela está num estágio fragilizado, então a gente oferece esse suporte”, afirmou Giovanna Galle. “A gente entende o que ela está passando, quais possíveis encaminhamentos que nós podemos ofertar, entramos em contato com esses serviços que vão oferecer o atendimento contínuo.”
Modelo é referência
A delegacia paulista se tornou uma referência no país para atendimento da pessoa com deficiência. Outros Estados querem implementar o serviço de atendimento.
No final de agosto, uma equipe do Rio de Janeiro visitou a unidade em São Paulo para conhecer a estrutura com o intuito de inaugurar uma delegacia nos mesmos moldes na capital fluminense.
Além disso, representantes do Amazonas e de Santa Catarina também acompanharam de perto o trabalho desenvolvido pela equipe de policiais e técnicos do IJC.
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