A experiência e modos de vida dos povos do campo, das águas e das florestas fará parte do caderno de propostas da 4ª Conferência Nacional de Cultura, que será realizada em março, em Brasília. Os temas foram escolhidos na Conferência Temática de mesmo nome, realizada em Fortaleza (CE), com a representatividade cultural de mais de 150 pessoas de diferentes territórios e segmentos do país.
O foco dos debates foi a promoção e preservação da diversidade cultural de assentados da reforma agrária, agricultores familiares, trabalhadores rurais, povos de quilombo; das águas: ribeirinhos, pescadores, marisqueiras; das florestas: indígenas, extrativistas; fazedores e fazedoras de cultura que vivem e ou atuam nesses territórios; lideranças de organizações sociais que atuem na área da cultura.
No conteúdo das propostas acolhidas está a reconfiguração do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC), com a previsão de composição de mais oito assentos representando a cultura desses povos com seus setoriais; a elaboração e implementação, na Política Nacional de Cultura Viva, de um Programa Nacional de Cultura dos povos do Campo, das Águas e das Florestas; a implementação de políticas públicas de investimento na formação, profissionalização dos agentes culturais, grupos e espaços de forma descentralizada e democrática, garantindo o acesso a editais, produtos e serviços, visando a sustentabilidade, seguridade social e acessibilidade, e com o fortalecimento e incentivo da cultura digital.
Segundo o secretário de Formação, Livro e Leitura do MinC, Fabiano Piúba, a Conferência temática ajuda o Ministério da Cultura e as políticas culturais a aflorestaniar. “Então é cultivar, é arar, é aguar. Essa Conferência reúne cultura e meio ambiente, cultura e sustentabilidade. Quando a gente reúne uma Conferência Temática como essa, a gente tá reunindo duas dimensões muito importantes, que são as dimensões da cultura e da natureza”.
Tião Soares, diretor de Promoção das Culturas Populares da Secretaria de Cidadania e Diversidade (SCDC) do MinC, avalia que a Conferência traz um debate precioso de atenção de um governo democrático e socialmente justo para os povos do campo, das águas e da floresta. Ele trouxe também questões sobre a Política Nacional de Cultura Viva, falando sobre os Pontos e Pontões de Cultura, que trabalham esse tema.
“A ideia dessa Conferência é discutir, sobretudo, na salvaguarda dos povos indígenas, dos povos quilombolas e especialmente dos territórios. Não existe a cultura sem os territórios, a proteção e a valorização desses territórios se faz necessária e urgente. Essa Conferência tem essa necessidade, mas sobretudo a responsabilidade de levantar essa discussão”, avaliou Tião.
“Conferência é oportunidade de pactuação, de acolher demandas, de alinhar propostas – isso tanto entre prefeituras e governos estaduais, quanto principalmente com o povo, com a sociedade, em sua ampla diversidade. E esta aqui é marcante por seu relação com tradição, com bem viver, com meio ambiente, com territorialidade, e com a vida – com o sobreviver e conviver”, disse o coordenador-geral de Orientação e Capacitação para Estados, Distrito Federal e Municípios do Ministério da Cultura (MinC), Binho Riani Perinotto.
“Nossos povos são povos porque temos cultura, nossos territórios são territórios porque temos cultura. Não existe Amazônia sem cultura, não existe Caatinga sem cultura. A cultura é manifestação da memória, da linguagem do mundo. É muito importante que nossos gestores estejam aqui para impulsionar e incentivar que as nossas expressões culturais possam existir, mas quero aproveitar essa oportunidade para pedir ao Estado que sejam construídas mais leis e precisamos reconhecer que existe sim violência contra a cultura e essa violência e as pessoas que cometem esses crimes têm que ser que ser julgadas”, disse Daiara Tukano, representante do CNPC.
Para a secretária de Cultura do Estado do Ceará, Luisa Cela, essa é uma política de intercessão de áreas muito importantes para o pensamento sobre territórios, para o pensamento sobre a cidade e sobre o Brasil. “Essa Conferência busca olhar para essa dimensão da política pública de cultura que se relaciona com o meio ambiente, com o desenvolvimento do campo, com o desenvolvimento agrário, com o turismo também, com a saúde, com a comida e com muitas áreas que são pensadas sobre a nossa forma de viver e que fala muito também sobre a força da nossa cultura”.
Modos de vida
Tainá Marajoara é cozinheira ancestral e ex-conselheira Nacional de Cultura Alimentar do CNPC, para a liderança indígena, a Conferência foi um momento importante da representatividade cultural de povos, segmentos, linguagens e manifestações de várias partes do Brasil. “Éramos nós indígenas, quilombolas, extrativistas, caiçaras, caipiras, ciganos, assentados, lutadores da reforma agrária, pessoas que lutam pela terra de todos esses povos”.
Duas propostas aprovadas que podem trazer grandes avanços foram destacadas por ela. “A primeira é na proposta de reconfiguração do CNPC que traz a cadeira de cultura alimentar e uma retomada de um processo histórico liderado por mulheres marajoaras, por mulheres da região Norte, por mulheres amazônicas, um processo que foi inviabilizado no governo anterior. A cultura alimentar é indissociável da garantia da soberania alimentar, da garantia da justiça climática e do combate à fome e à miséria, então é a partir da cultura alimentar que a gente também mantém a Amazônia e os outros biomas de pé e vivos, assim como as nossas populações”.
Ainda segundo Tainá, outro ponto de discussão que representa um grande avanço nas discussões culturais é sobre a garantia dos direitos culturais e a compreensão da necessidade do agravamento de penas e de criminalizar atentados às culturas. “Nós não temos um mecanismo que seja específico para a proteção, salvaguarda e o entendimento dos impactos sobre as culturas. Além disso, urge defender os defensores e defensoras das culturas, pois houve uma grande quantidade de relatos de lideranças culturais ameaçadas de morte e de espaços culturais que sofrem violências, atentados e além de tudo precisamos compreender que existe uma violência simbólica, uma violência física, moral, sendo impingida sobre os defensores e defensoras das culturas, especialmente das culturas dos povos originários, dos povos e comunidades tradicionais e camponesas”, conclui.
“Somos povos de trajetórias, não somos povos de teoria. Somos da circularidade: Começo, meio e começo. As nossas vidas não tem fim”, com as palavras do mestre quilombola Nego Bispo, Ana Eugênia, quilombola do Sítio Veiga, em Quixadá (CE), ilustrou os dias de trabalho na Conferência Temática.
“Foi de suma importância participar dessa conferência pois levamos uma questão que é fundamental para nós, que é o território. Não dá para falar de acesso à cultura sem pautar a questão territorial, a demarcação do nosso território. A democratização da cultura em nossos territórios, porque o nosso território é a mãe de todas as lutas”, avalia Ana Eugênia, que é dançadeira da dança de São Gonçalo, uma tradição passada de geração em geração.
Confira as propostas na íntegra:
Proposta 01:
A) Determinar a reconfiguração do Conselho Nacional de Políticas Culturais a ser composto por mais 08 (oito) assentos representando a Cultura dos Campos/Zonas Rurais, Assentamentos de Reforma Agrária, Povos das Águas, Povos das Florestas, Povos Ciganos, Povos Quilombolas, Povos de Comunidades Tradicionais (PCTs) e Cultura Alimentar com seus setoriais representados pela diversidade que o compõe em direta parceria com autarquias e instituições vinculadas ao Minc, MDA e Incra, a fim de debater, instituir e implementar políticas públicas federais reais e palpáveis para estes, a fim de materializar produções culturais, bibliotecas comunitárias, pontos de cultura, turismo comunitário, cozinhas comunitárias e mais. Estes setoriais serão vinculados ao Conselho Nacional de Cultura e caberá a estes eleger seus representantes das expressões culturais da Cultura dos Campos/Zonas Rurais, Assentamentos de Reforma Agrária, Povos das Águas, Povos das Florestas, Povos Ciganos, Quilombolas, Povos de Comunidades Tradicionais (PCTs) e Cultura Alimentar. Caberá aos colegiados elaborarem e acompanharem a implementação do Plano Nacional de Cultura de cada setorial.
B) Elaborar e implementar o Plano Nacional de Cultura de cada setorial, de forma plurianual, através de processo participativo e representativo de sujeitos dos Colegiados Setoriais, resguardando prioritariamente a demarcação dos territórios como premissa da expressão da manutenção de um povo, dos saberes e da cultura ancestral, bem como um compromisso interministerial no diálogo com o CNPC, para combate, enfrentamento e responsabilização contra as violências e violações de direitos culturais, dos corpos-territórios e das culturas, resguardando a vida, a sobrevivência e os direitos humanos dos corpos dissidentes que integram as representações do campo, águas e florestas. O Plano visa instituir e garantir orçamento de forma permanente, territorializada e continuada que contemple todas as funções da cadeia de cultura, como formação, produção, intercâmbio, criação, circulação, difusão, fruição, publicação, difusão/distribuição de Bens e Serviços Culturais e mais, promovendo o alcance regional, nacional e internacional. Tem como objetivo fortalecer e fomentar as cadeias de produção de cultura do campo, águas e florestas, garantindo o investimento, equipamentos culturais e a infraestrutura de apoio para manutenção do acesso à cultura. Fortalecer e ampliar os processos formativos dos agentes culturais, investindo na estruturação de espaços culturais, fomentando a economia criativa, solidária e de economia cidadã, tendo como base as dimensões da sustentabilidade (social, ambiental e cultural) e a três dimensões do Plano Nacional de Cultura. Propondo também a criação do Programa Nego Bispo que mestres e mestras, guardiões e guardiães e griôs, de reconhecimento e certificação.
C) Instituir legislação vinculante, parte da Política Nacional de Cultura do Campo, Águas e Florestas e Cultura Alimentar, de forma a direcionar os regramentos orçamentários da cultura para estabelecer a obrigatoriedade das esferas nacionais, estaduais e municipais no direcionamento de políticas públicas culturais específicas para estes povos e territórios, ampliando a política afirmativa de cotas, mas assegurando uma política pública integral e específico para esses povos e territórios. Da mesma forma, vincular a obrigatoriedade destas representações territoriais na integração dos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacionais de Cultura, de forma a contemplar os territórios tradicionais em todos os entes federativos, com Centros de Referência das Culturas do Campo, Água e Floresta e Cultura Alimentar espalhados no País, com garantia de financiamento continuado e gestão compartilhada.
Proposta 2
A) Garantir a elaboração, criação e implementação, na Política Nacional de Cultura Viva, de um Programa Nacional de Cultura dos povos do Campo, das Águas e das Florestas, que considere a diversidade dos sujeitos e segmentos que o compõem – indígenas, quilombolas, assentados da reforma agrária, agricultores familiares, povos das águas e demais comunidades tradicionais –, sua diversidade geracional, de gênero, racial, étnico e afetivo sexual, realizando um mapeamento e diagnóstico da produção cultural material e imaterial e cartografia social dos territórios e maretórios, instituindo políticas de formação, acessibilidade, valorização e perpetuação da cultura destes povos.
B) Garantir imediatamente a inserção e participação dos segmentos dos povos do Campo, das Águas e das Florestas nas políticas culturais, contemplando a diversidade dos sujeitos na execução da Política Nacional de Cultura Viva, no Programa dos Pontos de Memória e na Política Nacional Aldir Blanc e Paulo Gustavo; a efetivação da Lei dos Mestres e a retomada do Encontro de Saberes; a reativação do Comitê Técnico do LGBTQIAPN+, com inclusão dos povos do Campo, das Águas e das Florestas; criar um Comitê Técnico específico dos povos do Campo, das Águas e das Florestas; e assegurar a participação desses povos nos Comitês Estaduais de Cultura.
C) Garantir a implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais por meio do plano operativo para atender o reconhecimento, fortalecimento e garantia dos direitos dos povos do Campo, das Águas e das Florestas, assegurando financiamento entre os entes federados.
Proposta 3
A) Promover a criação, manutenção e implementação de políticas públicas de investimento na formação, profissionalização dos agentes culturais, grupos e espaços de forma descentralizada e democrática, garantindo o acesso a editais, produtos e serviços, visando a sustentabilidade, seguridade social e acessibilidade, e com o fortalecimento e incentivo da cultura digital.
B) Espaços físicos geridos pela sociedade civil e custeados pelo Estado para a promoção de encontros e difusão do trabalho artístico-cultural rural e geração de renda para os povos do campo das águas e das florestas. Este espaço se estende em um portal virtual que serve como banco de dados artístico e uma loja online.
C) Pelo menos 5% do imposto devido das empresas que cometeram crime ambiental ou por trabalho escravo, deverá ser destinado ao Fundo Nacional de Cultura (FNC), garantindo o fomento à Política Nacional de Cultura Viva.
4 ª CNC
A 4ª edição da Conferência Nacional de Cultura ocorrerá entre 4 e 8 de março, em Brasília. Com o tema Democracia e Direito à Cultura, a atividade é promovida pelo MinC e o Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC), com apoio da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso Brasil) e da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI).
(function() {
var po = document.createElement(‘script’);
po.async = true;
po.src = document.location.protocol + ‘//connect.facebook.net/pt_BR/all.js#xfbml=1’;
var head = document.getElementsByTagName(‘head’)[0];
head.appendChild(po);
}());
Fonte: Ministério da Cultura