A ministra da Cultura, Margareth Menezes, participou na tarde desta segunda-feira (18) do segundo painel da Palestra “Brasil na Vanguarda da Justiça Climática: uma Visão Global para o Futuro?”, realizada pela Universidade Columbia, na cidade de Nova Iorque.
Diante de uma plateia que acompanhou também as falas dos ministros Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), e Fernando Haddad, da Fazenda, a chefa da Cultura destacou como o alinhamento social e cultural gera impactos no ambiente. E como culturas populares são fundamentais às ações de preservação.
Ao longo dos últimos oito meses, afirmou a ministra, “trabalhamos a relação entre cultura e sustentabilidade pela via da promoção da diversidade cultural. Para isso, estamos fortalecendo o Sistema Nacional de Cultura (SNC) como elemento estruturante da cultura no país”.
Mediador do debate, o advogado e professor de direito internacional, Thiago Amparo, avaliou positivamente o evento: “A ministra pautou o tema da justiça climática a partir da cultura: sem diversidade cultural e de saberes não haverá justiça climática. A participação da ministra foi fundamental para que possamos olhar cultura de forma ampla, plural e diaspórica. Ela reafirmou o compromisso com prover uma infraestrutura que permite a todos serem sujeitos da cultura”.
Em seu discurso, Margareth Menezes destacou que a justiça ambiental sempre foi desenvolvida pelos povos originários do Brasil. “Ela [justiça ambiental] sempre foi genuinamente brasileira. O que não existe no Brasil é justiça social. Sem justiça social nunca será possível a justiça climática. Os povos tradicionais têm práticas culturais sustentáveis, são guardiães do patrimônio genético de milhares de espécies vegetais e animais”. Ainda sobre povos originários, Margareth destacou que na edição deste ano de 2023 da Bienal de Arquitetura de Veneza, o Brasil foi premiado com o Leão de Ouro por meio da mostra “Terra”, sobre tecnologias sustentáveis de indígenas e quilombolas, em suas construções.
A ministra destacou também que o MinC fortalece essas comunidades e espaços tradicionais por meio de políticas públicas, a exemplo da Lei Paulo Gustavo, responsável por injetar R$ 3,8 bilhões para fomentar políticas culturais em 98% das cidades brasileiras e em 100% dos estados.
Revolução sem armas
O direito a fazer três refeições por dia, uma tese defendida e buscada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde seu primeiro mandato, classificou a chefe do MinC, é o início de uma revolução sem armas. “Após a defesa do direito à alimentação regular, no segundo Governo do Presidente Lula, essa revolução avançou para a educação”, afirmou a ministra em discurso.
Ampliar o acesso à educação superior pública e gratuita, especialmente nas regiões norte e nordeste do Brasil foi outra ideia “ameaçadora”, pois às pessoas dessas áreas o direito ao estudo sempre foi negado.
Margareth Menezes encerrou sua participação no evento citando a poesia “O Homem: As Viagens”, do mineiro Carlos Drummond de Andrade. “Espero que ele atice o formigueiro de vida humana que existe em cada um e cada uma de vocês. E que ajude a despertar-lhes uma primavera”.
Confira transcrição do discurso da ministra da Cultura, Margareth Menezes, na Palestra “Brasil na Vanguarda da Justiça Climática: uma Visão Global para o Futuro?”:
Boa tarde a todas e todos hoje aqui presentes!
Gostaria de cumprimentar a cada um e cada uma transmitindo-lhes um caloroso abraço da cultura brasileira!
Cumprimento e agradeço ao professor Paulo Blikstein, diretor do Lemann Center for Brazilian Studies, pelo convite para estar hoje na Universidade de Columbia. Também saúdo e agradeço ao professor Thiago Amparo pela oportunidade de interlocução. Cumprimento ainda o professor Kendall Thomas, diretor do Centro para Estudos do Direito e da Cultura, desta universidade.
Senhoras e senhores aqui presentes, aceitei com muita honra o convite deste centro de estudos brasileiros para conversar com vocês sobre o lugar da cultura quando pensamos o Brasil na Vanguarda da Justiça Climática: uma Visão Global para o Futuro? Atualmente, muito se tem falado do Brasil como um país incontornável, na ordem internacional, quando o tema é desenvolvimento sustentável.
E, hoje, esta grande instituição me propõe o desafio: o Brasil conseguirá estar na Vanguarda da Justiça Climática e do Desenvolvimento Sustentável? Logo o Brasil, esse país que, apesar de tão rico – a 9a economia do mundo, em 2022, com PIB de US$ 1,8 trilhão –, é assolado por desigualdade social, ocupando a 87ª posição do ranking de IDH no mundo? Como é que o Brasil seria capaz disso? Como é que um país de indígenas e “pretos, pobres e mulatos e quase brancos, quase pretos de tão pobres” – como diz uma canção brasileira – seria capaz disso?
Um país em que a escravidão de pessoas africanas durou 388 anos? Pois eu lhes digo que somos, sim, capazes! Somos capazes disso porque sempre fomos essa vanguarda em nossa história mais recente e em nossa ancestralidade mais profunda.
Senhoras e Senhores, o Brasil é, se não a primeira, uma das primeiras democracias verdes da ordem internacional contemporânea. Pouco antes da queda do muro de Berlim e do colapso da União Soviética, o Brasil renasceu, em 1988, após 21 anos de sombria ditadura. Nossa Constituição Federal de 1988 tem um artigo totalmente dedicado ao “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Em 1992, apenas quatro anos depois, realizamos, no Rio de Janeiro, a “Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento”, a ECO-92 (Cúpula da Terra – “Earth-Summit”), nessa Conferência assumimos o protagonismo da discussão sobre responsabilidade com o meio ambiente a partir dos países em desenvolvimento do hemisfério Sul – hoje o Sul Global. A ECO 92 enfatizou como fatores sociais, econômicos e ambientais são interdependentes e se expandem juntos. Enfatizou a necessidade de aliar o desenvolvimento socioeconômico justo e equilibrado com a preservação da natureza e o uso sustentável dos recursos naturais.
Mas essa “emergência verde” tão forte no Brasil é, na verdade, um traço ancestral brasileiro. Nossos povos originários e comunidades de quilombo sempre tiveram relação sofisticada e sustentável com o meio ambiente. Querem um exemplo? As construções indígenas denominadas “ocas”. As ocas são as habitações indígenas tipicamente brasileiras. Elas consistem em grandes espaços ocos feitos de galhos, troncos de árvores, palhas e folhas. São altamente sustentáveis e resistentes, podendo durar muitos anos. Sua construção normalmente é coletiva. São casas comunais, espaço de co-habitação para convívio comum para várias famílias.
Na edição deste ano de 2023 da Bienal de Arquitetura de Veneza, o Brasil foi premiado com o Leão de Ouro por meio da mostra “Terra”, que apresentou justamente essa e outras tecnologias sustentáveis dos povos originários e dos povos de quilombo, em suas construções. O pensamento afro-indígena brasileiro é um campo de ideias que nossa maneira ocidental de ser não sabe aproveitar.
Senhoras e senhores, o Brasil vem realizando uma revolução sem armas desde o primeiro governo do presidente Lula, em 2003. Uma revolução a partir dos povos indígenas e do povo negro do Brasil. Uma revolução a partir de “pretos, pobres e mulatos e quase brancos, quase pretos de tão pobres” do Brasil.
Essa revolução começou a partir de uma ideia “ameaçadora”: a de que todo brasileiro e toda brasileira teriam direito a fazer três refeições por dia. Após a defesa do direito à alimentação regular, no segundo governo do presidente Lula, essa revolução avançou para a educação.
Outra ideia absolutamente “ameaçadora”: ampliar fortemente o acesso à educação superior pública e gratuita – sobretudo no Norte e Nordeste do Brasil – a quem esse direito sempre foi negado. Por meio da alimentação e por meio da democratização da educação superior, o presidente Lula começou a movimentar o “formigueiro de vida humana” que sempre esteve à margem no Brasil; que sempre se constituiu a partir da miséria. A revolução sem armas brasileira está vindo para chacoalhar a “ninguendade” do povo brasileiro – como ensinou nosso mestre Darcy Ribeiro –, para que esse mesmo povo possa, finalmente, construir, à sua maneira, a sua história como sujeito de direitos.
Porque a “grandeza épica de um povo em formação nos atrai, nos deslumbra e estimula”. Essa revolução sem armas foi parcialmente interrompida entre 2016 e 2018, a partir do golpe sofrido pela ex-presidenta Dilma Rousseff. Ela permaneceu parcialmente interrompida sobretudo nos últimos quatro anos, em que o desmatamento da Amazônia foi sem precedentes e a violência contra os indígenas, brutal. E hoje – graças ao presidente Lula – o Brasil possui um Ministério dos Povos Indígenas e um Ministério da Igualdade Racial. Hoje, o Brasil possui novamente o Ministério da Cultura! Mas vejam vocês: há cinco séculos os povos originários brasileiros e seus descendentes resistem e lutam para serem vistos e reconhecidos!
Senhoras e senhores, quando fui convidada a vir falar com vocês sobre se o Brasil estaria apto a estar na vanguarda da justiça climática e sustentabilidade, decidi ser necessário dizer, aqui, de maneira clara, que: a justiça ambiental sempre existiu dentro dos povos originários do Brasil. Ela sempre foi genuinamente brasileira. O que não existe no Brasil é justiça social; sem justiça social nunca será possível a justiça climática, os povos tradicionais têm práticas culturais sustentáveis, são guardiães do patrimônio genético de milhares de espécies vegetais e animais; os conhecimentos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, caiçaras e de tantas outras comunidades tradicionais trazem uma perspectiva única, baseada na observação, na relação de respeito com o meio ambiente e na sabedoria acumulada ao longo de gerações;
Senhoras e senhores, o Brasil é um país que também investe em ciência e tecnologia. A Embraer é uma das maiores empresas de tecnologia aeronáutica do mundo, atrás apenas da Boeing e da Airbus, graças às pesquisas desenvolvidas pelo ITA (o nosso MIT). A EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – realiza pesquisas com florestas, e que são reconhecidas como tecnologia de ponta e aplicadas em muitos outros países. Na Amazônia, temos dois centros de pesquisa voltados para a promoção da inovação tecnológica a partir de processos e produtos da biodiversidade amazônica. São eles: o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o INPA, e o Centro de Biotecnologia da Amazônia, o CBA.
Ambos atuam para desenvolver novos produtos e processos utilizando insumos da biodiversidade amazônica para promover o bem-estar humano e o desenvolvimento sustentável na região. A Petrobras, uma das maiores empresas petroleiras do mundo, já está se preparando para fazer uma transição energética justa e segura no país. O Brasil não teria Embraer, nem Embrapa, INPA, CBA ou Petrobras sem dedicação à ciência, produzida por brasileiros e brasileiras nos últimos cinquenta anos. Da mesma forma que se dedica à ciência, o Brasil se dedica fortemente ao diálogo político e cultural com outras as nações para a promoção da paz. Desde 1947, somos o país que faz o discurso inaugural da Assembleia Geral da ONU. Com os Estados Unidos, país-irmão que nos recebe tão bem hoje, celebraremos, em 2024, 200 anos de relações diplomáticas.
Celebraremos, em especial, nossas vínculos e afinidades culturais de origem africana. Senhoras e senhores, a condição de miséria a que a base social do povo brasileiro sempre foi submetida não justifica desqualificar o potencial de sua intelectualidade. Líder global visionário, o que o Presidente Lula está fazendo é a revolução sem armas para possibilitar uma verdadeira “primavera” de nosso povo. Vocês querem saber como? Transformando a República em um grande quilombo; em uma grande oca onde justiça social, democracia, união nacional e sustentabilidade possam conviver. >> transformando a República em uma grande “oca-quilombo panela de pressão”, onde nosso formigueiro de vida humana possa combater todas ideias antidemocráticas e golpistas que ainda insistem em nos rondar.
O que o presidente Lula está fazendo é ajudar a construir um grande espaço de convívio e coabitação da base social do Brasil com o Brasil das universidades e das tecnologias todas que temos – tecnologias contemporâneas e ancestrais – e do acesso permanente à cultura como política permanente de Estado. Vocês sabiam que, no Brasil, desde 1988, o Estado está constitucionalmente obrigado a garantir o exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional e a proteção das manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e de todos os grupos formadores da nossa cultura? Além disso, desde 2012, o direito ao acesso permanente à cultura se tornou também um direito constitucionalmente garantido por meio do Sistema Nacional de Cultura (SNC). O Sistema Nacional de Cultura consiste em um processo de gestão e promoção das políticas públicas de cultura democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação (União, Estados e Municípios) e a sociedade.
Senhoras e senhores, eu também sou um dos frutos dessa revolução sem precedentes promovida pelo presidente Lula. Há oito meses, com a recriação do Ministério da Cultura do Brasil, trabalhamos ao lado de tantos companheiros e companheiras para fortalecer a relação entre cultura e sustentabilidade pela via da promoção da diversidade cultural. Para isso, estamos fortalecendo o Sistema Nacional de Cultura (SNC) como elemento estruturante da cultura no país.
Queremos consolidar as artes, o patrimônio e os saberes de toda a diversidade brasileira. Para que possam acessar financiamento público e ter o direito de florescer permanentemente. Para isso, temos lançado editais de financiamento público em diversas áreas da cultura. E, por meio deles, estimulamos a participação e o protagonismo de agentes culturais e equipes compostas de forma representativa por: mulheres; pessoas negras; pessoas indígenas; comunidades tradicionais, inclusive de terreiro e quilombolas; populações nômades e povos ciganos; pessoas LGBTQIAP+; pessoas com deficiência; pessoas idosas, pessoas em situação de rua e outros grupos vulnerabilizados socialmente; Facilitar o acesso a financiamento desses sujeitos e fomentar a produção cultural dessa diversidade é a contribuição do Ministério da Cultura à revolução sem armas que está em curso no Brasil. É a contribuição do Ministério da Cultura para fazer nosso povo sorrir. Para fazer o Brasil orgulhar-se de si e de sua diversidade cultura.
E não mediremos esforços para ajudar a dar “a cara da cultura” nessa primavera brasileira: por todas regiões periféricas, com menor presença de espaços e equipamentos culturais públicos; por todas as regiões com menor IDH; por todos os assentamentos e acampamentos; por todos os territórios rurais, quilombolas e indígenas; por todos os espaços comunitários de convivência, acolhimento e alimentação. Essas comunidades e seus grupos humanos precisam de proteção especial. Elas têm menos recursos para se adaptar às mudanças climáticas e são frequentemente as mais afetadas por eventos climáticos extremos.
Ao mesmo tempo, a proteção e preservação dessa diversidade cultural é parte da solução para os desafios da sustentabilidade ambiental. Senhoras e senhores, como vocês devem saber, do francês, “vanguarda” quer dizer “guarda avançada”, aquilo que está na frente. Mas, para pensar o Brasil na Vanguarda da Justiça Climática: uma Visão Global para o Futuro?, gostaria de subverter o sentido de “vanguarda”. Gostaria de convidá-los a pensar em vanguarda como o que já estava antecipadamente guardado. A pensar a memória das ancestralidades afro-indígenas como vanguarda. Uma vanguarda que muitos ainda desconhecem. Com esse outro significado de vanguarda poderemos, quem sabe, retroagir para o futuro, fincar os pés no planeta e assumirmos – com consciência e coragem – que ele é tudo o que temos e tudo o que nos resta. Não temos outro planeta Terra para ir. Não temos outra oportunidade que não essa.
Senhoras e senhores, para finalizar, gostaria de ler o poema “O Homem: As Viagens”, de Carlos Drummond de Andrade. Espero que ele atice o formigueiro de vida humana que existe em cada um e cada uma de vocês. E que ajude a despertar-lhes uma primavera.
“O Homem: As Viagens” Carlos Drummond de Andrade
O Homem, bicho da Terra tão pequeno
Chateia-se na Terra
Lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
Toca para a Lua
Desce cauteloso na Lua
Pisa na Lua
Planta bandeirola na Lua
Experimenta a Lua
Coloniza a Lua
Civiliza a Lua
Humaniza a Lua.
Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte – ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
Pisa em Marte
Experimenta
Coloniza
Civiliza
Humaniza Marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro – diz o engenho Sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
Vê o visto – é isto?
Idem
Idem
Idem.
O homem funca a cuca se não for a Júpiter
Proclamar a justiça junto com injustiça
Repetir a fossa
Repetir o inquieto
Repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
Só para tever?
Não-vê que ele inventa
Roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o Sol, falso touro
Espanhol domado.
Restam outros sistemas fora
do solar a colonizar.
Ao acabarem todos
Só resta ao homem
(estará equipado?)
A dificílima dangerosíssima viagem de si a si mesmo:
Pôr o pé no chão
Do seu coração
Experimentar
Colonizar
Civilizar
Humanizar o homem
Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria de con-viver.
Muito obrigada!
Fonte: Ministério da Cultura