A capital baiana, coração pulsante da cultura afro-brasileira, sedia, a partir desta quinta-feira (29) a Conferência da Diáspora Africana nas Américas. O evento tem como objetivo discutir propostas sobre pan-africanismo, memória, restituição, reparação e reconstrução, que serão apresentadas no 9º Congresso Pan-Africano, no Togo, de 29 de outubro a 2 de novembro. A mesa de abertura contou com a presença das ministras Margareth Menezes, da Cultura; e Anielle Franco, da Igualdade Racial; bem como dos ministros Silvio Almeida, dos Direitos Humanos e da Cidadania; e Robert Dussey, das Relações Exteriores, Cooperação e Integração Africana de Togo.
O evento, que se estende até sábado (31) é promovido pelos governos do Togo, Brasil e Bahia, com apoio da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Instituto Brasil-África.
O Brasil possui a maior população afrodescendente fora da África, com 55,5% da população se identificando como preta ou parda, segundo o Censo Demográfico 2022 do IBGE. Para Margareth Menezes, a cultura é elemento estratégico no fortalecimento de políticas afirmativas, a partir da condição brasileira de país constituído pela diáspora africana.
“A cultura atua como ponte de aproximação e como ferramenta de enfrentamento a desafios comuns em nossos países, como a discriminação, racismo, a desigualdade e a miséria. A cultura é nosso maior ativo para recuperação e reafirmação da dignidade de nossos povos”, afirmou.
Sobre o evento, a ministra ainda complementou. “Essa conferência é um apontamento de que podemos encontrar soluções pan-africanas para nossos desafios e problemas comuns, porque a nossa união é uma de nossas maiores forças”, lembrou.
O reitor da UFBA, Paulo Miguez, ressaltou que os desafios que os territórios da diáspora enfrentam precisam de ações concretas e urgentes para fortalecer as relações com a África, tanto em sua unidade continental quanto em suas particularidades.
“São muitos os desafios que nos cabem enquanto territórios da diáspora, e não há tempo a perder. Cumpre-nos, portanto, fazer avançar a inegociável obrigação de pensarmos e agirmos sobre o presente e o futuro das relações dos nossos países com a África”, declarou Miguez.
Ressignificação
Diáspora africana é o termo usado para descrever a dispersão forçada de milhões de africanos e seus descendentes ao redor do mundo, principalmente como consequência do tráfico transatlântico de escravizados entre os séculos XVI e XIX.
Esse movimento resultou na formação de comunidades afrodescendentes nas Américas, Europa e outras regiões, onde os povos africanos preservaram e transformaram suas culturas, influenciando profundamente as sociedades em que se estabeleceram.
O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, trouxe uma reflexão sobre a ressignificação da expressão, destacando a necessidade de reconstruir a noção de humanidade que, historicamente, foi negada aos afrodescendentes.
“A noção de diáspora africana está diretamente ligada à memória do colonialismo, da escravidão e do tráfico transatlântico de pessoas escravizadas, mas tudo isso pode e precisa ser ressignificado. O Atlântico Negro é um lugar de encontros, de trocas de experiências, de sofrimento, mas também de tecnologia da felicidade, de tecnologia do futuro”, afirmou.
O ministro ainda acrescentou: “Precisamos caminhar por uma nova governança global. Não haverá democracia real sem a participação dos países da diáspora. Uma governança que nos exclua é uma governança que se abre para o fascismo”, explicou Silvio.
Conforme a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, é importante honrar a memória e a luta daqueles que vieram antes, buscando a construção de um futuro de igualdade e justiça. Ela lembrou que o movimento negro no Brasil sempre soube ressignificar sua luta e entender suas raízes para planejar o futuro.
“A importância da recriação do Ministério da Igualdade Racial está em saber de onde a gente veio para que a gente possa dar continuidade e entender onde quer chegar. Esse é o encontro que busca fortalecer as raízes africanas mundo afora e estabelecer um ângulo de diálogo entre representantes do Estado e da sociedade civil dos países da União Africana e das Américas”, ressaltou.
Também compuseram a mesa de abertura o presidente do Instituto Brasil-África, João Bosco Monte e a secretária estadual de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia, Ângela Guimarães.
Diálogos Temáticos
O evento também contou com palestras de especialistas que abordaram questões fundamentais para a diáspora africana, incluindo o desenvolvimento sustentável das nações africanas e das comunidades afrodescendentes nas Américas, com destaque para o Brasil.
Entre os palestrantes, o doutor Gnaka Lagoke, professor assistente de História na Lincoln University e fundador da Africa Alliance for the 21st Century, discutiu o Pan-Africanismo e seu papel no fortalecimento das identidades africanas.
Wlamyra Albuquerque, professora de História do Brasil na UFBA, falou sobre o tema da reconstrução, enfatizando que “é evidente para todos nós que estamos num momento de mudança global tão significativa que demanda de todos nós uma tomada de posição acerca de um novo plano. E esse novo plano está fincado naquilo que é mais fundamental na nossa relação com a África, que são, não somente os nossos vínculos simbólicos, religiosos, afetivos, mas também nossos vínculos com os planos para o futuro”.
A doutora Helena Theodoro, professora do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), abordou o tema da memória, enquanto Epsy Campbell, ex-vice-presidente da Costa Rica e co-fundadora da Coalizão Global contra o Racismo Sistêmico, falou sobre reparação e restituição.
O evento também contou com a presença de representantes do Ministério da Cultura (MinC), como o presidente da Fundação Palmares, João Jorge Rodrigues; a presidenta da Fundação Nacional de Artes (Funarte), Maria Marighella; e a secretária dos Comitês de Cultura do MinC, Roberta Martins.
Cultura
Na parte da tarde, os participantes participaram de uma programação cultural que incluiu uma apresentação de voz e violão com Savannah Lima e uma visita guiada ao Pelourinho e locais históricos de grande importância para a cultura afro-brasileira: a Sociedade Protetora dos Desvalidos, a Associação Filhos de Gandhy, a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e o Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab).
Pan-africanismo
O pan-africanismo é um movimento político, cultural e social que defende a união de todos os povos de origem africana, tanto no continente africano quanto na diáspora, para lutar contra a opressão, o colonialismo e o racismo. Surgido no final do século XIX e fortalecido no século XX, o pan-africanismo promove a solidariedade entre os africanos e seus descendentes ao redor do mundo, visando o fortalecimento econômico, político e cultural das nações africanas e das comunidades afrodescendentes.
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Fonte: Ministério da Cultura