Meu caro jovem procurador do Trabalho, atual ou futuro colega,
Escrevo-lhe esta carta pensando naquele jovem Rodrigo que há 18 anos ingressou no Ministério Público do Trabalho.
Aquele jovem queria mudar o mundo. Ele esperava, na pior das hipóteses, transformar o mundo do trabalho, tão injusto e tão desumano.
O Rodrigo de então dizia a todos, logo no início da carreira, que havia duas coisas boas em ser procurador do Trabalho: ele poderia fazer a diferença, tentando mudar o mundo do trabalho com seus inquéritos e ações, e ainda receber um bom salário para isso. Para um jovem idealista, não poderia estar melhor parado.
Com o tempo, e com a juventude já no retrovisor, entendi que realmente não poderia mudar o mundo. Constatei que às vezes não eram nem mesmo palpáveis ou visíveis as mudanças promovidas pela minha atuação. No entanto, consegui perceber que, se é verdade que não conseguia – e, cá entre nós, nunca conseguirei – mudar o mundo, este se amolda conforme a atuação do Ministério Público do Trabalho.
Em cada ação, em cada inquérito, em cada termo de compromisso firmado, constrói-se a forminha de um mundo melhor. Mas há um segredo: isso só acontece se o procurador acreditar que é possível realmente transformá-lo. Pode reparar que quem recebe a medalha de prata ou de bronze nos Jogos Olímpicos sempre fica com a cara meio feia, porque queria a de ouro. A mesma coisa acontece no Ministério Público do Trabalho: defendemos os princípios por inteiro, às vezes conseguimos cumprir somente parte deles. E ficamos insatisfeitos.
E um procurador é capaz de modificar o mundo – ou moldá-lo – de várias formas. Pode-se resgatar pessoas em condições análogas a de escravo, ou mudar o futuro de crianças na luta pela erradicação do trabalho infantil, retirando-a do ciclo vicioso da pobreza. O duro combate às fraudes nas relações de trabalho pode ser uma via, outra é humanizar o meio ambiente de trabalho. Regularizar o penoso trabalho nos portos, rios e mares ou democratizar o labor na Administração Pública são também formas de colocar uma pedrinha na construção de mundo melhor. Utilizar as armas que detém o Ministério Público do Trabalho na defesa da liberdade – seja no âmbito individual ou coletivo – ou pelejar contra toda forma de discriminação no trabalho também é possível.
Caro jovem, só há um requisito indispensável para um procurador do Trabalho: tem que ter empatia. Tem que gostar e acreditar na humanidade, mesmo que desconfiando dos seres humanos. Tem que amar a raça humana, apesar – e justamente por causa – de todas as suas fragilidades. É preciso entender que as relações de trabalho são, em verdade, relações de poder, e que realmente esse poder é exercido com toda a sua intensidade, reduzindo pessoas humanas a coisas ou mercadorias. É necessário estar consciente que só existe o Ministério Público do Trabalho porque existe o Direito do Trabalho, e que esse ramo só se justifica se buscar civilizar as relações de trabalho, naturalmente bárbaras. Sim, o procurador do Trabalho é um agente anti-barbárie, no constante desmercantilizar do ser humano que trabalha, implementar essa ideia tão etérea que é a dignidade da pessoa humana. Impedir o massacre, fazer o mundo mais civilizado, segurar a mão que pode esbofetear: essa a função do membro do Ministério Público do Trabalho.
Meu caro jovem: se você preenche o requisito da empatia, tem tudo para dar certo nessa carreira. Tem todas as condições para ser feliz no Ministério Público do Trabalho. Vou lhe contar uma história para ilustrar essa potencial felicidade. Há cerca de 3 anos encontrei-me com Evaristo de Moraes Filho, então com 100 anos de idade. Evaristo foi um importante procurador e professor, um exemplo de vida dedicada à luta pelo Direito do Trabalho. Evaristo, nesse encontro, em determinado momento virou-se para mim, e disse: “Ah, valeu a pena viver!”.
Essa é a ideia que gostaria de passar sempre para a frente: quando se luta pelo que se acredita, quando se faz a coisa certa, quando se busca o justo, quando se defende princípios, mesmo com todos os revezes e derrotas, mesmo com os duros e ferozes ataques daqueles que detêm e controlam o poder, mesmo nesta época em que predominam corações duros e relações humanas intermediadas pela fria cibernética, digo-lhe que vale a pena viver! Meu futuro ou atual jovem colega: vale a pena viver quando se faz a vida valer.
Forte abraço,
Rodrigo Carelli
P.S. Por favor, não conta para ninguém, mas eu ainda acredito que vou mudar o mundo, ok?