O cacique Raoni Metuktire, lÃder do povo kayapó e um dos representantes indÃgenas mais reconhecidos internacionalmente, foi condecorado, nesta terça-feira (26), em Belém, com a ordem do cavaleiro da Legião de Honra da França. Entregue pelo presidente francês, Emmanuel Macron, a medalha é a maior honraria concedida pela França aos seus cidadãos e a estrangeiros que se destacam por suas atividades no cenário global.
A Legião de Honra foi criada por Napoleão Bonaparte em 1802 para premiar méritos militares e civis reconhecidos pela República Francesa. O evento, que ocorreu na Ilha do Combu, uma das maiores da capital paraense, marcou o primeiro dia da visita oficial de Macron ao Brasil, que segue até a próxima quinta-feira (28), em uma extensa agenda de compromissos em diferentes cidades brasileiras.
“Caro Raoni, esse momento é dedicado a você. Várias vezes você foi à França e eu me comprometi a vir aqui na sua floresta, estar junto com os seus. Essa floresta, que é tão cobiçada, mas que você sempre lutou para defendê-la durante décadas. O presidente Lula e eu, hoje, fazemos causa comum com um de nossos amigos”, disse Macron em discurso antes de entregar a medalha ao cacique.
Em seu pronunciamento, falado no idioma kayapó e traduzido por um parente, Raoni cobrou ações do governo brasileiro para evitar ameaças ao desmatamento, e pediu que o governo bloqueie o projeto de construção da Ferrogrão. Com 933 quilômetros (km) de extensão, o projeto, ao custo de R$ 12 bilhões, prevê uma ferrovia que ligará Sinop, em Mato Grosso, ao porto paraense de Miritituba. A obra cruzaria áreas de preservação permanente e terras indÃgenas, onde vivem aproximadamente 2,6 mil pessoas.
Projeto de ferrovia
“Presidente Lula, me escuta, eu subi com você na posse, na rampa [do Palácio do Planalto], e eu quero pedir que vocês não aprovem o projeto de construção da ferrovia de Sinop a Miritituba, mais conhecido como Ferrogrão”, afirmou. “Sempre defendi que não pode ter desmatamento, não consigo aceitar garimpo. Então, presidente, quero pedir novamente que você trabalhe para que não haja mais desmatamento e também que você precisa demarcar as terras indÃgenas”, continuou o cacique, que ainda pediu que o governo amplie o orçamento da Fundação Nacional dos Povos IndÃgenas (Funai), órgão federal responsável pela demarcação de terras das populações originárias.
Raoni falou sobre os interesses econômicos na extração dos recursos naturais, que pode inviabilizar a vida no planeta. “Eu nunca concordei com desmatamento, com extração de madeira, de minério e de ouro, e fico preocupado que o homem branco continue fazendo esse tipo de atividade. Fico preocupado que se esse trabalho continuar, podemos ter problemas sérios no mundo”.
Já o presidente Lula afirmou, em discurso, que o Brasil é um paÃs em construção e que a luta pelo direito dos povos indÃgenas, quilombolas e trabalhadores rurais ainda não foi resolvida. O presidente criticou os setores contrários à s demarcações de terras indÃgenas no paÃs e afirmou que seus governos foram os que mais ampliaram a destinação de terras aos povos originários. Â
“É importante lembrar que os conservadores brasileiros, os latifundiários brasileiros, aqueles que são contra a participação do povo, costumam dizer que o povo indÃgena já tem muita terra no Brasil, que tem 14% do território nacional. Todos os dias eles falam isso. O que eles não percebem é que os indÃgenas têm 14% demarcada hoje, mas quando os portugueses chegaram aqui, em 1500, eles tinham 8,5 milhões de quilômetros quadrados, era tudo deles. Então, o fato de terem 14% legalizados é pouco diante do que eles precisam ter para viver, manter a sua cultura e o seu jeito de viver. Eu tenho certeza absoluta que o nosso governo é o que mais demarcou terra indÃgena e vai continuar demarcando terras indÃgenas e parques nacionais, para evitarmos o desmatamento”. Â
Também estiveram presentes na comitiva as ministras dos Povos IndÃgenas, Sonia Guajajara, e do Meio Ambiente, Marina Silva, além da presidente da Funai, Joênia Wapichana, do governador do Pará, Helder Barbalho, e diversas lideranças indÃgenas, incluindo Davi Kopenawa, xamã e lÃder dos yanomamis.
“Todo o trabalho que os povos indÃgenas fazem não é uma agenda localizada, é uma agenda global, uma agenda climática, em defesa das florestas tropicais e do bem-viver no planeta. É um pacto pelo futuro, um pacto pela vida”, destacou a ministra Sônia Guajajara.
Unidade de conservação binacional
O presidente Emmanuel Macron destacou, em uma fala ao final do encontro, que os dois governos têm planos de construir uma unidade de conservação binacional que se estenderia entre o Brasil e a Guiana Francesa (território ultramarino francês que faz fronteira com o Amapá), tornando-se um centro de referência em pesquisas cientÃficas com vistas ao desenvolvimento sustentável. De acordo com o francês, serão investidos US$ 2 bilhões por ambos os paÃses. Â
Por meio de uma declaração intitulada “Chamado Brasil-França à ambição climática de Paris a Belém e além”, os paÃses manifestaram o compromisso conjunto de combate ao desmatamento, proteção da Amazônia, restauração e gestão sustentável de florestas tropicais, e desenvolvimento da bioeconomia, incluindo “mecanismos inovadores de financiamento”.
Na chegada a Belém, Lula e Macron foram, em um barco da Marinha, para a Ilha do Combu, na margem sul do Rio Guamá. O trajeto incluiu a travessia do rio e a navegação por uma área de igarapés, onde os dois lÃderes puderam ter contato com a Floresta Amazônica preservada.
Antes da reunião com indÃgenas, eles ainda acompanharam um exemplo de produção artesanal de cacau e chocolate na região. A ideia, segundo o Palácio do Itamaraty, foi mostrar ao presidente francês a complexidade da questão amazônica e as alternativas de desenvolvimento econômico sustentável que existem.
Na próxima etapa da viagem, Lula e Macron inauguram, na manhã desta quarta-feira (27), o novo submarino brasileiro construÃdo no Complexo Naval de ItaguaÃ, por meio de um acordo de cooperação tecnológica com a França.Â
Fonte: Agência Brasil