Ela olha no espelho e não se reconhece mais. O rosto parece cansado, o humor mudou, a paciência evaporou. A libido sumiu, o sono virou um campo de batalha e o ciclo menstrual desapareceu, mas ninguém explica o porquê. Em vez de acolhimento, ela ouve que está estressada, que precisa relaxar, que “é a vida”. Mas não é “só” estresse, pode ser menopausa precoce e ninguém está falando disso como deveria.
Recentemente, a cantora Naiara Azevedo revelou que está enfrentando essa condição, escancarando uma realidade vivida por milhares de mulheres que, assim como ela, tiveram sua saúde reprodutiva interrompida de forma abrupta. Aos olhos da sociedade, ainda muito cedo. Aos olhos da ciência, uma condição séria que merece atenção imediata.
A menopausa precoce, também chamada de insuficiência ovariana primária, acontece quando os ovários deixam de funcionar normalmente antes dos 40 anos. A estimativa é que cerca de 5% das mulheres passem pela condição, segundo dados da National Library of Medicine, dos Estados Unidos. Nesse processo, o corpo interrompe a produção de hormônios femininos e a menstruação cessa, mesmo que a mulher ainda tenha planos, projetos e sonhos ligados à saúde reprodutiva.
“O que mais ouvimos no consultório é: ‘não sou mais eu’, e ela está certa. Algo mudou, e não é invenção da cabeça”, afirma Fabiane Berta, ginecologista e idealizadora do MYPAUSA, movimento que lidera uma virada histórica na forma de enxergar a saúde feminina no Brasil.
Para Fabiane, o mais grave não é a perda hormonal em si, mas a ausência de preparo e acolhimento para lidar com esse rompimento precoce. “Essa mulher esperava estabilidade e, de repente, se vê atravessada por uma transformação repentina que ninguém avisou que poderia acontecer”.
A especialista ressalta que os sintomas físicos são os mesmos da menopausa natural: interrupção da menstruação, ondas de calor, dificuldade para dormir, secura vaginal. Mas o impacto emocional é ainda mais profundo. “O luto pelo que não foi vivido, a insegurança com o corpo que parece ter mudado de código, a sensação de estar envelhecendo antes da hora, é uma ruptura silenciosa. Como acontece fora do tempo esperado, muitas mulheres demoram a buscar ajuda e vão adoecendo sozinhas”, pontua.
Psicanalista e especialista em saúde mental feminina, Ana Lisboa reforça que os efeitos dessa mudança precoce são devastadores quando não há escuta adequada. “Quando uma mulher se depara com a menopausa precoce, não é apenas o corpo que muda, é a biografia que é atravessada. Aos 36 ou 40 anos, ela ainda se vê no tempo do possível: possível gestar, possível planejar, possível adiar. E, de repente, o corpo encerra um ciclo sem avisar. O impacto psíquico é brutal, porque ela não vive apenas a queda hormonal, mas um luto simbólico por tudo o que não foi, o filho que não veio, o tempo que não foi vivido, a liberdade de escolha que lhe foi arrancada”, explica.
“Trabalhar esse rompimento exige mais do que compreensão clínica, exige escuta profunda, espaço para elaborar esse luto e reconstruir a autoestima. Porque enquanto a medicina cuida do hormônio, é a psique que tenta costurar os pedaços da identidade feminina que se partiu sem aviso”, completa Lisboa.
O diagnóstico exige escuta, empatia e exames hormonais. Em alguns casos, a causa é genética ou está ligada a tratamentos como quimioterapia e radioterapia. Em outros, a origem nunca será conhecida – e isso, por si só, já seria razão suficiente para ampliar o debate. “Precisamos parar de medicalizar a mulher que sofre e começar a olhar com profundidade para o que ela está vivendo”, defende Fabiane.
O tratamento mais comum é a reposição hormonal personalizada, mas ele não pode acontecer sem que antes exista um acolhimento. Informação e diagnóstico mudam trajetórias e a mulher que enfrenta a menopausa precoce precisa de apoio, não de julgamento, nem de frases prontas. “Ela não está exagerando, não está louca e definitivamente, não está sozinha. Quando ela entende o que está acontecendo com seu corpo, começa a resgatar sua autonomia, sua identidade e a sua saúde. Essa é a verdadeira medicina que precisamos praticar”, finaliza Fabiane.
Sobre Fabiane Berta: Médica ginecologista e obstetra especializada em medicina fetal pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de SP. Tem mais de 7 pós-graduações como Endocrinologia, Neurociência, Comportamento, Bioquímica e formações nos EUA na área da saúde feminina como Fisiologia Hormonal Feminina e Estética Íntima. Atua na formação médica, com ações de capacitação e atualização do climatério à menopausa.
Mestranda no núcleo da Endometriose, Dor Pélvica e Menopausa da UNIFESP.
Speaker, pesquisadora e key opinion maker da Fagron Brasil.
PI e Chefe do Steering Committee do Estudo MyPausa, coordenado pela Science Valley.
Science Medical Team – OB-GYN Specialist da Science Valley.
Criadora do MYPAUSA, que propõe um registro nacional da menopausa nos 27 estados do Brasil, com a finalidade de promover uma reforma nacional na saúde feminina pública e privada, que assegure acesso a inovações e tratamentos atualizados, respeitando todas as diversidades regionais.