Um estudo publicado em janeiro na revista científica Nature Câncer trouxe avanços significativos no diagnóstico e prognóstico do câncer de pulmão, especialmente em estágios iniciais. O teste ORACLE (Outcome Risk Associated Clonal Lung Expression), desenvolvido por pesquisadores do consórcio TRACERx, demonstrou ser mais eficaz do que os métodos clínicos tradicionais para prever a sobrevida de pacientes com adenocarcinoma pulmonar.

“O teste analisa um conjunto específico de genes presentes em diferentes partes do tumor, permitindo uma compreensão mais clara de como a doença pode evoluir. Isso supera as limitações das biópsias tradicionais, que frequentemente capturam uma parte muito pequena do tumor e podem levar a diagnósticos menos precisos”, explica Carlos Gil Ferreira, presidente do Instituto Oncoclínicas.

Os pesquisadores avaliaram o ORACLE em 158 pacientes com câncer de pulmão e observaram resultados promissores. O teste foi capaz de prever com precisão quais pacientes tinham maior risco de recorrência ou metástase, fornecendo informações valiosas para guiar estratégias de tratamento mais eficazes. Comparado ao método tradicional de classificação por estágio tumoral (TNM), o ORACLE demonstrou maior eficiência na predição de risco de recorrência, especialmente em pacientes diagnosticados no estágio 1.

“Esse é um ponto crítico, pois atualmente a abordagem padrão para esses pacientes é a cirurgia, sem indicação de quimioterapia. No entanto, até 25% das pessoas nesse estágio enfrentam recorrência da doença, o que indica que algumas poderiam se beneficiar de tratamentos adicionais ou de monitoramento mais rigoroso. O ORACLE permite identificar com precisão quem está em maior risco, ajudando os médicos a adotar estratégias mais personalizadas, como combinar cirurgia e quimioterapia ou intensificar o acompanhamento”, afirma Carlos Gil.

Impacto no Brasil

O câncer de pulmão é o terceiro mais comum no Brasil, com mais de 30 mil novos casos anuais, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA). Embora os avanços no diagnóstico e tratamento tenham melhorado as taxas de sobrevida, ainda há grandes desafios, principalmente nos estágios avançados da doença. Ferramentas como o ORACLE podem ajudar a mudar esse cenário, oferecendo diagnósticos mais precisos e aumentando as chances de cura em estágios iniciais.

Para Carlos Gil Ferreira, o Brasil tem potencial para adotar inovações como essa, mas será necessário superar desafios relacionados ao acesso. “Os grandes centros oncológicos no país já possuem tecnologias que poderiam viabilizar o uso desta ferramenta quando validada no futuro. No entanto, democratizar o acesso é essencial para que pacientes em regiões menos desenvolvidas também possam se beneficiar. Além disso, o impacto econômico seria positivo, já que tecnologias como esta ajudam a evitar tratamentos ineficazes e reduzem o número de recidivas mal diagnosticadas, tornando o sistema de saúde mais eficiente”, ressalta.

Os próximos passos para validar o ORACLE incluem estudos com populações maiores e comparações entre tratamentos tradicionais e abordagens guiadas pelo teste. A expectativa é que ele se torne uma ferramenta essencial na oncologia de precisão, permitindo intervenções mais eficazes e personalizadas.

“Estamos entrando em uma nova era no tratamento do câncer de pulmão. A ciência está avançando para oferecer soluções práticas e acessíveis que realmente impactam a vida dos pacientes. É hora de o Brasil se preparar para incorporar essas inovações e liderar essa transformação”, conclui Carlos Gil.

 Sobre Carlos Gil Ferreira

 

Carlos Gil Ferreira é oncologista com graduação em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1992), residência em Oncologia Clínica pelo INCA (1997) e doutorado em Oncologia Experimental pela Free University of Amsterdam (2001). Entre 2002 e 2015, foi pesquisador sênior no INCA, onde liderou iniciativas importantes como a criação do Banco Nacional de Tumores e DNA. Desde 2018, é Presidente do Instituto Oncoclínicas e Diretor Científico do Grupo Oncoclínicas, assumindo também a posição de Chief Medical Officer (CMO) em 2021. Foi Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) de 2022 a 2024. Internacionalmente, é membro do Board of Directors da International Association for the Research and Treatment of Lung Cancer (IALSC) e do International Affairs Committee da ASCO. Foi editor de obras importantes como “Oncologia Molecular” e recebeu vários prêmios, incluindo o Partners in Progress da ASCO em 2020. Sua atuação foca principalmente em câncer de pulmão, ensaios clínicos e biomarcadores.