Um estudo liderado pelo professor Diego Rovaris, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), revelou uma ampla sobreposição genética entre o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e a dor crônica de múltiplos sítios. Os resultados, publicados no periódico Biological Psychiatry Global Open Science, sugerem que as duas condições compartilham mecanismos biológicos relacionados ao neurodesenvolvimento, o que pode redefinir a forma como ambas são compreendidas e tratadas na prática clínica.
O trabalho tem como primeiro autor o pesquisador Nicolas P. Ciochetti, doutorando do laboratório PhysioGen Lab (ICB-USP), e foi realizado em colaboração com instituições como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), no contexto da Rede TDAH Brasil — a maior iniciativa de pesquisa sobre TDAH em adultos da América Latina.
Conexão genética – A partir de dados genéticos de larga escala, com amostras que somam até 766 mil indivíduos, os pesquisadores identificaram que a correlação genética entre TDAH e dor crônica é três vezes maior do que entre TDAH e enxaqueca (valores de correlação genética de 0,6 e 0,2, respectivamente). O estudo localizou 12 regiões do genoma compartilhadas entre TDAH e dor crônica, contra apenas uma região comum com a enxaqueca.
Além disso, mais de 80% das variantes genéticas compartilhadas entre TDAH e dor crônica apresentaram efeitos na mesma direção, ou seja, predisposições genéticas para TDAH também estavam associadas a maior risco de dor.
“Esses dados mostram que não se pode mais tratar a dor crônica apenas como uma condição somática. Há um componente ligado ao desenvolvimento do sistema nervoso, que se conecta diretamente com a biologia do TDAH”, explica Rovaris. “Isso muda a forma como devemos abordar o diagnóstico e o tratamento de ambos.”
Metodologias e validação – O estudo aplicou diferentes abordagens pós-GWAS (estudos de associação por varredura genômica), como LAVA, MiXer, conjFDR e análise de Randomização Mendeliana, para investigar as relações causais e o compartilhamento de variantes genéticas e de vias biológicas. Também foi utilizada uma amostra independente de 1.660 indivíduos brasileiros, o que permitiu validar os achados genéticos e associá-los a características clínicas, como gravidade dos sintomas de TDAH e presença de comorbidades como transtorno bipolar e dependência de substâncias.
Essa amostra apontou que os escores genéticos de risco para dor crônica estavam associados à gravidade dos sintomas de TDAH, especialmente impulsividade e hiperatividade, e a alterações estruturais no cérebro — como áreas corticais e subcorticais — compatíveis com o que se observa em pessoas com TDAH.
Implicações clínicas e terapêuticas – Dois relatos de caso mencionados pelos pesquisadores ilustram o potencial impacto das descobertas: pacientes com dor crônica de longa data tiveram redução dos sintomas de dor após iniciarem tratamento para TDAH. Embora sejam apenas relatos iniciais, eles reforçam a hipótese de que medicamentos usados no tratamento do TDAH podem atuar também sobre os mecanismos que causam dor.
“Esse estudo abre possibilidades para o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas integradas, que considerem simultaneamente a dor e os sintomas do TDAH”, afirma Nicolas Ciochetti. “Ao investigar essas vias biológicas compartilhadas, podemos chegar a estratégias de tratamento mais eficazes para uma população que sofre com múltiplas condições associadas.”
Um novo olhar sobre o TDAH – O TDAH é uma condição altamente comórbida, associando-se frequentemente a depressão, transtorno bipolar, ansiedade, transtornos de aprendizagem e uso de substâncias. Nos últimos anos, estudos também vêm indicando sua associação com doenças do sistema imune, obesidade, diabetes tipo 2 e outras condições somáticas. O novo estudo reforça essa visão integrada, ao demonstrar que a dor crônica compartilha bases genéticas com o TDAH tão fortes quanto a depressão, o que pode justificar a alta frequência dessa queixa em pacientes com o transtorno.
“Estamos propondo uma mudança de paradigma. A dor crônica pode e deve ser considerada também como uma condição de saúde mental em muitos casos”, conclui Rovaris.

Artigo original: Genetic Interplay Between ADHD and Pain Suggests Neurodevelopmental Pathways and Comorbidity Risk, foi publicado na Biological Psychiatry Global Open Science, em 2025