Entre os tecidos do corpo humano com maior capacidade de regeneração natural após um trauma ou intervenção cirúrgica, os ossos requerem, na maior parte das vezes, cuidados simples para se consolidar e voltar à sua função normal – basta um período de imobilização por meio de gesso, por exemplo. Para os casos em que a extensão do defeito ultrapassa a capacidade de reparação, são necessários tratamentos adicionais. É nessa frente que atuam os pesquisadores do Bone Research Lab, ligado à Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (Forp-USP), com apoio da Fapesp.
“Nosso objetivo central é investigar células-tronco como ferramenta em terapias para promover a regeneração óssea em substituição aos enxertos, que podem gerar problemas como dor e inflamação, e até a não integração com o osso do paciente, ou seja, a rejeição do enxerto”, conta Adalberto Luiz Rosa, professor e chefe do Departamento de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial e Periodontia da Forp-USP.
“Entretanto, ao iniciar os trabalhos em modelo animal, com células-tronco mesenquimais, não observamos o preenchimento completo e nem o restabelecimento do tecido ósseo original e passamos a buscar alternativas, como a modificação das células para torná-las mais eficazes.”
Uma dessas novas possibilidades é a utilização de células-tronco editadas geneticamente (com alteração do DNA) por meio da técnica Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats (CRISPR) para expressar proteínas que atuam na formação óssea, entre elas a proteína morfogenética óssea 9 (BMP-9). Ao testar essas células, os pesquisadores constataram que defeitos ósseos criados no crânio de ratos e tratados com injeção local dessas células exibiram maior formação e densidade mineral óssea, detectadas por microtomografia computadorizada, do que defeitos tratados com células que não expressavam BMP-9. Foi a primeira vez que isso foi confirmado na comunidade científica.
Os melhores resultados foram atingidos, no entanto, quando o meio condicionado, contendo o secretoma (conjunto de proteínas expressas e secretadas no espaço extracelular, neste caso) dessas células modificadas, foi injetado localmente em defeitos ósseos criados no crânio de camundongos. Comparado ao secretoma de células que não expressavam BMP-9, o secretoma das que expressavam aumentou o reparo ósseo, demonstrado pelos maiores volume e superfície óssea avaliados por microtomografia computadorizada. Esses achados abrem caminho para o desenvolvimento de novas terapias para o tratamento de defeitos ósseos baseadas em células e seus derivados.
“Apesar de as células-tronco terem um papel importante – mesmo que não muito bem esclarecido – no processo de formação óssea, essa atuação não é direta: nossa hipótese é que o maior responsável por isso seja o secretoma”, diz Rosa.
Próximos passos
Parte dos dados obtidos pelos pesquisadores foi divulgada em artigos nos periódicos Journal of Cellular Physiology e Gene Therapy, mas eles acreditam que ainda há um longo caminho pela frente a ser percorrido.
“Mais pesquisas devem ser feitas para oferecermos subsídios a estudos clínicos, com pacientes, para transformar o método em uma terapia adicional para os casos graves, em que a consolidação da fratura ou a regeneração do defeito ósseo não são obtidas por meio dos tratamentos convencionais”, acredita Rosa.
“Para isso, é necessário refinar todo o processo para atingir a regeneração óssea completa. Uma dessas possibilidades seria o isolamento de componentes do secretoma celular com maior potencial osteogênico para serem utilizados no tratamento dos defeitos ósseos.”