Em seu discurso na 3ª Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos (UNOC3), realizada em Nice, na França, entre os dias 9 e 13 de junho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se posicionou sobre a atuação do Brasil em relação à proteção dos ecossistemas marinhos, destacando que “é impossível falar de desenvolvimento sustentável sem incluir o oceano” e que “sem protegê-lo, não há como combater a mudança do clima”.
Diante de autoridades internacionais, como o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, e os presidentes da França, Emmanuel Macron, e da Costa, Rica Rodrigo Chaves Robles, Lula firmou sete compromissos nacionais, como a proteção de ecossistemas costeiro-marinhos e o incentivo à pesca sustentável.
O presidente também declarou: “o Brasil está comprometido a ratificar o Tratado do Alto-Mar ainda neste ano, para assegurar a gestão transparente e compartilhada da biodiversidade além das fronteiras nacionais”.
Países costeiros, como o Brasil, têm autoridade para proteger e gerir o ambiente marinho até o limite das suas Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE), em uma área que se estende da linha de costa até 200 milhas náuticas. No entanto, a maior parte do oceano – cerca de 95% – está fora da área de jurisdição de qualquer país, nas chamadas águas internacionais, ou no alto-mar.
Após 19 anos de negociações, o Acordo sobre a Conservação e o Uso Sustentável da Biodiversidade Marinha em Áreas além da Jurisdição Nacional (BBNJ, na sigla em inglês), também conhecido como Tratado do Alto-Mar, foi formalmente adotado pela ONU em junho de 2023, durante a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM). Ainda naquele ano, mais de 115 países assinaram o Tratado, incluindo o Brasil. Mas, para que ele entre em vigor, é preciso que pelo menos 60 nações o ratifiquem. Até o momento, 51 países já o fizeram.
Por que esse Tratado é importante
Este é um Tratado fundamental para fortalecer a governança global dos oceanos, assegurar a gestão transparente dos recursos e da biodiversidade marinha em águas internacionais e garantir a repartição justa e equitativa dos benefícios advindos dos recursos genéticos marinhos, como, por exemplo, descobertas farmacêuticas. Outro ponto importante é que ele se baseia na participação social, reconhecendo a legitimidade de povos e comunidades tradicionais, trazendo um relevante paralelo entre conhecimento tradicional e conhecimento científico.
“O alto-mar é um bem comum global: pertence a todos e a ninguém ao mesmo tempo. Por isso a governança desses ambientes é tão desafiadora: ela precisa ser multilateral, coordenada e com foco na preservação do oceano como um todo, e não nos interesses específicos de cada nação. Nesse sentido, é crucial que o Brasil exerça o seu papel enquanto liderança global e ratifique o quanto antes este Tratado”, explica o diretor-geral da Oceana, Ademilson Zamboni.
“O presidente Lula afirmou, em seu discurso na UNOC3, que a criação da Convenção do Direito do Mar representa uma das maiores conquistas da diplomacia mundial. Ele está correto nessa avaliação. Então, cabe a nós, enquanto defensores do meio ambiente e da diplomacia, exigir que o principal resultado do pós-Convenção seja a efetivação do BBNJ, e que a promessa brasileira seja efetivamente cumprida, inclusive inspirando outros países a seguirem pelo mesmo caminho”, defende o oceanólogo.
O acordo não menciona especificamente algumas graves ameaças aos oceanos, como sobrepesca, mineração ou poluição por plásticos, e não substituirá outros acordos ou organismos existentes que regulam o alto-mar, como a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA) ou as organizações regionais de ordenamento pesqueiro, como a Comissão Internacional para a Conservação dos Atuns do Atlântico (ICCAT) – da qual o Brasil é membro.
Corrida contra o tempo
As discussões sobre o Tratado tiveram grande destaque ao longo da UNOC3. Segundo declaração do enviado da presidência francesa para o evento Olivier Poivre D’Arvor, um dos principais objetivos da Conferência era, justamente, garantir a ratificação dos 60 países até o fim deste ano para que, ainda em 2026, seja realizada a primeira Conferência sobre Alto-Mar. A urgência se dá pelo fato de que ele é focado na proteção de habitats e na biodiversidade marinha, contribuindo para a meta global de se proteger 30% dos oceanos até 2030. “Estamos em uma corrida contra o tempo”, alerta Zamboni.
Uma vez signatário, o Brasil precisa, agora, ter a ratificação aprovada pelo Congresso Nacional. Recebido na Câmara dos Deputados em novembro de 2024, o Tratado atualmente aguarda parecer do relator deputado Lucas Redecker (PSDB-RS), na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN). Após aprovação nesse colegiado, ele será analisado por outras cinco comissões e, posteriormente, encaminhado para a apreciação do Senado.