Em que medida um projeto social pode influenciar a vida de uma criança ou de um jovem? No caso de Gabriela Macena foi de muita transformação. Ela foi aluna no Instituto Tear, que tem sede na Tijuca, bairro da zona norte do Rio, e atualmente, além de arte-educadora, é coordenadora do Mundaréu de Brincadeira, uma das ações desenvolvidas na instituição.
“O mais interessante nisso é perceber a minha formação continuada na vida, e perceber que fui aluna e continuo aprendendo nesse processo de formação de vida, em um contexto de aprendizagem integral. É muito bacana perceber a confiança no meu trabalho, o quanto eu aprendi lá e o que eu já posso também compartilhar com outras pessoas”, disse Gabriela, em entrevista à Agência Brasil.
O Tear, que é um centro de cultura, arte e educação, considerado referência no Rio de Janeiro e completa 45 anos, foi criado com o propósito de “contribuir com o desenvolvimento humano, nas dimensões éticas e estéticas, por meio do trabalho com a cultura, arte e educação, visando à transformação social, na luta por uma sociedade justa, democrática, participativa e sustentável”, informa em seu site. As informações para participação nos projetos do Tear podem ser obtidas por meio das redes sociais da instituição.
“O nosso trabalho sempre foi no sentido interdisciplinar, quando a gente fala da arte não é só com a técnica. Estamos falando com a condição humana da gente reinventar realidades. Neste sentido, passa muito mais além de coisas informativas ou técnicas, passa pela nossa condição humana. São características importantes que moveram o Tear e trouxeram a distinção”, apontou a fundadora do Tear Denise Mendonça, em entrevista à Agência Brasil.
Nos anos de existência, o Tear desenvolveu projetos direcionados a educadores, crianças e jovens de comunidades e já impactou mais de 15 mil crianças e famílias, mobilizou nove mil educadores. O reconhecimento do trabalho veio na conquista de, entre outros prêmios, o Cultura Viva RJ, Prêmio Escola Viva, 2ª edição Prêmio Cultura Viva (SPPC/MinC) e Viva Leitura da Organização dos Estados Ibero-americanos.
Transformações
Gabriela Macena observa, nas crianças e jovens que frequentam o projeto, as transformações pelas quais passou ao longo do tempo. “Eu vejo a oportunidade de até elevar a autoestima criativa. Da gente apoiar outras pessoas para que elas tenham condições de perceber a importância da arte e da educação. Desvendar e criar sobre quem a gente é de fato. Para mim, a importância do Tear foi me descobrir fazendo arte, dançando, porque eu era de uma companhia de dança e teatro e a gente tinha uns espetáculos. Foi uma oportunidade de eu descobrir quem eu era de verdade enquanto dançava”, contou, revelando ainda que a partir daí foi estudar artes visuais.
“É um pouco essa ideia de fortalecimento pessoal, individual e a partir disso trabalhar com o que tem a ver comigo. As coisas que eu criei a partir das minhas experiências no Tear, como as interações poéticas”.
A professora de artes integradas acompanha o envolvimento das crianças e jovens nas ações que desenvolvem no Tear. “É interessante porque a gente consegue reconhecer o trabalho de autonomia criativa que não necessariamente forma artistas, mas forma cidadãos, pessoas que vão lidar com as questões da vida de uma forma talvez mais poética com mais recursos”, disse.
Como coordenadora do Mundaréu de Brincadeiras, que leva ocupações lúdicas a comunidades quilombolas, caiçaras, indígenas e de favelas, por meio de jogos, contação de histórias e valorização de saberes tradicionais, ela avaliou que sendo itinerante o projeto permite passar por vários territórios investigando diversos contextos da infância. Já com o Artes Integradas, outro projeto que participa e que é desenvolvido no quintal da sede, a professora afirmou que a oportunidade é trabalhar as narrativas do contato dos alunos com a natureza.
Biblioteca
Denise Santos, moradora do Salgueiro, morro próximo à sede do Tear, se aproximou do projeto em um encontro de redes que o Instituto realizou no Sesc Tijuca e foi o ponto de partida para ações na comunidade, principalmente na Biblioteca Comunitária Jurema Gomes Baptista. “Nós fizemos o Pé de Livro nessa parceria, e o Tear também fez um documentário do grupo cultural Caxambu do Salgueiro. Nosso contato já vem de anos”, explicou.
A agente cultural falou com entusiasmo da iniciativa realizada por jovens que fizeram um mapa com diagnóstico do Salgueiro para identificar todos os pontos de cultura que existem na comunidade, como a Rádio Se Liga Salgueiro.
“É uma rádio comunitária, não é uma rádio web, FM, é uma rádio poste e, através dessa rádio, a gente faz programa de identificação da comunidade, conta histórias da comunidade que fica ligada. A gente traz para este público a questão das fake news, do meio ambiente, dos impactos climáticos e como eles podem também atingir a nossa comunidade. A gente fala do racismo ambiental, um monte de coisas”, afirmou.
As atividades no Salgueiro ocorrem na Biblioteca Jurema Gomes Baptista, nome dado em homenagem a uma senhora que por muito tempo foi explicadora, atuava como professora na comunidade, inclusive teve Denise como aluna. “A gente a homenageou em vida para ver que o trabalho deu resultado. Em cima da Biblioteca tem uma quadra onde a gente faz atividades juntamente com o Tear, como o Mundaréu de Brincadeiras. Esse Pé do Livro foi em uma pracinha próxima à biblioteca”, comentou, lembrando que o acervo de livros começou com doações dos próprios moradores do Salgueiro.
“Essa troca do Tear com as comunidades para a gente é muito importante porque traz uma bagagem de conhecimento que eles têm para o público infanto-juvenil. Agrega bastante até para gente adulta que aprecia um livro, mas não tem essa maneira do Tear de trazer essa magia para contar histórias e resgatar brincadeiras que se perderam no tempo em função da tecnologia”, disse, destacando que nota transformação nas crianças que participam das atividades. “Eles comentam, querem saber quando vai ter de novo”.
Denise que é PCD, pessoa com deficiência, não enxerga de um olho e o outro tem visão parcial, destacou a realização de atividades para a inclusão social. “Eu só enxergo com caixa bem alta [tipo de letra maior]. Até então, as crianças não sabiam que eu era PCD, então trouxemos essa questão do livro PCD, falamos da diversidade das pessoas PCDs para eles, porque na nossa composição não tem criança PCD nesse nível do meu. Passei para eles quais são as dificuldades; trouxemos também o que são as crianças autistas; e começamos a trabalhar essa parte, que elas têm que acolher o outro, o diferente. Trouxemos acervo de braille para a Biblioteca”, afirmou.
Outro projeto importante do Tear é o Tecelares de Leitura, que por meio de oficinas e encontros literários, forma professores e agentes de leitura dos morros do Salgueiro, Formiga, Borel e São Carlos. “No caso dos adultos a gente tem uma centralidade na formação de educadores. A gente precisa estar sempre buscando esses entrelaços com o campo da educação. É uma organização sem fins lucrativos, mas com o compromisso de estar falando com outras organizações do campo formal. Uma grande parceria que a gente sempre manteve foi com as escolas, sobretudo púbicas”, disse a fundadora do Tear.
Integração
Denise Mendonça adiantou que no dia 2 de agosto, a sede do instituto vai receber integrantes das comunidades do Rio de Janeiro. “Elas vão brincar juntas. Crianças que vêm de vários lugares do Rio de Janeiro vão se encontrar no Tear”, contou animada.
“Vai ser uma atividade ótima, vai ter integração com crianças de outras comunidades. Vai ter aquela energia diferente”, completou Denise Santos.
Recursos
O financiamento dos projetos é uma dificuldade para o Tear, que tem se mantido, em parte, por meio de editais com os quais consegue os recursos necessários para as atividades. Como ocorreu com os projetos Mundaréu de Brincadeira e o Tecelares de Leitura.
“O que mais traduz o Tear é a prática de um trabalho que conecta a gente com a gente mesmo, com o outro e o mundo. O sentido da conexão que somos diversos. É a grande chave para a gente estar aí passando por tudo isso com portas abertas, teve a pandemia. A gente vai se reinventando em formas de trabalho e de chegar ao público. O Tear como um espaço que se pretende atender camadas sociais de baixa renda e vulnerabilidade, menorizados, depende de apoios, de projetos, de doações, para poder continuar”, indicou as dificuldades em manter a sustentabilidade das atividades.
Depois de quatro mudanças, a sede do Tear, agora é no número 168 da Rua Pereira Nunes, na Tijuca, onde segundo a fundadora, tem um quintal brincante necessário para as crianças.
“A gente vem recebendo muitos alunos, sobretudo, crianças, adolescentes e jovens com deficiências ou com transtornos. Então mais do que nunca esse espaço da natureza contribui profundamente para trabalhos inclusivos que a gente vem desenvolvendo nos últimos dez anos”, disse.
Neste momento, o Instituto está em busca de parceiros para dar continuidade aos projetos e ampliar o alcance das ações socioculturais gratuitas. “A gente tem muitos desafios, mas felizes e gratos porque o trabalho do Tear é regenerante”, concluiu.
Fonte: Agência Brasil