Há dois momentos da vida que todos os seres humanos da história do planeta compartilham. Todos eles nasceram e todos eles morrerão. Se a forma de se despedir da existência é tão diversa, a de chegar costuma ser menos variada. A grande maioria dos nascimentos se dá por parto normal ou cesárea.

E se em 2018 a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o Brasil passava por uma epidemia de cirurgias desnecessárias, um grupo cada vez mais crescente de mães está decidindo pelo parto não só natural, mas humanizado, com uma série de recursos para que a experiência seja mais agradável para a mãe e o bebê. Num retorno ao parto ancestral e que respeita o ritmo do corpo materno, a prática conta com a ajuda das doulas e de novas estruturas hospitalares que se adaptam a um procedimento mais humano.

Alegria e responsabilidade
Decidir entre o parto natural e a cesárea, decidir sobre a analgesia e as práticas que serão tomadas durante e logo após o nascimento do bebê. Tudo isso define o parto humanizado, aquele em que as vontades da mãe são respeitadas. Muitas instituições trabalham com a humanização dos ambientes e do atendimento. Na região, porém, essa modalidade só ocorre com a organização da gestante, que deve se informar e elaborar um plano de parto em acordo com a casa de saúde e os médicos.

A psicóloga Camila Deufel, de 30 anos, não havia planejado a gravidez. Em sua profissão, ela já tivera contato com o tema e idealizava um parto natural, para o qual se preparou com muito estudo antes de tomar suas decisões. Ao se aprofundar no tema, ela percebeu como existe um direcionamento para a cirurgia. “A cesárea é uma maravilha da medicina, é incrível que possa existir essa ferramenta para aqueles que dela necessitem. Existe aquela máxima de que mulheres sabem parir e bebês sabem nascer, que foi como um mantra para mim. Mas ao longo dos anos, pela ciência médica, fomos sendo afastadas dessa natureza.”

Aos três meses de gestação, Camila entrou em contato com a doula e enfermeira obstétrica Andrea Fabiane Bublitz, com quem se encontrou mensalmente, recebeu orientações de estudos e para a elaboração do plano de parto. Em março de 2019, chegou o momento tão esperado. Com contrações, a gestante passou a madrugada ouvindo música ou assistindo a séries sentada em uma bola de pilates. Na manhã, com as contrações ritmadas, decidiu chamar Andrea, a mãe, a irmã e a doula Micheli Nunes Pommerehn, que estava acompanhando Andrea. “Foi muito legal passar por esse momento em casa, com pessoas importantes pra mim, com as quais eu me sentia totalmente à vontade, na segurança do meu quarto. A Andrea e a Michele foram me orientando, aplicando compressas quentes, me examinando, me cuidando física e emocionalmente. Me senti muito segura.”

Foi só no fim da manhã, com a dilatação de sete centímetros, que ela foi levada ao hospital, onde tomou um banho quente. “Me sentei na banqueta de parto, que te auxilia a ficar em uma posição quase de cócoras, coloquei a mão e senti a cabeça do bebê.” Camila não recebeu ocitocina (hormônio sintético), nem anestesia, e não foi feita a episiotomia (incisão no períneo). A bebê, que recebeu o nome de Liza, não foi banhada e permaneceu no colo da mãe, que logo conseguiu se locomover para tomar banho sozinha. “Me senti muito dona de mim, muito empoderada e feliz por saber que o primeiro contato da Liza com o mundo não foi violento, mas sim respeitoso e rodeado de muito afeto.”

Camila idealizava o parto natural da filha Liza

O papel da doula
Parte da história de Camila e Liza, Micheli Fabiane Nunes Pommerehn, de 29 anos, formou-se em Enfermagem há seis anos. Ela conheceu a profissão quando se preparava para engravidar e realizou a formação de doula. Seu próprio parto humanizado, do filho Johann, foi o início de uma nova jornada profissional. “Humanizar é permitir que a mulher seja a protagonista, onde a fisiologia natural do parto seja respeitada. É uma equipe que acolhe e respeita as escolhas, baseando a assistência em evidências científicas atualizadas, visando sempre a segurança da mulher e do bebê”, explica. Para ela, a cesárea também pode ser um procedimento humanizado quando bem indicada.

Micheli explica que a doulagem não é física, mas também de presença e apoio emocional. “A doula não faz nenhum tipo de procedimento, temos que ter cuidado e tentar proporcionar um ambiente seguro. No puerpério, também podemos acompanhar e promover escuta, incentivo e ajuda, se necessário.” Com a nova carreira iniciada em 2019, ela já acompanhou seis partos e dez gestações.

Fonte: Gaz