Novo presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL) tem agora o desafio de garantir a governabilidade. O trabalho, já em curso nos bastidores, envolve de imediato garantir a aprovação do Orçamento Geral da União (OGU) de 2019 até 20 de dezembro. A aprovação do OGU é o item primeiro de uma agenda econômica mínima para o início do mandato, mas é apenas o primeiro passo.

Simultaneamente, é preciso pensar à frente e garantir a governabilidade com as eleições das Mesas Diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado em fevereiro. O presidente da Câmara é o responsável, com a caneta, pelo arquivamento de qualquer pedido de impeachment, pela construção dos acordos com lideranças para definição da ordem de votação de projetos no plenário.

E em último estágio, também por prerrogativa garantida pelo regimento interno, por pautar sozinho matérias para votação quando não há entendimento mas há necessidade. E um presidente do Senado – e também do Congresso Nacional – não é menos importante em um sistema bicameral. Presidentes do Legislativo aliados, ou ao menos comprometidos com a ordem institucional, são essenciais para a governabilidade.

Câmara dos Deputados

Abertas as urnas no primeiro turno, a eleição de uma bancada de 52 deputados deu aos aliados de primeira ordem de Bolsonaro, eleitos por um partido nanico que teve crescimento vertiginoso, a crença de que seria possível conquistar a presidência da Câmara com facilidade. Os 52 votos do PSL são essenciais, mas não são suficientes. Cientes de que a renovação das Casas Legislativas é uma elemento favorável, interlocutores do capitão reformado que já negociam com nomes da “velha política”, com o Centro sem o qual não será possível governar. A busca é por um nome de consenso, mas silenciosamente e até que esse nome se firme no cenário político, os negociadores do presidente eleito estimulam o surgimento de outras candidaturas.

O cenário na Câmara já conta com cinco nomes. O PT de Haddad, que elegeu a maior bancada com 59 deputados, tem a prerrogativa da indicação de um candidato. Não existe a menor chance do PT não lançar nome. Até este domingo, a prioridade dos petistas estava em buscar votos na eleição direta para presidente. Derrotados, a eleição indireta para o comando da Câmara será a prioridade.

O nome não está definido, mas haverá um petista na disputa em 1o de fevereiro que, considerados os eleitos pelos partidos que compuseram a chapa ou apoiaram Haddad no segundo turno (PT-PCdoB-PROS-PSB-PDT-PCdoB-PSOL-REDE), numericamente conta com apoio de 145 votos. O montante também não é suficiente para uma vitória em um processo eleitoral que exige 257 votos mínimo para vencer em primeiro turno ou maioria absoluta de presentes se a eleição indireta for para uma segunda rodada de votação.

O Centro articula a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ). Depois de desistir da corrida ao Planalto, o atual presidente da Câmara nunca escondeu o desejo de permanecer no comando da Casa nos dois primeiros anos do novo governo. Maia se apresenta como um nome de consenso, de experiência para conduzir os trabalhos em um universo de novatos. E como um nome que vai conseguir equilibrar a “agenda de costumes” de Bolsonaro à inegociável agenda econômica. Não se apresenta como um aliado incondicional, mas como um aliado institucional, e esse pode ser seu trunfo na disputa.

Em outra frente, há o deputado Capitão Augusto (PR-SP). Policial Militar, integrante da “bancada da bala” e com o discurso de priorização da “agenda da família e da Pátria”, Capitão Augusto diz contar com os votos fechados da bancada do PR (33 eleitos e mais cinco esperados por meio da migração dos nanicos atingidos por cláusula de barreira), dos membros da Frente da Segurança Pública, além de católicos e evangélicos que compõem a também poderosa bancada da Bíblia.

O deputado PM seria o aliado incondicional, garante lealdade inquestionável e a priorização da pauta de costumes – mas compromete-se a pautar temas econômicos com celeridade. No entanto, ao contrário do que alardeia, enfrenta resistências internas. Interlocutores do PR dizem que o partido está rachado e a definição de apoio a Augusto só ocorrerá na última semana antes da eleição da mesa em janeiro porque parte expressiva do partido quer seguir com o Centro e manter a aliança para fortalecer a campanha de Rodrigo Maia.

O quarto nome na mesa de negociações é Alceu Moreira (MDB-RS). Típica candidatura solo. Sem apoio nem resistência do próprio partido. Os mais experientes avaliam que a ideia de concorrer ao cargo mira em uma das demais cadeiras da Mesa Diretora, ou na comissão permanente que será reservada ao partido em 2019.

O último nome é Kim Kataguiri (DEM-SP). Eleito para seu primeiro mandato, o líder do Movimento Brasil Livre foi apresentado a Jair Bolsonaro por deputados do Progressistas que não querem se submeter ao comando nacional “que representa a velha política”. Tem dois empecilhos a vencer para concorrer de fato: o próprio partido, que quer a reeleição de Maia, e o conjunto de deputados reeleitos que não admite sequer discutir a possibilidade de um “menino” assumir o comando da Casa.

Senado

Bolsonaro e seus interlocutores estão cientes da importância de acomodar um aliado no Senado. No passado recente, a Casa Revisora foi um “ambiente de entendimento” por excelência. Se foi o responsável pelo afastamento e posterior cassação da ex-presidente Dilma Rousseff, também foi o Senado que permitiu que a petista fosse candidata em 2018 e aprovou a maior parte das demandas de Michel Temer em seu curto mandato. Todos os projetos, Medidas Provisórias, acordos internacionais e Propostas de Emenda Constitucional de autoria do Executivo tem tramitação iniciada na Câmara – o Senado conta com um conjunto de prerrogativas exclusivas.

É dos senadores a decisão, em votações secretas, algumas por maioria absoluta, sobre indicações para a presidência e diretorias do Banco Central, agências reguladoras, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), Comissão de Valores Mobiliários (CVM), tribunais superiores, membros dos conselhos nacional de Justiça e do Ministério Público, do chefe do Ministério Público (procurador-geral da República) e embaixadores. E ainda há as resoluções do Senado relativas a alterações de ICMS, que exigem votos de pelo menos 54 dos 81 senadores.

Sem governabilidade no Senado, de nada adianta o controle da Câmara. Bolsonaro conta com apoio declarado de 36 senadores. Além dos quatro eleitos pelo PSL, há os três nomes do PTB, e os cinco senadores do PODEMOS. Completam a frente Bolsonaro no Senado quatro dos sete membros da bancada do PSD em 2019; quatro emedebistas; três tucanos; três democratas; quatro progressistas; dois senadores do PR, uma senadora da bancada do PHS, e os eleitos pelo PROS, PRP e PRB.

O número pode crescer? Sim, sobretudo em questões econômicas, onde as diferenças de um grupo de senadores que prefere se declarar “independentes” tendem a ser reduzidas. Mas ainda é preciso chegar aos 41 votos para a vitória e primeiro turno na eleição da Mesa.

Confirmada nas urnas a vitória de Bolsonaro, a resposta sobre a governabilidade virá dos 26 nomes que hoje estão em uma espécie de zona cinzenta. Neste grupo estão os 8 membros da maior bancada do Senado – o MDB. O partido tem dois nomes ventilados para a disputa: Renan Calheiros (AL) e Simone Tebet (MS), hoje líder da bancada.

O presidente nacional do partido, Romero Jucá (RR) – que não foi reeleito – diz que o partido ficará fora do governo e vai discutir votação por votação, mas já foi desautorizado pelos quatro bolsonaristas no partido e tende a ser novamente questionado publicamente por nomes como Calheiros (AL) e Eduardo Braga (AM).

Dentre os cinco tucanos que completam a bancada do PSDB está o ex-presidente nacional da legenda Tasso Jereissati, que defende oposição a Bolsonaro. Já o DEM e o PSD, que contam com três senadores cada em situação indefinida, devem aderir. O Democratas porque busca conquistar a presidência da Câmara, e para isso fechará qualquer acordo com Bolsonaro.

O PSD porque está de olho em ministérios. Apoiador de Haddad no primeiro turno, Ciro Nogueira (PP-PI) é hoje um nome isolado na bancada do Progressista e a expectativa é de que ceda aos demais nomes do partido no Senado e vote com Bolsonaro a partir de fevereiro. Expectativa semelhante de adesão é para os senadores Fernando Collor (PTC) e Carlos Viana (PHS). O ex-presidente simpatiza com a ideia de estado mínimo proposta pela área econômica de Bolsonaro. Carlos Viana é uma incógnita.

Por fim, há os dois eleitos pelo PPS, que já se declarou oposição a Bolsonaro. Mas a evangélica Eliziane Gama (MA) tende a acompanhar Bolsonaro em temas de costumes. E Marcos do Val (ES), conhecido como “o instrutor capixaba da SWAT”, pode votar de acordo com a vontade do capitão reformado em temas de segurança pública.

Para acomodação de ao menos parte deste grupo, a negociação para composição da Mesa Diretora e divisão das presidências de comissões permanentes será fundamental. O MDB quer manter a presidência. Bolsonaro já tem enviado emissários para uma negociação que construa um nome comum que deixe a oposição de fora da Mesa Diretora e das principais comissões temáticas. E tem recebido sinais de simpatia em quase todas as legendas da “zona cinzenta”.

Fonte: JotaInfo